A ‘democracia’ que o parlamento defende

A ‘democracia’ que o parlamento defende

Assembleia Nacional Constituinte assina o pacto de classe de 1988, também chamada de “Constituição”. Foto: Banco de Dados AND

Desde dezembro de 2019 está sendo discutido o Orçamento impositivo no Congresso, entrando em contradição com o governo. O projeto retira autonomia do governo sobre o orçamento e destina, obrigatoriamente, uma grande parte aos parlamentares. A manifestação do dia 15 de março, convocada e desconvocada por Bolsonaro, visa atacar o parlamento para obrigá-lo a ceder. A crise política cresce, agita toda a estrutura do velho Estado e conduz a abalos institucionais. Lutas palacianas que já são também crise militar.

A manifestação fascista, a propósito, marcada pelos bolsonaristas e desmarcadas sob pressão dos generais, levaria às ruas um contingente de massas – especialmente os setores médios, esses que acreditam que a raiz de todos os problemas é a corrupção. E a razão é que a convocação assentava-se no ataque a um desmoralizado e corrupto Congresso. Mas não se constituiria em um marco e nem um influxo para o bolsonarismo.

A contradição aguda que existe na disputa pela direção da ofensiva contrarrevolucionária preventiva entre a extrema-direita chefiada por Bolsonaro e a direita militar e civil, chefiada pelo Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) e grande parte do parlamento às vezes induz as pessoas a crer que o parlamento defende as liberdades e a democracia. Mas não é disso que se trata.

As cinco forças

A situação política surgida das eleições de 2018 dividiu a sociedade em, essencialmente, cinco forças. São elas: 

1) A extrema-direita militar e civil (Bolsonaro e seu grupo, com base social limitada aos setores inferiores das classes dominantes e parte inferior do monopólio de imprensa, que querem impor um regime militar-fascista); 2) a direita militar e civil (ACFA, os setores mais poderosos dos grandes industriais, dos banqueiros, dos latifundiários e agronegócio, dos grandes comerciantes, dos monopólios de imprensa, que querem manter a fachada democrática e constitucional, mas restringindo direitos e liberdades e com poder concentrado no Executivo); 3) a centro-direita (ou direita tradicional, concentrada no parlamento e no Supremo); 4) o oportunismo (falsa esquerda eleitoreira); e 5) o movimento revolucionário popular (organizações classistas do proletariado, do campesinato, dos setores proletarizados da pequena burguesia, dos estudantes e intelectuais democráticos).

Essas forças lutam entre si e algumas se aliam. No seio das classes dominantes, a ofensiva contrarrevolucionária, cuja direção é disputada pela direita e a extrema-direita, maneja com a centro-direita parlamentar e confronta-se em diferentes níveis com o oportunismo e o movimento revolucionário. Isso porque precisam recuperar a economia da crise através da imposição de ataques aos direitos do povo e corte dos “gastos públicos”. Para viabilizar tais ataques é preciso retirar poder e funções do parlamento, reduzindo a necessidade de “negociações”.

Pra que serve o parlamento

A função do parlamento surgido com a república democrático-burguesa, historicamente, foi mascarar a dominação de classe, através de uma suposta “universalização do acesso ao poder” através de eleições onde qualquer cidadão poderia candidatar-se e eleger-se.

Conforme o capitalismo foi-se consolidando e passou da livre concorrência ao regime dos monopólios, o imperialismo, foi ficando claro ao proletariado que a real função do parlamento é reproduzir a dominação da burguesia e legitimar sua ditadura como democracia, de modo ainda mais sofisticado porque oculto.

Para a burguesia, no entanto, o parlamento cumpre ainda outra função, a de regular as disputas entre os burgueses. Dividida em frações e por grupos de poder, a burguesia luta internamente pela posse dos recursos e, principalmente, pelo controle do seu Estado para dirigir a aplicação da política econômica, social e cultural, dominar ao máximo o acesso aos mercados, ter todas as vantagens etc. Para tanto, trata de comprar com seu volume colossal de dinheiro o máximo possível de candidatos, fazê-los eleitos e assegurar pelo parlamento seus interesses no Estado. É uma distribuição de forças no seio da burguesia.

