Há situações, na política, em que as forças mais poderosas das classes dominantes se veem compelidas a recorrer às forças oportunistas, no movimento popular, para governar seu sistema de exploração e opressão diante de instabilidade perigosa à sua manutenção. Isso ocorreu, por exemplo, na Alemanha, no período posterior à primeira guerra mundial imperialista, quando a social-democracia viu-se alçada ao governo. No Brasil de hoje – com todas as devidas proporções – se observa fenômeno similar: diante da catástrofe bolsonarista na gestão da pandemia, a profunda crise geral do capitalismo burocrático e de seu aparelho de Estado, e frente às tentativas bolsonaristas de precipitar uma ruptura institucional diante de uma ofensiva contrarrevolucionária em curso, os setores mais importantes das classes dominantes confluíram com a eleição de Lula, ainda que buscando lhe impor seu próprio programa de governo, do que derivam contradições e disputas.
Diante de cenários como esses, os oportunistas e revisionistas sempre levantam a necessidade de intervir com vistas a mudar a composição do governo, apoiando seu aspecto “mais progressista” e buscando enfraquecer seu “aspecto reacionário”, “jogando-o” à esquerda. É a bandeira erguida, agora, por várias forças políticas da falsa esquerda oportunista. Polêmica essa, que não é nova e tampouco são desconhecidos os seus resultados desastrosos.
Uma das experiências surgidas de contexto similar foi na Indonésia. Em 1945, triunfou a luta de libertação nacional com ativa participação do Partido Comunista daquele país (PCI). Instaurou-se a República, num governo de coalizão que abarcava as classes dominantes e o Partido Comunista, governo liderado por Sukarno – figura reacionária com palavreado nacionalista e medidas reformistas. Influenciado pelo revisionismo, o PCI definiu que era preciso apoiar Sukarno já que seu governo de coalizão supostamente produzia uma mudança de qualidade na situação, e que, naquela coalizão, havia dois aspectos: um progressista e outro reacionário. Os revisionistas definiram, portanto, a tática daquele momento: a conquista de ministérios e gabinetes pelos setores “progressistas”, a derrubada dos setores reacionários do governo, a ser garantido pela mobilização constante de massas.
O resultado foi óbvio: em 1965, chegado a um determinado momento em que se contrariou os interesses vitais da reação, os generais anticomunistas, com apoio do imperialismo ianque, impuseram o terror branco e em seguida um golpe militar contrarrevolucionário, aniquilando centenas de milhares de militantes comunistas e simpatizantes que se achavam despreparados em virtude de suas ilusões constitucionais.
O PCI, após esses acontecimentos, realizou uma autocrítica da “teoria dos dois aspectos do governo” e por ter se iludido com as medidas reformistas de Sukarno e por ter esquecido que a reação armada só pode ser derrotada pela revolução.
Os revisionistas e oportunistas nos aconselham seguir por esse caminho, porém com consideráveis diferenças de condições: historicamente, o atual governo Lula está muito atrás do que fora o governo reacionário de Sukarno, inclusive pelo acúmulo político de mobilização de massas que produzira a proclamação da república naquele momento; assim como os nossos oportunistas estão muito mais à direita do que fora o próprio PCI. Depositar expectativa no atual governo da coalizão reacionária é ainda pior do que foi esperar algo na Indonésia de 1960.
Os revisionistas não podem ver mais do que aquilo que está baixo a seus narizes, revelando que são partidários do pragmatismo norte-americano em ideologia e trade-unionismo em política. Resta o caminho revolucionário: combater o golpismo e a extrema-direita, impulsionar as lutas reivindicativas das massas e, ao mesmo tempo, fazer as massas enxergarem que nada podem e nem devem esperar da coalizão reacionária de oportunistas e da direita tradicional, mas sim, contar com suas próprias organizações revolucionárias e atuar com independência de classe.