Antes de 1935, os comunistas organizavam destacamentos armados no interior do Nordeste, na primeira experiência de luta armada dirigida pelos marxistas no continente. Foto: Banco de Dados AND
Bem antes do Levante Popular de 1935 já existia luta armada no interior do Rio Grande do Norte (RN). Apelidados de “Bandoleiros Vermelhos”, os mal intencionados dizem que nem sequer tinham nome próprio. Portanto, faz-se necessário ir além do que indicam o monopólio de imprensa e os latifundiários locais e com um olhar mais atento, desbravar quem de fato foram os guerrilheiros do Oeste Potiguar.
A atuação do P.C.B. no interior do RN
O Partido Comunista do Brasil (P.C.B.) era forte em todo o RN, principalmente no interior deste que sempre foi um estado predominantemente camponês. Os comunistas, atuando principalmente nos sindicatos, faziam parte da vida das massas camponesas, operárias e principalmente entre os salineiros de Mossoró e Assu. Promoviam greves, distribuíam panfletos e jornais do Partido e, dessa forma, foram ampliando o apoio e criando cada vez mais quadros, dirigentes preparados e experimentados naquelas difíceis lutas e condições impostas à militância comunista no interior potiguar, um lugar estrategicamente esquecido pelos governantes. Entre esses dirigentes, figuram os nomes de Miguel Moreira, Manoel Torquato e Chico Guilherme.
A repressão de Getúlio e a luta popular
Com o golpe de Getúlio Vargas (1930) e a instauração do Estado Novo (1937), o P.C.B. é colocado na mais absoluta clandestinidade. Assim sendo, os quadros comunistas locais tomam a decisão deproteger o Partido nem que para isso tenham que pegar em armas ou sacrificar a própria vida. Sem sustentar ilusões com o governo getulista, que flertava abertamente com o nazi-fascismo, os comunistas sabiam que para defender o Partido, então clandestino, seria necessário se militarizar. E foi neste contexto que Manoel Torquato, dirigente camponês, salineiro e quadro local do P.C.B. organizou os combatentes. O número exato de membros da guerrilha, no entanto, é um ponto divergente entre historiadores. Tomislav R. Femenick afirma em um artigo escrito em 2019 para a Tribuna do Norte que a guerrilha abarcava um contingente de 200 homens armados. Já outros, como Geraldo Maia, vão falar de 50 guerrilheiros.
Conforme mencionado anteriormente, os combatentes tinham como único objetivo proteger o Partido, tratava-se, portanto, de algo “puramente defensivo”, como coloca Brasília Carlos Ferreira na obra O Sindicato do Garrancho. Foi uma iniciativa das próprias massas operárias e camponesas da região completamente conscientes da necessidade de defender a vanguarda do povo brasileiro. Uma grande expressão do potencial das massas de defender a sua organização combatente de vanguarda.
Os combatentes atuaram pela primeira vez em Mossoró, na localidade de Três Vinténs, onde atualmente fica o Hotel Thermas. Por ali moravam Feliciano e Marcelinho, dois integrantes do Partido. Ao redor moravam apenas parentes e pessoas que apoiavam o movimento. Era um lugar seguro. Como Feliciano ainda não era visado, foi buscar mantimentos na cidade quando se envolveu em uma confusão com um soldado de polícia. A polícia, descobrindo que se tratava de um militante comunista, o perseguiu. E ao saber que tanto Feliciano quanto Marcelinho estavam em Três Vinténs, os cercaram e abriram fogo.
Não se sabe ao certo o número de pessoas envolvidas nesse tiroteio, mas após horas de combate as forças guerrilheiras conseguiram furar o cerco. A partir daí, sucederam-se uma série de ações armadas, cujo número total até hoje não foi contabilizado. Segundo depoimento de Dona Áurea (na edição de 7 de maio de 2000 do Tribuna do Norte), em uma ação de propaganda revolucionária, foi distribuído um boletim contra um latifundiário local por todas as casas de duas cidades do interior do RN.
É de conhecimento geral que mataram latifundiários como Artur Felipe Montenegro, segundo em comando de uma família de latifundiários da região. O justiçamento do reacionário em questão foi em represália ao fato de que sua família havia mandado assassinar brutalmente o pai de Manoel Torquato em uma ação que também incendioua choupana onde os parentes de Torquato viviam.
As ações promovidas pelos comunistas no interior do RN também contavam com ataques a latifúndios e forças policiais.
As informações infelizmente são escassas, mas com o que temos disponível podemos avaliar que a guerrilha do Oeste Potiguar tinha uma militância bastante combativa.
O Levante Popular Armado de 1935
Quando ocorreu o Levante Popular Armado em novembro de 1935, conduzido pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) e dirigido pelo P.C.B., os guerrilheiros do Oeste Potiguar lutavam há pelo menos dois anos. Mas foi com a notícia da vitoriosa tomada de Natal pelos aliancistas que os ânimos dos combatentes se elevaram. Contudo, a alegria não durou muito, e em alguns dias Natal havia se rendido pela impossibilidade de dar prosseguimento ao combate, cercados por todos os lados pelas tropas da reação. Logo, a onda de repressão se abateu contra os guerrilheiros do interior.
A estimativa é que a luta armada existiu no RN de 1934 até 1936 e se espalhou pelos municípios de Mossoró, Macau, Assú, Angicos e Santana do Matos. Sabe-se também que após a morte de Manoel Torquato, assassinado covardemente por Feliciano, que havia se tornado um traidor, o grupo ainda continuou por algum tempo. Uma dispersão se generalizou entre a organização, não se sabe se por ordem do Comité Central ou se por impossibilidade de continuar na luta com um Partido duramente atingido pela onda de repressão que se sucedeu após a derrota do Levante.
Tal episódio é um entre os muitos que compõem a história de luta do povo brasileiro – então dirigido pelo P.C.B. – e que ainda não é valorizada como deveria. Seja por omissão dos revisionistas ou das classes dominantes que, assim como aqueles, tem como objetivo despejar uma versão mentirosa da história do País.