O Congresso no Brasil

No Brasil, que nunca passou por uma verdadeira república democrática (temos uma república burocrático-latifundiária, assentada nas estruturas semifeudais e semicoloniais), essa relação de dominação burguesa sobre o parlamento é ainda mais escrachada. Ela é uma luta das frações da grande burguesia e os latifundiários por definir quem controlará ao máximo o velho Estado para dirigir a aplicação da política ditada pelo imperialismo, principalmente ianque (Estados Unidos, USA).

Os parlamentares são representantes diretos e abertos das oligarquias regionais, alguns deles senhores de terras embrulhados em “modernidade” (agronegócio), e dossetores da grande burguesia (das suas frações: burocrática e compradora). Na situação atual brigam entre si para administrar a política do imperialismo de modo a tirar o máximo de proveito de seu capital e interesses. Ademais de lutar por projetos pessoais.

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre pugnam contra o governo não pela “democracia”. Lutam pelos interesses de determinados monopólios, e pela simples razão: podem perder, com o enfraquecimento do parlamento, o poder que hoje têm e o que podem vir a ter.

A ofensiva contrarrevolucionária, por sua vez, precisa impor ataques aos direitos do povo rapidamente e esbarra no parlamento, que exige contrapartidas, como aprovar emendas parlamentares para os congressistas em benefício dos seus patrões. A ofensiva contrarrevolucionária quer centralização de poder. O golpe militar em marcha precisa recuperar rapidamente o capitalismo burocrático da crise (tarefa muito difícil) e os interesses fragmentados dos diversos grupos de poder no parlamento atrasam tal tarefa, ademais de estar muito desmoralizado ante as massas e sem qualquer legitimidade. Daí a contradição entre ambos.

Democracia verdadeira

A única verdadeira democracia possível para o Brasil só virá com a Revolução Democrática, Agrária e Anti-imperialista. Ao liquidar o latifúndio, a Nova Democracia liberta milhões de camponeses das amarras feudais e semifeudais cujas formas evoluem. Ao liquidá-lo, a Revolução liberta econômica, ideológica, política, militar e culturalmente esse contingente da dominação direta exercida no campo pelos latifundiários.

Todas as velhas relações no Estado, de promiscuidade entre o privado e o público, como vemos nos casos de corrupção diuturnos, são heranças da dominação feudal dos senhores de terras, que foram passadas para os grandes burgueses oriundos desse meio. Desde o Brasil colonial reproduz-se também a mesma essência semifeudal na cultura e na ideologia. A dinâmica dos funcionários na estrutura estatal reproduz os métodos burocráticos dos Estados feudais, órfãos de tradição democrática.

O mesmo se passa com as massas, que só podem adquirir elevação na sua consciência, do seu papel na cena política e na história através da Revolução Democrática, após elas mesmas participarem de um movimento democrático-nacional e testemunhar as grandes e profundas transformações de que são capazes de fazer. Do ponto de vista do proletariado, só passando por essa etapa é possível construir exitosamente o Socialismo.

Por sua vez, apenas o proletariado revolucionário pode, hoje, desatar a grande torrente da revolução democrático-nacional, a começar pela Revolução Agrária. Só os revolucionários proletários, comunistas, por não terem nenhum interesse a preservar desta velha ordem, podem dirigir e levar adiante tal luta, unindo-se aos camponeses, massas mais oprimidas pela semifeudalidade, pelo imperialismo e pelo capitalismo burocrático.

Neste 25 de março, em que se completam 98 anos da fundação do Partido Comunista do Brasil (P.C.B.), é necessário resgatar que somente com um partido revolucionário do proletariado restabelecido pode o Brasil sair dos séculos de atraso burocrático-feudal no qual está submerso, encontrar a verdadeira e Nova Democracia. As massas, a seu modo, cobram e anseiam por isso.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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