Apesar do nosso respeito pelo autor do artigo publicado, “Parcerias contra a crise dos hospitais federais no Rio” (de Arthur Chioro, presidente da Ebserh, publicado no jornal O Globo no dia 5/8/2024), não podemos concordar com suas teses sobre a crise dessas unidades. Fazer parte da democracia é ter o direito de discordar e apresentar uma visão distinta sobre um problema tão complexo. A verdade é que nem mesmo quando esteve à frente do Ministério da Saúde, o governo federal não fez absolutamente nada para tirar esses hospitais da crise crônica, que se arrastou durante todos os últimos governos. Só quando o programa Fantástico revelou a situação precária dessas unidades, o governo federal parece ter “acordado” para a gravidade do problema, e apresentado soluções atabalhoadas, sem ouvir o controle social previsto na Lei 8.142 (1990) e sem abrir um diálogo efetivo com as instituições representativas da sociedade civil.
Para quem defende o SUS, essa postura é um grave erro. O Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro já se posicionou contrariamente às propostas apresentadas pelo governo até o momento, pois elas representam um risco de privatização e desrespeito à Constituição Federal, que estabelece a saúde como um direito de todos e dever do Estado.
Ao longo dos anos, o governo federal abandonou deliberadamente esses hospitais, permitindo que deputados indicassem as direções das unidades e a gestão fosse feita para atender a interesses político-partidários, em vez de priorizar o atendimento à população. Essa é a verdadeira raiz da crise, que não é de hoje, mas vem se acumulando há décadas.
Além disso, o governo federal não realizou concursos públicos há mais de 20 anos, o que resultou em uma perda enorme da força de trabalho, sem a devida reposição. Argumentar que os atendimentos serão feitos por máquinas ou paredes dos hospitais é simplesmente pueril e esconde a verdadeira razão da crise: a falta de servidores públicos concursados, que são os profissionais capacitados e com estabilidade para atender com qualidade a população.
Instituições como a Fiocruz, reconhecida pela sua excelência na formação de gestores públicos, poderiam ter sido convocadas pelo Ministério da Saúde para oferecer treinamento e apoio à gestão desses hospitais. No entanto, essa iniciativa nunca foi tomada, contribuindo para a precarização e partidarização das unidades. Nunca é demais lembrar que todas as tentativas de municipalização ou estadualização dessas unidades de alta complexidade foram desastrosas e fizeram com que o governo federal voltasse a sua gestão.
Não basta o governo federal se unir ao setor privado na tentativa de resolver o problema. Essa não é a solução. Esses hospitais federais são e sempre serão referências locais e nacionais, desde que tratados com o devido respeito e com o cumprimento da legislação do SUS. Vale destacar que o privado hoje já se tornou algo inaceitável no SUS. Quase todas as unidades públicas têm a presença do privado em suas instalações, distorcendo a regra constitucional de que o privado é complemento. Aqui incluo as instituições que são chamadas de públicas, mas não dizem que são de direito privado. Se guiam pelas regras do setor privado, utilizando grandes somas do dinheiro público que deveria ir direto para essas instituições. As greves dos hospitais universitários revelaram as fragilidades dessa parceria, o que não queremos em nossos hospitais.
Portanto, a crise dos hospitais federais no Rio de Janeiro é, de fato, inteira responsabilidade do Ministério da Saúde, que ao longo dos anos abandonou essas unidades, permitiu a interferência política e a precarização do quadro de servidores. A solução passa, necessariamente, pelo fortalecimento do setor público, com a realização de concursos, o estabelecimento de uma carreira que incentive esses profissionais, a valorização da gestão pública e o investimento na manutenção e modernização de tais estruturas, tão importantes para o atendimento à saúde da população.
*Jorge Darze é médico e diretor da Federação Nacional de Médicos
Este texto expressa a opinião do autor.