Familiares de detentos fecham o Centro de Rio Branco em protesto contra torturas e por melhores condições carcerárias. Foto: Agatha Lima/Rede Amazônica Acre
Familiares de presos realizaram uma mobilização em apoio à greve de fome que se desenvolve em pelo menos sete presídios do Acre desde o dia 26 de setembro. Centenas de detentos de três cidades diferentes do Acre realizaram uma greve de fome em protesto contra a tortura promovida pelos carcereiros, contra a superlotação e exigindo direitos básicos, como alimentação de qualidade, água, acesso à saúde, entre outros. As famílias dos detentos demonstraram apoio à mobilização e realizaram uma manifestação no dia 27/09, em que fecharam a Avenida Ceará, em frente ao Terminal Urbano, no Centro de Rio Branco, capital do estado.
A greve de fome dos detentos aconteceu após a denúncia de vários crimes que ocorrem nos presídios acreanos vir a tona após investigações do Ministério Público do Acre (MP-AC) e do Tribunal de Justiça do Acre. Os órgãos constataram diversos episódios de tortura de presos pelo Grupo Penitenciário de Operações Especiais (GPOE) no mês de agosto deste ano, assim como superlotação, desnutrição, fome, entre diversas outras violações dos direitos do povo.
Durante a greve de fome dos presos, como medida punitiva, o Instituto de Administração Penitenciária do Estado do Acre (Iapen-AC) suspendeu as visitas no Complexo Penitenciário de Rio Branco no dia 28/09. As visitas foram mantidas nas unidades prisionais onde os presos não iniciaram greve de fome.
A greve dos internos ocorre nas unidades de Evaristo de Moraes, em Sena Madureira, Unidade Penitenciária Manoel Néri da Silva, em Cruzeiro do Sul, ambas no interior, e também da capital acreana, Rio Branco. Na capital, por sua vez, são cinco unidades em que os presos realizam a greve de fome por reivindicações básicas: Complexo Penitenciário de Rio Branco, Presídio de Segurança Máxima Antônio Amaro, Unidade de Recolhimento Provisório, Unidade de Regime Fechado e Unidade de Regime Fechado Feminina.
Torturas, superlotação e fome
No final de agosto de 2022, presos do Complexo Prisional de Rio Branco denunciaram ao MP-AC que foram agredidos por policiais penais durante o banho de sol. No caso, houve uma invasão de agentes penitenciários do GPOE durante o banho de sol do pavilhão D na parte da manhã, em que começaram a atirar arbitrariamente com balas de borracha contra os presos, atingindo muitos e fazendo com que outros caíssem e se machucassem, inclusive causando a quebra do braço de um dos detentos.
Essa prática de tortura já é comum ao GPOE. Em 2020 o mesmo tipo de tortura com tiros de bala de borracha já havia sido denunciada por detentos e familiares. Mesmo antes daquele ano, um detento em um dos presídios de Rio Branco havia perdido um olho por conta desse tipo de tortura.
Imagens dos machucados dos presos torturados pelo GPOE no Complexo Prisional de Rio Branco. Fotos: Reprodução
Durante a pandemia, em 2020, após os casos de torturas, uma inspeção do MP-AC constatou que os presídios estavam em condições precárias e insalubres e que os presídios acreanos funcionam “em condições infernais de calor”. A inspeção também encontrou um idoso de 70 anos dividindo a cela com outros 25 detentos com tuberculose e suspeita de Covid-19. Além disso, constatou-se que a água era cedida aos detentos apenas duas vezes ao dia em celas com 14 a 25 pessoas.
Mais recentemente, também no mês de agosto de 2022, uma inspeção na Unidade Penitenciária Evaristo de Moraes, em Sena Madureira, identificou celas com superlotação de até 400%. Em geral, o Sistema Prisional do Acre como um todo já possui uma taxa de superlotação média de 127,12%.
Além disso, identificou-se que as marmitas recebidas pelos presos estavam sendo entregues com cerca de 600 gramas, enquanto a quantidade contratada é de 800 gramas. A alimentação dos detentos é precária, vindo muitas vezes estragada (como flagrado em inspeção em agosto de 2021), e causa desnutrição e fome.
Além disso, no local de visitação do presídio não há cobertura. Em dias de visita, as famílias, entre idosos e crianças, além dos próprios detentos, são obrigados a ficar na chuva para poderem conviver. Existem também detentos que não tiveram sua imunização contra a covid-19 completada e há irregularidade dos atendimentos médicos e acompanhamentos psiquiátricos.
