Reproduzimos, abaixo, um artigo do jornal popular chileno Prensa Chiripilko acerca dos 50 anos do golpe militar no Chile.
Este 11 de setembro marca o 50º aniversário do golpe de Estado conduzido pelo imperialismo norte-americano através de uma junta militar fascista. Parece que já se passou muito tempo, mas ainda em muitas cidades de todo o Chile, ano após ano, jovens e massas populares juntam-se aos protestos realizados a cada 11 de setembro.
Os reacionários dizem sarcasticamente: “Porque estão a protestar se nem sequer nasceram nesta data? É verdade, a nossa juventude não nasceu em 1973. Mas a juventude popular não luta por Allende ou pela UP, mas luta contra a injustiça e para pôr fim ao sofrimento que experimentam dia após dia na sua própria carne.
Caráter de classe do velho Estado chileno
O Chile é um país semicolonial e semifeudal. A opressão imperialista, principalmente ianque, domina o nosso país, permitindo apenas uma independência formal e desenvolvendo um capitalismo atrasado ligado aos interesses das grandes potências, chamado capitalismo burocrático, típico dos países semifeudais.
Os imperialistas são os ventríloquos os “presidentes” são as suas marionetes que, como tal, não decidem nada, mas atuam e movem-se de acordo com as ordens dos seus senhores.
Atualmente, o Chile é oprimido pelo imperialismo, principalmente pelo imperialismo ianque, que atua através das classes dominantes do nosso país, que são a grande burguesia e os latifundiários. É por isso que é correto dizer que o Estado chileno é um Estado que representa o velho, o ultrapassado, é um Estado burguês-latifundiário.
As frações da grande burguesia
Nos países semifeudais, a burguesia divide-se em duas frações: a fração burocrática e a fração compradora.
A fração burocrática é a fração que tende a utilizar o aparelho de Estado mais como uma alavanca para os seus negócios. O velho Estado tem um carácter de classe, é um Estado burguês latifundiário, portanto a “nacionalização” também tem esse caráter de classe.
A fração burocrática tenta enganar-nos, quer fazer-nos crer que a “nacionalização” não é monopolista e que beneficia todos os chilenos. O Banco Estado não suga o sangue de todos os chilenos? As universidades “estatais” não cobram taxas tão altas como as não-estatais? A CODELCO não é uma das empresas mineiras “estatais” que mais subcontrata?
A fração compradora é representada pelo setor da grande burguesia que aposta hoje no reforço do capital monopolista não-estatal, erroneamente chamado “privado” para o diferenciar do capital monopolista estatal [1].
Estas duas frações da grande burguesia (burocrática e compradora) estão em conluio e pugna. Elas estão em conluio para oprimir o povo e ao mesmo tempo lutam por chegar a La Moneda (palácio presidencial), para isso, devem fazer seu exame de brancura diante do imperialismo e ambas têm como principal tarefa manter e fazer evoluir o capitalismo burocrático.
Falsa reforma agrária: o capitalismo burocrático evolui
Em 1973, haviam duas superpotências imperialistas: o imperialismo norte-americano e o social-imperialismo russo [2]. As duas superpotências disputavam o controle do resto do mundo, país a país.
No que diz respeito ao Chile, a gerência de turno de Eduardo Frei Montalva como presidente de 1964 a 1970 (Democrata-Cristão – DC), representante da fração burocrática e de um importante setor de latifundiários, prostrou-se perante o imperialismo ianque e, dentro de seus mandatos, aplicou medidas para fazer evoluir a semifeudalidade e penetrar o capitalismo burocrático no campo. O principal era tentar aplastar a luta pela terra dos camponeses pobres através da “reforma agrária” que o imperialismo americano, com o seu plano Aliança para o Progresso, iniciou sob a direção de Alessandri. Esta falsa reforma agrária não passou de uma compra e venda de terras que manteve uma parte importante da grande propriedade latifundiária (Para mais informações ver o nosso artigo “A falsa reforma agrária” disponível no nosso blog).
A gestão de Salvador Allende também representava a fração burocrática, por isso continuou com os planos de evolução da semifeudalidade e com a missão de conter a luta de classes.
