10 anos depois: um futuro ainda aberto (4ª parte)

27/08/2023
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Os ataques aos direitos do povo durante o governo do PT e de Bolsonaro foram enfrentados pelo protesto popular. Foto: Banco de Dados AND

10 anos depois: um futuro ainda aberto (1ª parte)

10 anos depois: um futuro ainda aberto (2ª parte)

10 anos depois: um futuro ainda aberto (3ª parte)

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Por que, pela primeira vez, o Brasil tem (ou teve) uma extrema direita com relativo alcance de massas? Se os protestos de 2013-14 não abriram caminho ao bolsonarismo, o que abriu?

Sob impacto deles, as eleições de 2014 se caracterizaram, primeiro, pelo alto número de abstenções, votos nulos e em branco: no 1o turno, 29% dos eleitores, ante 26,7% em 2010 e 25% em 2006; no 2o turno, 27,5% em 2014, 28,2% em 2010 e 25% em 2006.

Essa foi a expressão mais clara do rechaço ao velho Estado travestido de “nova República”. Se Bolsonaro fosse fruto desse repúdio, tais cifras teriam caído em 2018, quando foi candidato. Mas igualaram o pico de 2014 (29%) no 1o turno e escalaram para um novo recorde (31%) no 2o. O que o elegeu foi menos a descrença de muitos no regime de gerenciamento civil do Estado que tivera início nos anos 80 do que a crença de outros na possibilidade de corrigi-lo por dentro, pela via institucional, o que pressuporia não estar totalmente corroído.

Seus votos vieram da soma entre os que a ala direita do regime sempre tivera e uma parte – minoritária, mas suficiente para elegê-lo – dos que, de 2002 a 2014, haviam se inclinado por Luís Inácio e sua sucessora designada. Se os votos nulos, em branco e abstenções sobem e os do PSDB e PT caem, a conclusão sobre de onde vieram os de Bolsonaro é aritmética elementar.

Em 2018, como em 2002, parte grande do eleitorado tomou, equivocadamente, peças de reposição do sistema por antagonistas ou reformadores dele. A diferença qualitativa entre tais peças reflete o esgotamento do próprio regime e de seu repertório.

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A revolta contra o péssimo estado dos serviços públicos, a cleptocracia e desmandos variados atingia, mais que o PT, o polo direito do arranjo então vigente (PSDB), que assim governava Minas Gerais, com Aécio Neves, e São Paulo, com Geraldo Alckmin, peças-chave da repressão aos protestos iniciados em 2013.

O segundo traço distintivo das eleições de 2014 teria sido, como apontavam todas as pesquisas de intenção de voto, um 2o turno entre duas ex-ministras de Luís Inácio tidas como de centro-esquerda: Dilma Roussef (embora, objetivamente, seu governo repressor, entreguista e corrupto não fizesse jus a tal classificação) e Marina Silva. A menos de um mês do 1o turno, o flanco direito do espectro eleitoral, ocupado então por Aécio, via-se reduzido à sua expressão mínima: 15%.

Exceto para essa fração relativamente pequena, estava claro que a saída para os impasses nacionais não era pela direita. Esse, e nenhum outro, foi o reflexo eleitoral imediato daquelas manifestações.

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Entraram, então, em cena, ao mesmo tempo e com todo seu peso, os aparatos do PT, do PMDB, do PSDB e do Estado que eles geriam, para destruir Marina e produzir um 2o turno entre Dilma e Aécio, ressuscitando conscientemente uma direita até então batida, mas que começava a se extremar (Aécio erguera como bandeira de campanha, contrariando posição histórica do PSDB, a redução da maioridade penal, por exemplo).

A burocracia petista fez isso porque as pesquisas indicavam que, no 2o turno, Dilma perdia para Marina e ganhava de Aécio. E porque preferia ceder algo a seus sócios nos esquemas de corrupção na Petrobras, Furnas, etc., do que a alguém de fora. Enorme senso de responsabilidade histórica…

Tal disputa expressava também a descoordenação momentânea entre fatores de poder causada pela onda de protestos iniciada em 2013.

Devido ao estreitamento de laços, nos governos do PT, com a China – que, desde 2009, desbancara os EUA como maior parceiro comercial do Brasil – , configurou-se no seio do imperialismo iaqnque um matiz de predileção por Marina, em quem viam uma possibilidade de recomposição cosmética do regime como a procedida em 2002 com Luís Inácio. Endossavam tal perspectiva alguns bancos (burguesia compradora), que, com ele e Dilma, tiveram que voltar a dividir com o latifúndio e a burguesia burocrática a hegemonia quase total de que desfrutavam com FHC.

Interpôs-se o veto do latifúndio a Marina, que, mesmo sem falar em redistribuir terras, era a única figura do cenário institucional a questionar seu modus operandi –  o que lhe valeu, da imprensa marrom eletrônica ligada ao PT, as pechas de “esquerdista radical” e “anti-Brasil”, tão ao gosto bolsonarista. Pelas mesmas razões (ambientais), era malquista pelos cartéis da mineração e da construção pesada, que destroem rios, florestas e modos de vida país adentro. Daí veio a torrente de dinheiro para circunscrever a disputa ao dueto PT-PSDB.

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A mesma guerra suja foi promovida contra Ciro Gomes em 2018 (quando qualquer candidato não petista facilmente derrotaria Bolsonaro em 2o turno) e 2022. A destruição de toda potencial alternativa no campo da centro-esquerda eleitoral e a repressão decidida a qualquer movimento não institucional são pilares da estratégia de sobrevivência do aparato petista – que assegura, com isso, a condição de ala esquerda do sistema – e de sua simbiose com uma direita cada vez mais extremada (ontem, o PSDB; hoje, o bolsonarismo e o generalato).

O petucanismo deu lugar ao bolsopetismo. Nesse arranjo, ambos polos fazem-se votar por exclusão. Em 2018, José Dirceu, na pessoa interposta de Breno Altman, declarava que o “segundo turno ideal” seria entre Bolsonaro e Fernando Haddad. E, em 2022, mediante Fernando Horta, advertia que a aventada cassação da candidatura de Bolsonaro era indesejável porque levaria a “um segundo turno com Lula e alguém com MENOS rejeição que ele”.

Os aprendizes de feiticeiro só não conseguem controlar as forças malignas que conjuraram: o preço dessa tática é deslocar todo o espectro político e social para a direita e extremar quem nela já estava.

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Mas o bolsonarismo não se explica sem a insana política de arrocho promovida pelo governo Dilma após se reeleger prometendo uma guinada à esquerda.

Nunca, antes nem depois, o país conheceu um salto tão vertiginoso do desemprego aberto: de 7,2 milhões de pessoas (6,9% da população economicamente ativa) em 2014 a 11,1 milhões (10,9%) no 1o trimestre de 2016. Ao mesmo tempo, o governo reduzia ou suprimia direitos de desempregados, viúvas, órfãos e deficientes, consolidados ao longo de décadas.

Um ataque tão violento às bases materiais da vida da população trabalhadora, vindo de um governo que dizia defendê-la, desarticulou-a momentaneamente. Na ofensiva, já estava a oposição de direita, então encabeçada por Aécio Neves (que depois perderia tá posto para Bolsonaro) e impulsionada pela guerra de camarilhas do 2o turno de 2014.

Seu acesso às ruas era facilitado pelos mesmos governos – como o do hoje vice-presidente Alckmin, em São Paulo – que haviam reprimido as manifestações de 2013-14. Nessas condições, ela passou a capitalizar a justa ira do povo contra o governo, mesmo sendo parte do problema e não da solução.


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