Cerca de 2 mil militares da ativa se filiaram a partidos políticos oficiais nos últimos anos, a maioria deles em siglas da extrema-direita. Somente entre 2018 e 2020 (eleição de Jair Bolsonaro e dois primeiros anos do governo), 600 dos milicos passaram a integrar agremiações, principalmente o partido do ex-presidente, o PSL (hoje, União Brasil).
As informações são dos jornalistas José Roberto de Toledo, Thais Bilene e Luiz Fernando do Toledo para o jornal monopolista Uol.
Atualmente, 1.250 militares da ativa ainda integram partidos políticos oficiais. Outros abandonaram o barco a partir de 2021.
A filiação, que contraria diretamente o que inciso 5° do parágrafo 3° do artigo 142 diz (“o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos”), atravessa as forças e as patentes. De todas as filiações, 63% foram do Exército, 20% da Marinha e 17% da Aeronáutica.
Um dos que violou o regulamento é o coronel Fernando Guimarães de Siqueira, com histórico em missões internacionais no Haiti, Congo e Costa do Marfim e sete condecorações. Ele se filiou ao PSL em 1° de outubro de 2018.
Em nota, o Exército afirmou que “a Instituição não coaduna com nenhum tipo de desvio de conduta, independente de sua natureza, apurando fatos e adotando as medidas julgadas cabíveis”. Acontece que, na verdade, a politização da força é estimulada desde o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA).
De cima para baixo
Foi o ex-comandante Eduardo Villas-Bôas que começou, em 2015, a fazer pronunciamentos cada vez mais abertamente políticos; a participar de entrevistas em rede nacional (como no programa de entrevistas do apresentador Pedro Bial) para avaliar a situação política e destacar o papel do Exército frente a ela.
Foi sob o comando deste mesmo general que o Exército reacionário passou a centralizar determinados órgãos públicos diretamente ligados a cargos políticos, como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), entregue a Sérgio Etchegoyen no governo de Michel Temer.
Foi o Alto Comando das Forças Armadas que planejou, autorizou e estimulou toda a participação de militares reacionários em órgãos públicos durante o governo de Jair Bolsonaro. Também coordenou a fiscalização das votações das últimas eleições por meio de um organismo próprio. E soltou diferentes notas tratando da situação política, principalmente das agitações golpistas de extrema-direita.
Foi o ACFA que, por meio de sua marionete no governo, José Múcio, pressionou para que PEC 21/21, que limita a participação de militares da ativa em cargos políticos, fosse abrandada, permitindo que os milicos ainda ocupassem cargos de ministros de Estado.
E é mandatório lembrar, também, da reunião do atual comandante do Exército, Miguel Miné Tomás Ribeiro Paiva, no dia 18 de janeiro de 2023 (dez dias depois do 8 de janeiro), quando ainda era Comandante Militar do Sudeste, em que ele destacou como os galinhas verdes “fortaleceram o adversário” com o 8 de janeiro.
“Que coisa infantil, burra, eles [os ‘galinhas verdes’] entregaram um salvo-conduto enorme para uma narrativa que a gente está vendo que está sendo estabelecida agora”. Mais adiante, ele conclui: “No dia 8, a gente teve um evento inaceitável em qualquer circunstância. Vandalismo. Projetou a imagem negativa do Brasil no mundo e, do ponto de vista estratégico, fortalece o adversário. Aí deu problema”.
Quando um comandante reprime uma demonstração da extrema-direita como o 8/1, mas não por princípios, não por discordar do conteúdo, e sim por uma diferença tática, porque as coisas do jeito que foram “fortalece o adversário”, é um estímulo escancarado à politização. Ao admitir tão explicitamente que o Exército tem um “adversário interno”, o caminho já está traçado.