Embora quisesse se disfarçar de socialista, dentro dos partidos que compunham a Unidade Popular (UP) estavam o Partido Socialista, o Partido Radical e alguns setores desvinculados da Democracia Cristã, três partidos burgueses que não iriam agir contra seus próprios interesses. A isso se somava o papel nefasto do revisionismo, que havia desfilado no falso Partido “Comunista”, que tentava fazer passar por marxismo suas políticas contrarrevolucionárias.
A tática do governo da UP era impedir a revolução disfarçando-se de revolucionário. Por exemplo, onde os camponeses lutavam pela terra, os funcionários da UP vinham com a sua falsa reforma agrária; onde os trabalhadores lutavam para expulsar a grande burguesia, a direção da UP indenizava os exploradores em milhões e comprava-lhes as empresas a preço de ouro para as declarar “nacionalizadas”; as lutas dos camponeses foram desviadas pela direção da UP para a burocratização, controlando os comandos dos camponeses; as universidades eram gratuitas, mas as massas pobres não tinham acesso a elas, o teste de aptidão académica, implementado por ordem ianque, foi mantido durante a gestão de Allende para fechar o caminho ao ensino superior para a juventude popular
A crise imperialista e a gestão da UP
No início dos anos 70, as potências e superpotências imperialistas tinham sofrido duros golpes e grandes derrotas. A República Socialista da China deu um novo impulso aos povos do mundo; o triunfo do povo do Vietnam mostrou que o povo de um pequeno país pode derrotar o imperialismo; a explosão dos povos na África, e América Latina, bem como nos próprios países imperialistas, mostrou a crise aguda que se aprofundava.
Os social-imperialistas russos tentaram sair do caminho levando os movimentos de guerrilha à rendição e à capitulação, sob a asa da fração burocrática de cada país. Ao mesmo tempo, utilizaram invasões (como no Afeganistão) e golpes de Estado nas colônias e semicolônias para as colocar sob o seu controle.
O imperialismo ianque, afetado pela crise do início dos anos 70, tornou-se mais agressivo. Vendo que os russos apostavam geralmente em manter o seu controle recorrendo à fração burocrática, o imperialismo norte-americano utilizou a fração compradora para os seus planos imperialistas, através da qual também levou a cabo uma vaga de golpes de Estado.
O golpe de Estado imperialista norte-americano
O gerenciamento de Allende procurou montar dois cavalos. Por um lado, “nacionalizar” a indústria mineira, através de milhões em indenizações ao imperialismo ianque, e assim afirmar-se ao serviço do social-imperialismo russo.
A nível nacional, a UP tentou travar a luta revolucionária apresentando a falsa teoria da “via chilena”, que não é mais do que a tese revisionista de Khrushchev da via pacífica para o socialismo. É a tese podre da conciliação de classes que nega a luta de classes. O objetivo principal era apresentar o imperialismo, não como uma ameaça, mas como um vendido obediente, manter o apoio dos partidos dos proprietários e traficar as exigências das massas para que estas não se revoltassem.
À medida que cresciam as dúvidas entre o povo, cresciam também a demagogia e a repressão da UP. No final do governo de Allende, a UP apelava abertamente a não entrar em confronto. Estes apelos não foram suficientes, e a UP aprovou a lei de controle de armas (1972), que entregava o monopólio da violência às forças armadas e desarmava o povo. As fábricas, os locais de reunião e as casas das massas em revolta foram então invadidos.
O fato da direção da UP querer montar em dois cavalos, abrindo as portas ao social-imperialismo russo, não foi visto com bons olhos pelo imperialismo norte-americano, que não estava disposto a partilhar os despojos. Foi assim que o imperialismo norte-americano liderou o golpe de Estado que destituiu a UP e Allende, colocando em seu lugar a Junta Militar Fascista (JMF). O objetivo era reestruturar o velho Estado burguês-latifundiário e desenvolver o capitalismo burocrático, apoiando o capital monopolista não-estatal.
O balanço da esquerda
Os que mais sofreram com o golpe foram a classe operária, os camponeses e as massas pobres, que, desarmados por Allende e pela UP, além de enganados pelo revisionismo, caíram na desorganização, sem um plano ou programa para organizar a resistência e transformá-la numa luta de libertação nacional.
