Milhares marcharam contra o governo golpistas e os ataques contra os direitos democráticos, no Rio de Janeiro. Foto: Rodrigo Duarte Baptista/AND
A ofensiva da extrema-direita, com a conivência e respaldo da direita militar do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) reacionárias, diante do perigo iminente de uma rebelião popular análoga à de 2013-14 centuplicada, coloca em alerta todos aqueles com o mínimo de sentimento democrático.
As manifestações que vêm tomando as ruas, nas últimas semanas, repercutem positivamente entre a intelectualidade democrata e as massas populares. Elas expressam não só a repulsa popular ao fascismo que bravateia, mas principalmente coloca inevitavelmente a disputa sobre qual democracia o progresso do Brasil reclama: aquela única capaz de varrer este fascismo secularmente encubado, que de tempos em tempos levanta sua cabeça de víbora, e levar a termos a libertação social e nacional de nossa Pátria.
E não poderia deixar de ser um governo de energúmenos e boçais – como o mais fiel e patético retrato de um sistema político putrefato e agonizante da velha democracia burguesa, isto é, a ditadura burguesa de um velho Estado de decadentes classes dominantes de grandes burgueses e latifundiários – a ser a chocadeira do ovo da serpente. A deterioração deste brutal sistema de exploração e opressão do povo e da nação atingiu todos os planos: político, econômico, social e cultural. E a mortandade que assola o país põe a nu a moral bastarda e imunda destas classes dominantes sanguessugas do povo e parasitas da sociedade.
Divididas, estas classes dominantes em pugna interna por definir qual regime salvará seu sistema do colapso partem para a luta aberta não só mais nos covis de suas instituições – estes túmulos caiados chamados Três Poderes –, mas já se batem para manobrar as massas que começam a retomar as ruas e tentam impor ao protesto popular sua bolorenta palavra de ordem de “democracia”, democracia dos ricos. Assacam a palavra “democracia” vazia de enfoque nas reais contradições de nossa sociedade a todo momento para brandi-la para todos os lados em contraposição às conspirações golpistas palacianas.
Os defensores do golpe militar de 1964, os vetustos O Globo, o Estadão e a Folha de São Paulo (nascida da junção carnal com a milicada fascista) etc. monopólios de imprensa porta-vozes históricos destas mesmas classes dominantes e de seu sistema burocrático contrarrevolucionário, passaram ao ataque. Trombeteiam como se fossem desde sempre os guardiães da democracia (claro, da democracia da economia de Paulo Guedes da “reforma trabalhista”, da “reforma da previdência”, das medidas emergenciais da pandemia de “redução de jornada com redução de salário”, “suspensão ‘temporária’ do contrato de trabalho”, etc). Agora, vendo-se ameaçados em seus interesses, se avalentoam passando ao ataque aberto a este governo de um celerado que se apoia nas forças mais retrógradas de nossa sociedade, a milicada obtusa, o lumpesinato empresarial, pandilhas de “milicianos” e galinhas verdes avulsos ou em tropas ocultas em quartéis, além de parcelas incautas das massas populares entorpecidas pelo fundamentalismo religioso.
E aí está a torrente de editoriais e artigos sobre democracia de eminências desses jornalões e da indústria global de lavagem cerebral, da falsificação da realidade. Estes que se esmeram em desqualificar como bandidos camponeses pobres em luta pela terra, em criminalizar a mais simples greve de trabalhadores acossados pela miséria, em mover sua impenitente cruzada persecutória à ardorosa juventude combatente, amante da liberdade e da justiça, com a alcunha xenófoba e chauvinista de “vândalos”. Mas para chamar Bolsonaro de extremista ou fascista necessitam antes recitar a ladainha anticomunista, requentar ataques a Stalin e até o absurdo do anedotário, de acusar Lula e o PT de esquerdistas. Paciência. Hoje, neste ambiente sem ética nenhuma pode-se dizer enormidades à revelia. Olavo de Carvalho não acusa o Estadão e a Globo de imprensa comunista? Até néscios como Eduardo Bolsonaro ousam filosofar sobre democracia, pomposamente citando Churchill em frase que este jamais proferiu, de que “os fascistas do futuro chamarão a si mesmos de antifascistas”.
