A guerrilha dos pretos do Benedito

A guerrilha dos pretos do Benedito

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Um grupo de escravos afro-brasileiros realizou durante 40 anos uma série de ataques vitoriosos, com métodos similares à guerrilha, e transtornou as classes dominantes do Espírito Santo e do Império de Pedro II.

Surgidas em São Mateus, ao norte da hoje capital Vitória nos anos 1800, as ações rebeldes estão sendo consideradas por historiadores atuais como as mais destacadas lutas quilombolas do país, 200 anos após Zumbi dos Palmares. (*)

UM ESPERTO FALECIDO

Tudo começou com Benedito Caravelas.

Benedito foi um escravo nascido em 1805 na cidade capixaba de S.Mateus, na época designada Villa Nova do Rio de Sam Matheus. Seu porto foi o maior ancoradouro de navios negreiros do Brasil Colônia, embora historicamente menos divulgado que os do RJ e BA.

Em uma das vezes em que foi preso, Benedito chegou a São Mateus amarrado pelo pescoço, puxado por um capitão-do-mato a cavalo. Os pretos presos junto a ele foram obrigados a surrá-lo. Dado como morto, seu corpo foi entregue aos escravos para realizarem o sepultamento no cemitério da Cachoeira do Cravo. Estes deixaram o corpo na igreja de São Benedito e ficaram rezando no lado de fora. No outro dia, quando entraram na igreja, não encontraram o morto, apenas pegadas com marcas de sangue. A partir daí, começaram a surgir lendas sobre ele. Uma delas foi a de que era protegido por  São Benedito, pois levava uma pequena imagem do santo em um embornal.

O TERROR DOS PODEROSOS

“Suas qualidades de líder, sua coragem e sua astúcia transformaram-no em símbolo de esperança de libertação para os escravos da região norte do ES”, afirmou E. Nardoto no livro História de São Mateus. Insurreições em São Mateus, editado em 1999.

Um relato oficial do século XIX informou que ele criou um quilombo e mostrou o quanto o líder e seus seguidores atormentavam as classes dominantes: “20 escravos fugidos, comandados pelo criminoso Benedito, condenado a galés, ex-escravo dos herdeiros de Dona Rita Cunha, mãe do Barão dos Aymorés, formavam um quilombo em São Mateus. O grupo, cujos elementos viviam dispersos por diferentes lugares da comarca, espalhavam o terror por onde passavam, atirando e roubando.”

Os pretos guerrilheiros de Benedito invadiam fazendas para ocupar senzalas e libertar escravizados.

SERÁ O BENEDITO???

O líder e seus companheiros atuavam sempre divididos em pequenos batalhões, sendo que cada um tinha um chefe que se vestia igual a Benedito, mantendo também suas mesmas características bélicas, a fim de confundir os perseguidores.

Com tal artifício, parecia que o comandante preto estava em vários locais ao mesmo tempo. Recebeu por isso o apelido de “Benedito Meia-Légua”, uma referência à sua suposta agilidade e velocidade.

A fama do escravo fazia com que as classes dominantes se perguntassem, surpreendidas e impactadas frente aos ataques rápidos: “Será o Benedito (o culpado)?”, surgindo aí a expressão usada até hoje no Brasil.

Quando era noticiada sua morte, ele (ou um sósia) reaparecia em outra localidade, fazendo novas investidas. Graças a isso, espalhou-se outra lenda: a de que Benedito era imortal.

HOMENAGEADO ATÉ HOJE

A realidade ficou perto disso. Sua figura ficou imortalizada e ele virou um herói popular em áreas do ES e do Nordeste, onde até hoje são feitas encenações de Congada e Ticumbi em sua homenagem.

Todo dia 1º de janeiro, na região de Colatina (ES), o cortejo de Ticumbi costuma levar uma pequena imagem de São Benedito do Córrego das Piabas até a igreja para celebrar a memória do líder quilombola.

“Benedito Meia-Légua” liderou seu quilombo e os ataques a fazendas até a velhice. Os patrões nunca conseguiram enfrentá-lo frente a frente, olho no olho. Tiveram que armar uma emboscada para conseguir matá-lo, quando ele já tinha 80 anos e estava doente e manco.

Imagem de destaque: Benedito Caravelas. Foto: Reprodução

Principais fontes:

Maciel de Aguiar,livro Benedito Meia-Légua – A saga de um revolucionário da liberdade, Memorial, 1995; jornal A Gazeta de Vitória; Nei Lopes Dicionário escolar afro-brasileiro, Selo Negro, 2006;

Folha Online, 20 novembro 2010 (Além de Zumbi, outros guerreiros negros lutaram contra a escravidão); Agenda Bonifácio/Governo de SP 2022 (O temido líder quilombola que inspirou a expressão…)

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