A Associação Brasileira dos Advogados do Povo (Abrapo), o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo) e o Comitê Mineiro de Apoio à Luta pela Terra promoveram no mês de agosto, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o ciclo de debates intitulado A questão agrária – 21 anos da resistência camponesa de Corumbiara. Passadas pouco mais de duas décadas do massacre de famílias camponesas na fazenda Santa Elina em Rondônia, presencia-se, atualmente, a incontestável relevância do problema agrário para a realidade socioeconômica do Brasil. Em razão disso, organizações e personalidades do campo popular e democrático se reuniram, entre os dias 18 e 25 de agosto, para discutirem assuntos pertinentes à luta pela terra no país. A previdência rural, a legislação judiciária vigente sobre conflitos agrários e a violência no campo foram os temas que nortearam a realização dos seminários.
Primeiro seminário do ciclo de debates sobre a questão agrário-camponesa
O primeiro deles ocorreu na Escola Superior Dom Helder Câmara e contou com a participação do Dr. Raphael Beviláqua, procurador da República em Rondônia, da Dra. Ana Cláudia Alexandre, defensora pública em Minas Gerais e do Dr. Matheus Leite, professor da PUC Minas. Os presidentes da Abrapo e do Cebraspo, Dr. Felipe Nicolau e José Pimenta, respectivamente, ficaram incumbidos dos trabalhos de mediação. A abertura da mesa A legislação e a prática do judiciário atual diante dos conflitos por terra e territórios foi realizada pelo pró-reitor da Dom Helder Câmara, Dr. Luiz Chaves. Ex- advogado da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais, a FETAEMG, Chaves recebeu da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) uma imagem do camponês conhecido como “Sula”, falecido no último dia 26 de julho e participante da resistência camponesa de Cachoeirinha, em Minas Gerais.
Em sua fala, José Pimenta chamou a atenção para a importância do debate proposto, já que o poder do velho Estado brasileiro se estrutura em torno da concentração e da dominação da terra. “A concentração da terra, que é elevadíssima no Brasil, está por trás das chacinas e das mortes no campo”, afirmou o presidente do Cebraspo. A esse respeito, a edição 169 de AND publicou dados, extraídos do trabalho de pesquisa do geógrafo Ariovaldo Umbelino, sobre o crescimento sem precedentes da concentração fundiária e da violência do latifúndio durante as gerências petistas. Pimenta citou os estados do Pará e de Rondônia como locais onde as lutas de camponeses, remanescentes de quilombolas e povos indígenas são mais violentamente reprimidas pelo aparelho estatal: “No ano passado, das 183 mortes decorrentes da luta pela terra no mundo, 51 ocorreram no Brasil, sendo que 20 só em Rondônia”.
O seminário prosseguiu com as intervenções do Dr. Raphael Beviláqua. De início, o procurador da República se dedicou a contar brevemente a história fundiária de Rondônia, aspecto que auxilia na compreensão dos conflitos agrários que ocorrem na região. Ele explicou que, a partir do princípio do século XX, o estado de Rondônia passou a ser ocupado graças à distribuição licitatória de terras feita pela União a particulares e entidades públicas. Após algumas décadas, os latifundiários perceberam que poderiam obter altos lucros com a compra e a venda dos títulos. Havia no processo de alienação de terras públicas um modo de acumulação de capital, segundo Beviláqua. “Os grandes latifundiários compraram esses títulos podres por valores irrisórios e revenderam por valores exorbitantes. E uma das formas também de elevar o valor das terras é a retirada de camponeses. Essas são basicamente as origens dos conflitos em Rondônia”, disse.