O ano de 2024 registrou 2.185 conflitos agrários, sendo o segundo maior número de conflitos desde 1985, atrás somente do ano de 2023, e as áreas que registraram mais conflitos foram as de avanço do latifúndio (“agronegócio”). É o que aponta o relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicado na manhã de hoje (23/04). A maioria dos conflitos foi por terra (1.680), seguidos por água (266), trabalho servil (151) e as resistências (88).
Os números refletem a intensidade da guerra agrária que se desenrola no interior do Brasil entre latifundiários, principalmente de extrema direita, e os pobres do campo. Esse conflito é marcado pela violência reacionária dos latifundiários, mas também pela resposta dos camponeses, indígenas e outras comunidades, como ressalta a CPT. “Cenário [em que] muitos povos não ficam parados ‘com a boca escancarada de dente, esperando a morte chegar’, mas RESISTEM. É nesse embate entre Violência-Resistência que a CPT apresenta os dados dos conflitos no campo, ano 2024”.
O número de assassinatos caiu de 31 em 2023 para 13 em 2024. As vítimas de assassinato foram cinco indígenas, dois assentados, três sem terra, um quilombola, um pequeno proprietário e um posseiro. Em compensação, o número de ameaças de morte é o maior da última década (272) e as tentativas de assassinato cresceram 43% em relação ao ano passado. Os povos indígenas foram as principais vítimas da violência latifundiária, sofrendo 29% dos ataques do latifúndio e sendo 27% das vítimas de violência pela água, seguidos pelos povos quilombolas (22%), os ribeirinhos (11%), e os posseiros (10%).
O relatório indica que a luta pela terra está crescendo em números e organização. O ano de 2024 registrou o maior número de famílias envolvidas na luta pela terra (226,13 mil), um indicativo do aumento da intensidade da luta pela terra. Ao mesmo tempo, a CPT destaca a organização dos latifundiários e seus capangas em grupos paramilitares como o “Invasão Zero”. Segundo o relatório, esse grupo participou em ataques aos camponeses dos estados de Goiás, Maranhão, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Pará e Pernambuco. Os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará e Santa Catarina também registraram ataques coordenados por latifundiários que seguiram os métodos do bando paramilitar.
Os próprios latifundiários participaram diretamente de assassinatos. “Ao todo, 6 dos 13 casos de assassinatos confirmados no ano de 2024 foram comandados por fazendeiros”, diz a CPT indicando 46% dos casos totais. Outro ponto de destaque foi a participação das polícias nos crimes do latifúndio. As forças de repressão do velho Estado executaram ou apoiaram ao menos “quatro dos casos de assassinatos de 2024, registrados até novembro.” Todos os quatro casos aconteceram “sob a responsabilidade” de latifundiários, apontando a relação umbilical entre as polícias e o latifúndio no campo brasileiro. Em 2025, essa relação criminosa seguiu ganhando corpo com as sucessivas ofensivas de pistoleiros e policiais contra as retomadas dos povos Pataxó e Pataxó Hãhãhãe.
De acordo com o relatório, o grupo “Invasão Zero” possui grande apoio na Câmara dos Deputados. Em um aspecto geral, 44% dos projetos apresentados por deputados eleitos no Centro-Oeste estão de acordo com os interesses do bando, seguidos pelos deputados do Sudeste, em que 22% dos projetos apresentam conteúdo abertamente latifundista. O fenômeno também é expressivo na região Norte, com 14% dos projetos de lei, assim como os 12% de projetos oriundos de deputados eleitos no Nordeste.
A alta no número de ameaças de morte, tentativas de assassinato, e organização dos latifundiários, mas baixa no número de assassinatos, pode ser um reflexo do aumento da organização dos pobres do campo, particularmente aqueles que têm levado adiante sua autodefesa.
Segundo o relatório, 79% dos atentados com intenção de matar foram contra os povos indígenas. Destas, 52% das tentativas de assassinato aconteceram no Mato Grosso do Sul, onde nos últimos anos têm se intensificado os ataques terroristas do latifúndio contra os povos Guarani-Kaiowá e Avá Guarani. Um dos casos chocantes que evidenciaram a campanha genocida já em 2025 foi o incêndio de uma família Guarani-Kaiowá inteira no MS. Uma reportagem exclusiva de AND sobre o caso mostrou como evidências que apontavam contra o latifúndio foram ignoradas pela Polícia Civil.
