O 6 de maio foi instituído, no Brasil, como o Dia Nacional da Matemática. Apesar desta menção honrosa, boa parte dos alunos do país, de diversas faixas etárias, a vêem como um grande bicho-papão. O Brasil tem um dos piores desempenhos matemáticos no mundo, conforme divulgou o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) em agosto de 2022.
No entanto, estudantes de países ricos, como a Alemanha, Canadá e USA, também não apreciam a matéria e sua performance escolar pode ser qualificada como insatisfatória, segundo verificaram pesquisas dos professores David Kollosche, da universidade austríaca de Klagenfurt (entre escolas alemãs), e John Mighton (escolas canadenses e dos Estados Unidos).
Chatice afugenta
Após levantamentos e questionários, ambos professores chegaram a conclusões semelhantes: na maioria das vezes a rejeição e o desinteresse são causados pela forma como o conteúdo é ensinado, sem mostrar a utilidade prática do que está sendo transmitido e sem explorar os conhecimentos prévios dos alunos.
Priorizam-se a mecanização e a memorização em detrimento da reflexão crítica, da análise de situações concretas, da criatividade, do raciocínio lógico, da capacidade de prever, projetar, estruturar o pensamento – diz a Educacross, plataforma para aprendizagem de Matemática e Português.
Não é chato fazer e aprender junto
Vários povos indígenas brasileiros parecem saber lidar com tal problema, pois, em uma aldeia, certos moradores costumam ensinar números, cálculos, geometria, proporção etc. aos demais habitantes, através da prática cotidiana coletiva.
Um exemplo disso é a arquitetura e a engenharia envolvidas na construção de casas de morada e outros tipos de obras (tais como centro religioso, depósito de alimentos, escola, ponte, reservatório de água, etc).
Tal acervo científico foi confirmado pela dissertação de mestrado Saberes Guarani Tambeopé em aulas de Matemática da Educação Básica: Um olhar Etnomatemático às suas Mba’eittxa oo Djadjapo, de Ana Paula Azevedo Moura, do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), em 2019.
“Mba’eittxa oo Djadjapo” significa técnicas construtivas ou, ao pé da letra no idioma guarani, “como se faz a casa”.
Um índio e a Biotecnologia
As relações entre as ciências praticadas por índios e não-índios foram tema de um interessante artigo publicado na Comciencia, revista digital de jornalismo cientifico, por Paula Drummond de Castro e Luanne Caires, em novembro de 2017.
A seguir, um resumo adaptado de Encontros e desencontros: como os conhecimentos indígena e tradicional interagem com o meio universitário:
Primeiro dia de aula do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/SP). O professor pede para cada aluno se apresentar. Chegada sua vez, o jovem Marcondy levanta-se e anuncia “eu sou indígena”, para a surpresa de seus colegas e professor. Seu desejo é conhecer as técnicas e tecnologias de estudo das plantas medicinais e combiná-las com o conhecimento do seu povo.
Marcondy M. de Souza é da etnia Kambeba (ou Omágua, uma poderosa civilização amazônica hoje “redescoberta” pela Arqueologia). Anos depois o estudante estava em Córdoba, Espanha, por meio de um intercâmbio. Desde seu lar no interior do (estado do) AM até Córdoba, Marcondy teve um longo percurso de superação que envolveu educação básica deficiente, escolas distantes, obrigação de aprender outros idiomas, aprovação no vestibular e muito preconceito.
Coisa sem valor
Mas esses não seriam os únicos obstáculos em sua trajetória no mundo do conhecimento acadêmico. Marcondy percebeu que a sua bagagem secular Omágua, adquirida pelo convívio com seus parentes e sábios, não tinha qualquer valor nas instituições acadêmicas, a não ser como objeto de estudo. “Existem conhecimentos Omágua e dos demais povos indígenas na área de educação, saúde, arquitetura, biologia, química, bioquímica etc. que eu e outros indígenas não podemos aplicar. Vejo que o conhecimento científico vem sendo implantado para substituir o conhecimento tradicional. A gente trabalha no sentido contrário: do conhecimento tradicional ser reconhecido tanto quanto o conhecimento científico”.
Um pajé na Academia de Ciências
O trabalho de Marcondy e outros, no sentido da valorização do saber tribal, parece que começa a dar certo.
Pois em outubro de 2021 o líder yanomami, Davi Kopenawa, foi eleito como membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
A eleição do pajé foi definida por um portal da Universidade de S.Carlos como “um marco relevante no reconhecimento público de conhecimentos ancestrais de um povo indígena enquanto ciência.”.