A guerrilha dos pretos do Benedito (Parte 2)

Benedito Meia-Légua.
Benedito Meia-Légua.

A guerrilha dos pretos do Benedito (Parte 2)

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Um grupo de escravos afro-brasileiros realizou durante 40 anos uma série de ataques vitoriosos, com métodos similares à guerrilha, e transtornou as classes dominantes do estado do Espírito Santo e de certo modo até o Império de Pedro II.

Surgidas em São Mateus, ao norte da hoje capital Vitória nos anos 1800, as ações rebeldes estão sendo consideradas por historiadores entre as mais destacadas lutas quilombolas do país, 200 anos após Zumbi dos Palmares (ver tais fontes na Parte 1 desta reportagem).

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Pássaro de Fogo

Chefiados por Benedito Meia-Légua, “só na região norte do Espírito Santo, no Vale do rio Cricaré, onde existem dezenas de comunidades quilombolas, diversos negros feitos escravos fizeram história. Eles têm suas sagas registradas no livro Os Últimos Zumbis, de Maciel de Aguiar”, informou a Folha de São Paulo em 20 de novembro de 2010.

Uma figura que se tornou lendária, além do próprio Benedito, foi Viriato Cancão-de-Fogo. Cancão é um pássaro, também conhecido como gralhão.

Sobre Viriato dizia-se ter vindo ao Brasil ainda menino, num navio lotado de africanos. Corria a história de que ele só andava na escuridão, nunca na luz do dia. Era temido por seus poderes, por praticar a cabula, uma religião africana. Falava-se que quando algum escravo em fuga estava encurralado, gritava pelo nome de Viriato e ele logo surgia para socorrê-lo. Ninguém sabe como ele morreu. Os antigos diziam apenas que ele se tornou encantado.

Constança duela com Zé Diabo

Na segunda metade do século 19, Constança de Angola marca a triste história dos filhos de escravos no período. Essas crianças, após a Lei do Ventre Livre (1871), não podiam trabalhar e significavam prejuízo para os fazendeiros escravocratas.

Cruelmente, muitas foram queimadas ou afogadas pelos donos das fazendas.

Foi o que aconteceu com o filho de Constança, que foi jogado na fornalha por chorar insistentemente. A mãe do menino foi acorrentada para que não pudesse se vingar, mas conseguiu fugir com a ajuda dos guerrilheiros de Benedito e se juntou a eles. Lutou muito, até conseguir matar seu pior inimigo, o capitão-do-mato Zé Diabo, que havia sacrificado seu bebê. No duelo ela também morreu, mas acabou vitoriosa em seu almejado revide.

Os 12 do Benedito

O livro Os Últimos Zumbis “traz a história de luta contra a escravidão de 13 quilombolas (sendo 12 os nomes principais do grupo de Benedito): Zacimba Gaba, Viriato Cancão-de-Fogo, Mateus Purquério, Constância de Angola, Beatinho de São Benedito, Negro Rugério, Preto Bongo, Clara Maria do Rosário, Chico Pombo, Silvestre Nagô, Teodorinho Trinca-Ferro, Rosa Flor (e o próprio Benedito Meia Légua). A guerrilha destes heróis teve como cenário o sítio histórico Porto de São Mateus.

Todas as histórias foram narradas por ex-escravos e seus descendentes para o escritor (Maciel de Aguiar). (…) Esta é a parte da história do Brasil que não se conta nas escolas e que jamais poderá ser esquecida.” (Adaptado de texto de Zacimba Aguiar‎, Afro Mix Feira,11 de junho de 2015)· 

Quilombos, contatos e guerrilha

“O regime escravista no norte do Espírito Santo teve seu auge na segunda metade do século XIX quando, além da farinha de mandioca e cana de açúcar, houve a intensificação da cafeicultura (…).”

“(…) jornais da capital indicavam que o fim da escravidão era iminente pela crueldade que ela trazia em si, tentando promover um sentimento de empatia pelo sofrimento dos escravizados, mas também consideravam os negros fugitivos como criminosos (…).”

“A ambiguidade social despertada pela causa da abolição foi frequente no século XIX em todo o Brasil. De fato houve um aumento considerável de ações pelos escravizados com o objetivo de promover a abolição, seja de um pequeno grupo ou região, como estopim para um evento nacional.”

“Os escravizados tinham redes de contatos, promoviam discussões, organizavam guerrilhas e movimentos que davam fugas a muitos em fazendas, organizavam revoltas e principalmente formavam quilombos, tanto para acolher fugitivos como para ter um local onde reinava a liberdade, a cultura africana e era possível traçar novas estratégias de luta pela libertação dos ainda escravizados.”

(Adaptação do artigo Guerreiros da liberdade: A luta dos afrobrasileiros no Vale do Cricaré nos últimos anos do império; dos historiadores e professores Izabel Maria da Penha e Rogério Frigerio Piva, 27 de novembro de 2020.)

Revolta obtém alforria e armas

A 19 de março de 1849, na Freguesia de Queimado, estourou uma rebelião de cerca de 200 escravos. No auge da revolta alguns senhores, em suas fazendas, foram obrigados a assinar cartas de alforria, libertar negros e entregar armas.

A rebelião foi duramente reprimida, com açoitamento e forca a muitos, porém dos líderes pretos, a maioria conseguiu escapar, entre eles Elisiário, mentor da revolta, e Caudilho Negro. Outros líderes deste movimento, que ficaram na memória do povo preto foram: Domingos Corcunda, Carlos, Eleutério, Benedito, João Pequeno e o irmão de Elisiário, também chamado João.

Medo e desespero das “elites”

O impacto da Revolta de Queimado foi tanto que o medo das “elites” dominantes motivou uma série apressada e desesperada de medidas autoprotetivas.

Os deputados aprovaram proibições à população, principalmente aos escravos. Cortaram-se as licenças para venda de armas, chumbo e balas, além do porte de armas, inclusive canivetes. A lei se estendeu também a ferreiros e comerciantes, proibindo-se a fabricação de armas contundentes e a venda de facas de ponta.

O escravo nada podia comprar ou vender. Nada podia portar. O taverneiro, negociante, lojista, não podia consentir reuniões e palestras entre escravos. O escravo não podia circular à noite, depois do toque de recolher, sem autorização de seu dono.

Nas festas de São Benedito ficou proibido fazer reuniões de pretos, os quais não podiam mais se juntar para danças e folias. As proibições de participação nas festas do entrudo (carnaval) também foram impostas e punidas com rigor.

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