As áreas que registraram mais conflitos são aquelas conhecidas pelo avanço do latifúndio. O estado que mais registrou ocorrências de violência contra ocupações camponesas e posseiros foi o Maranhão, com 363 casos, um aumento de praticamente 104% em relação aos 178 casos do ano anterior. Os camponeses maranhenses também sofreram a maioria dos casos de envenenamento por agrotóxicos do latifúndio, com 276 ocorrências registradas em 2024. No final de março de 2025, a União das Comunidades em Luta (UCL) convocou todas as comunidades camponesas do Maranhão a se unirem contra a grilagem e organizarem uma resistência ativa de seus territórios contra os grileiros e seus capangas no velho Estado.
O Pará foi o segundo estado que mais registrou ocorrências de conflitos agrários, com 234 casos, seguido da Bahia, governada por Jerônimo Rodrigues (PT), com 135 casos registrados. Rondônia, com 119 casos de violência contra ocupações, Amazonas, com 117, e Mato Grosso do Sul, com 102 casos registrados, completam os seis estados com maior número de violência desse tipo.
Na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), conhecida como a “nova fronteira no agronegócio”, foram registrados ao menos 415 casos de conflitos por terra e 39 por água, um aumento de 81,61% em relação a 2022. Na região da Amacro, que contempla os estados de Amazonas, Acre e Rondônia, registrou-se ao menos 185 conflitos por terra, apresentando um crescimento de dois conflitos em relação a 2024.
O Pará foi o estado que mais apresentou ocorrências de Conflito por Água, com 65 casos. A lista segue com o Maranhão registrando 45 e Minas Gerais 30. Outros estados que registraram esse tipo de registro foram a Bahia com 22, o Mato Grosso com 15 e Roraima com 14. Destes, 71,4% dos conflitos foram pelo uso ou preservação da água, enquanto 22,9% foram por Barragens e Açudes. A apropriação particular de fontes de água provocaram 5,6% dos casos.
Segundo o relatório, os principais agentes dos crimes por água foram os grandes empresários, com 24%, e os latifundiários provocando 22% dos atentados. As mineradoras representaram 13% dos causadores desse tipo de conflito e as hidrelétricas 12%. Em março de 2025, os povos do campo realizaram diversos protestos em frente à Usina de Belo Monte, no Pará, para exigir a reparação histórica dos danos provocados pelo velho Estado brasileiro na região e sofreram a ameaça do ministro de Minas e Energia, André Silveira (PSD) de enviar a Força Nacional para reprimir a mobilização. O Governo Federal, capitaneado pelo oportunismo de Luiz Inácio (PT) foi responsável por 14% dos conflitos, como consta na pesquisa.
A região que mais apresentou confrontos ligados à território e água foi a Norte, com 743 casos. Imediatamente depois, a região Nordeste apresentou ao menos 702 conflitos, apresentando um aumento exponencial em comparação ao ano anterior, que registrou 665 casos. O Centro-Oeste, por sua vez, apresentou 273, enquanto as regiões Sudeste e Sul destacaram 134 e 67 conflitos, respectivamente.
No Centro-Oeste, o número de trabalhadores resgatados em condições de servidão chegou a 234 camponeses, principalmente em trabalhos na pecuária e cana de açúcar. No Nordeste, 207 trabalhadores foram encontrados nessas condições, principalmente em atividades ligadas à produção de etanol e mineração. Na região Norte, o registro contou 132 pessoas, principalmente em atividades ligadas ao desmatamento ilegal e ao garimpo. No Sul, 111 pessoas foram encontradas principalmente em atividades de cultivo de maçãs e nas lavouras de uva.
A região que apresentou o maior número de camponeses resgatados em relações de trabalho servil com o número assombroso de 938 pessoas, submetidas principalmente em lavouras de café e cebolas, foi a região Sudeste, que apresentou a grande maioria dos casos, superando todos os casos registrados em todas as outras regiões somadas.