Assim, os reacionários, como também toda a falsa esquerda oportunista eleitoreira, tentam sacramentar a palavra democracia à imagem e semelhança de seu esfarrapado “Estado democrático de direito”, como legitimadora do carcomido sistema de exploração e opressão vigente. Tentam fazê-lo servindo-se de um ataque somente a Bolsonaro que, em suas verborragias incontinentes, espanta do país os “investidores” estrangeiros e ameaça a farsa eleitoral. Buscam aparentar a contradição como sendo entre democracia em geral (ou democracia burguesa, ou velha democracia, como quisermos) versus fascismo.
Uma velha democracia
É um engodo ridículo contrapor democracia em geral como antítese do fascismo, pois ambas são formas diversas da ditadura burocrático-latifundiária em nosso país, e que compartilham a mesma base social (aqui, a grande burguesia burocrática e compradora e o latifúndio, serviçais do imperialismo, principalmente norte-americano). Ou seja, são sistemas de governo distintos, porém expressão do mesmo sistema de Poder.
Em todo o mundo, dentro da democracia burguesa, a concentração e centralização da riqueza e do capital, que gera dia a dia uma massa de miseráveis e proletários constantemente maior e um punhado infimamente menor de oligarcas financeiros, obriga a burguesia a reduzir direitos, aumentar a exploração para compensar a lei do capital de queda tendencial da taxa de lucro médio, e, por consequência, restringir direitos trabalhistas, sindicais, e, por fim, o máximo possível das próprias liberdades democráticas. Esse fenômeno, universal e válido a todos os países regidos pelo capital (imperialistas ou coloniais-semicoloniais/semifeudais), mostra que, na sua fase monopolista imperialista, existe uma tendência inevitável ao fascismo, embora prossiga através de disputas internas, dada as contradições interburguesas e interimperialistas.
Aquela democracia, cujos ditos “liberais” arvoram-se ferrenhos defensores, por desgraça para eles morreu de velha, decrépita, seja ali onde ocorreram revoluções democrático-burguesas (que criou e estabeleceu a república democrática, o sufrágio universal, os direitos e liberdades civis) seja ali onde não ocorreram e na qual a república democrática é caricatural e os direitos do povo meras formalidades, violadas e aviltadas a cada oportunidade.
Fato é que a democracia burguesa em geral já não comporta as necessidades da base material às quais deve servir e serve, uma vez que as relações de produção nas quais repousa entravam o livre desenvolvimento das forças produtivas. A razão de, em todo o mundo, crescer a tendência a governos gradualmente mais absolutistas (mesmo os que se dizem de “esquerda” o fazem) é produto direto disso. Pretender voltar àquela “magnífica” democracia liberal, do século XVIII e XIX, é um sonho morto.
José Carlos Mariátegui, cirurgicamente, aponta assim a razão de a democracia burguesa estar em crise, já na década de 1920: “O Estado demoliberal burguês foi produto da ascensão da burguesia à posição de classe dominante. Agora, como então, o novo jogo das forças econômicas e produtoras reclama uma nova organização política. Anquilosada, petrificada, a forma democrática, como as que precederam-na historicamente, não pode conter já a nova realidade humana”.
Por isso a reação obrigatoriamente ataca os direitos das massas, seja mantendo as formas “democráticas” deformando-as e com conteúdo crescentemente esvaziado, seja através do fascismo, fundamentando e negando esses direitos em termos absolutos.