É verdade que houve organizações que realizaram ações armadas e não há dúvida sobre o heroísmo dos seus combatentes e das massas que deram o seu sangue contra as forças repressivas durante os anos 70, 80 e início dos anos 90. No entanto, estas organizações, em vez de rejeitarem a política podre da UP e procurarem aprender com os erros, olharam para trás com nostalgia. Pensavam que a luta contra o fascismo consistia em derrubar a JMF liderada por Augusto Pinochet e regressar à política da UP.
O Movimento de Esquerda Revolucionaria (MIR) considerava que durante a UP se estava a criar o “Poder Popular” sem ver que se tratava de uma miragem de falso poder popular porque não tinha havido uma verdadeira revolução.
A Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), como braço armado do revisionismo, esperava executar Pinochet e convocar uma Assembleia Constituinte, dirigida pelos partidos da Concertación, o que só teria apressado a chegada de Patricio Aylwin a La Moneda.
O Movimento Juvenil Lautaro (MJL), de acordo com os testemunhos dos seus próprios militantes, não tinha uma perspetiva clara, reivindicava a figura de Allende, assinava declarações conjuntas com o revisionismo, na sua imprensa dava cobertura às “mesas redondas” e no plano internacional depositava as suas esperanças no genocida peruano Alan García, enfrentando o imperialismo.
Apesar de todo este panorama de organizações de esquerda armada cujo objetivo não era a conquista do poder, o Partido Comunista Revolucionário (PCR) foi a única organização que fez uma avaliação correta da UP. No entanto, o PCR não assumiu o seu papel, capitulou e foi liquidado em 1980, o que é muito mais grave.
Recuo e desarticulação
Nos anos 20, Carlos Ibañez pôs em prática um plano fascista que pretendia tomar a seu cargo as reivindicações económicas das massas. Isto levou as organizações que apenas levantavam reivindicações imediatas, sem qualquer perspetiva de conquista do poder, a aderirem ao fascismo. Foi assim que Alejandro Escobar y Carvallo, um dos fundadores do anarquismo no Chile, se tornou governador de Pisagua.
Algo semelhante aconteceu com a vitória do NÃO no plebiscito de 1988 e a subsequente chegada de Aylwin a La Moneda.
Para o imperialismo ianque, o Chile não podia manter a governabilidade sob a junta militar fascista, que após a doutrina de choque de repressão brutal, tortura, raptos, execuções e desaparecimentos tinha ganho uma rejeição generalizada das massas e a tendência para a rebelião estava a crescer. Foi assim que o governo do USA ordenou a destituição de Pinochet e dos seus sequazes e colocou no seu lugar o seu fantoche “democrático” Patricio Aylwin.
As organizações de esquerda armada que, tal como os anarquistas dos anos 20, não tinham qualquer perspetiva de conquistar o poder, ficaram sem base, caíram no desespero e lançaram as suas ações decisivas quase para mostrar que ainda existiam. Como se isso não bastasse, alguns dos seus membros mudaram de lado, tornando-se informadores ou “bajuladores” da CNI (polícia secreta repressiva da JMF), que passou a chamar-se ANI.
O desmantelamento destas organizações não se deve tanto aos golpes da reação como às suas próprias carências, sobretudo ideológicas.
A revolução é inevitável
Apesar de tudo, as massas recorreram a estas organizações de esquerda armada. Porquê? Porque procuravam respostas contra a junta militar fascista através da contestação e da violência. As mesmas respostas eram também procuradas por aqueles que participavam na luta sem pertencer a qualquer organização, mas que sabiam instintivamente que a revolta se justificava.
Após a direção da Concertación, as massas continuaram a lutar. O problema é que não havia uma organização que conduzisse essa luta até à conquista do poder.
Neste 11 de setembro, 50 anos após o golpe, homenageamos todos os mártires que deram a vida lutando contra a junta militar fascista e os seus senhores imperialistas.
Apesar da repressão e das traições, a classe e o povo são generosos e nunca deixarão de dar à luz, aos milhares, os seus melhores filhos e filhas.
Notas:
[1] O capital monopolista do Estado também é privado.
[2] Lenin utiliza o conceito de social-imperialismo para se referir àqueles que em palavras são socialistas, mas em atos são imperialistas. É correto utilizar este conceito para se referir ao Estado da União Soviética (URSS), que após a morte de Stálin abandona o socialismo e, após um golpe de Estado liderado por Khrushchev, se torna imperialista.