No dia anterior à inspeção foram entregues os kits de higiene pessoal, mas em uma cela com nove pessoas foram entregues apenas 3 escovas de dente. Além de ser um ataque à dignidade do detento, isso representa, inclusive, risco para a ocorrência e proliferação de doenças.
Familiares apoiam greve de fome e rechaçam condições carcerárias
Familiares de detentos fecham o Centro de Rio Branco em protesto contra torturas e por melhores condições carcerárias. Foto: Agatha Lima/Rede Amazônica Acre
Com cartazes e faixas, as familiares que se manifestavam interditaram o trânsito no Centro exigindo melhores condições carcerárias. “Essa manifestação é porque queremos a melhoria dos nossos familiares que estão ali dentro porque não é só do meu filho, mas parentes dos que aqui estão. Queremos uma comida digna, queremos que a visita volte ao normal, que era aos domingos, e está sendo às quartas. Na quarta, todos trabalham e muitos familiares não podem visitar seus entes queridos”, disse Maria Alzira de Almeida, mãe de um dos detentos.
As reivindicações
Nas unidades prisionais da capital, os detentos reivindicam com a greve de fome melhorias na alimentação, que é de péssima qualidade, e reformas na cozinha, que atualmente não conta com nenhuma estrutura. Além disso, exigem o aumento das vasilhas de alimentação caseira. Reivindica-se, também, mais vagas de artesanato para redução de pena e oferecimento de mais serviços de saúde, assistência e jurídicos na unidade. Nas visitas, há a reivindicação de que visitantes amigos sejam autorizados a entrar com comida no presídio e também que autorização de visitas seja estendida para pessoas que respondem processos. Protesta-se também contra a falta de água nas unidades.
Mobilização conquista mais direitos
Com a mobilização combativa dos detentos, algumas das reivindicações foram atendidas. Quanto à qualidade da alimentação fornecida na unidade, uma melhoria estrutural da cozinha está sendo encaminhada pela Administração. Entretanto, sobre a qualidade da comida, a administração reacionária nega que seja de má qualidade e não realizou, até então, qualquer melhoria.
Houve um aumento das vasilhas de alimentação caseira: houve aumento de 3 litros para 4 litros. E, sobre as visitas, a administração do Iapen fará uma reanálise e todas as pessoas que respondem a processo para que possam emitir a carteira de visitante.
Aumento de massas encarcerada é proporcional à crise
Durante a pandemia de Covid-19 no Brasil o número de pessoas encarceradas aumentou em 61 mil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e alcançará, em breve, o alarmante número de 1 milhão de brasileiros presos. Somente entre abril de 2020 e maio de 2021, o número subiu 7,6%: foi de 858.195 pessoas para 919.651. Esse aumento foi o maior já contabilizado, superando o ano de 2019, que havia sido até então o maior.
Em 2020, a taxa era de 405 presos para cada 100 mil habitantes. Em 2022, o número chegou a 434 pessoas encarceradas a cada 100 mil. Com essa população carcerária, o Brasil também atinge o patamar de ser o terceiro país com a maior taxa de presos, perdendo apenas para Estados Unidos e China.
O aumento de massas encarceradas foi, como efeito, proporcional ao aumento da fome. É isso que revela o aumento dos furtos famélicos, que são “a prática de subtrair para si, sem o uso da violência, itens necessários à sobrevivência, como alimentos, remédios, produtos para a higiene, dentre outros objetos de valores irrisórios”. Na Bahia, no ano de 2017, do total de furtos na capital 11,5% foram famélicos. Em 2021, a cifra saltou para 20,25%.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV) a parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento nos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021, atingindo novo recorde da série iniciada em 2006.De acordo com o estudo da FGV, considerando apenas os 20% mais pobres, a fome atingiu 75% deles em 2021. Em 2019, era de 53% desta população. O Brasil quase alcança o Zimbábue, país africano que tem o pior índice de insegurança alimentar do mundo (80% entre os mais pobres). O desemprego no Brasil hoje está na casa dos 10 milhões.
Entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos, enquanto 53,63% da população brasileira têm essa característica. Os brancos, inversamente, são 37,22% dos presos, enquanto são 45,48% na população em geral. E, ainda, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2014, 75% dos encarcerados tinham até o ensino fundamental completo, um indicador de baixa renda.
Além disso, pelo menos 45% da população carcerária é formada por presos provisórios, ou seja, que ainda não foram condenados. Muitos desses permanecem presos indevidamente, pois recebem, ao final do processo, penas menores que o tempo que já passaram nas prisões ou, então, recebem a absolvição.