Democracia ultrarreacionária e fascismo
É certo que o fascismo é o inimigo mais perigoso da sociedade moderna. No entanto, no seio da grande burguesia e dos latifundiários, os que predicam a “democracia” de negação de direitos e liberdades democráticas para enfrentar as crises e confrontar a Revolução, pavimentam, com suas leis de exceção e restrições, a via para o fascismo. Como os passos dados nesse sentido, recordemos a Lei Antiterrorista ditada pelos ianques ao governo Dilma e aprovada pelo Congresso.
Diante desse fato importante, alguns cometem um verdadeiro crime quando apontam, na situação atual, apenas contra o fascista Bolsonaro, deixando livre a casta de privilegiados da generalada ultrarreacionária (que predicam avançar avassaladoramente sobre os direitos democráticos, preparando o terreno para o fascismo, que eles mesmos, diga-se de passagem, estão dispostos a lançar mão se necessário). Sem dizer que, ao não denunciar o Congresso e o judiciário de corruptos, seus crimes e a sua contribuição à reacionarização, lançam ainda as massas para o colo da ofensiva contrarrevolucionária (que aponta contra esses valhacoutos para “moralizar” o sistema diante da opinião pública), ou ao colo dos reacionários “liberais” hipócritas, em defesa da “democracia” (que esmaga as massas de mil formas) e contra a Revolução redentora.
Nova Democracia x tendência ao fascismo
Assim sendo, não há outra forma de abortar o fascismo – não há outro sentido justo para o antifascismo – que a não seja destruir as bases que geram essa aberração, e há que se apontar ainda àqueles que preparam o terreno. No nosso caso, trata-se de empreender a Revolução de Nova Democracia. Essa anomalia secular de nossa sociedade, mantida e potenciada em nossa história contemporânea, é resultante da inexistência de uma revolução democrática triunfante, sempre combatida e destruída a ferro, fogo e sangue até aqui por estas Forças Armadas genocidas que querem se posar de defensoras da nação, da pátria, da democracia e do povo. “Braço forte” contra o povo e os interesses nacionais, “mão amiga” do imperialismo ianque. Basta recorrer aos fatos de nossa história pra se ver.
Portanto, a contradição de nossa sociedade não é fascismo versus democracia em geral, mas sim: tendência para o fascismo versus a nova democracia. Ou seja: o caminho burocrático da reação versus o caminho democrático do povo.
Se é impensável querer nos países imperialistas retornar à democracia dos tempos de seu apogeu, da livre concorrência, é ainda mais absurdo aqui, onde ela não é mais que um arremedo surgido sobre as bases arcaicas e anacrônicas da semifeudalidade. Pensemos: se o essencial da democracia burguesa são os direitos democráticos e a independência nacional, quando eles existiram, em especial, para as massas populares, que nas favelas vivem a negação absoluta do direito à organização, à livre manifestação e expressão, nas mãos de mil forças militares e “milicianas”? E que dizer dos camponeses, sob controle político, militar e paramilitar direto do latifúndio, em regime de servidão ou semisservidão, presos à terra ou sem terra nenhuma?
A única via para a democracia no Brasil, mesmo no seu sentido estritamente burguês, é a liquidação das bases semifeudais e burocráticas. É confiscar o latifúndio, o grande capital atado a ele (grande burguesia) e o imperialismo que sustenta e se aproveita disso tudo. Como tal é urgente a Revolução Agrária que inicia essa obra aclamada pelas massas camponesas e pelos democratas. Esta é a tarefa histórica pendente e atrasada sem a qual não é possível estabelecer a República Democrática e completar a formação nacional com sua integral soberania e independência. Tarefa que, desde o início da época contemporânea de nossa história, só poderia e só pode ser resolvida hoje pela revolução burguesa de novo tipo, a nova democracia ou poder das classes exploradas e oprimidas: o proletariado como dirigente, os camponeses pobres, a pequena-burguesia urbana e setores da média burguesia. Revolução que prepara a passagem, ininterruptamente, à revolução socialista.