Forças afegãs treinadas pela CIA levam detidos membros do Talibã, em uma operação em Jalalabad, 01/10/2019. Foto: Noorullah Shirzada / AFP
Dezenas de civis afegãos foram massacrados em pelo menos 10 ataques noturnos extrajudiciais feitos por agentes afegãos membros de uma unidade paramilitar de elite, chamada de 01. A unidade afegã é treinada e apoiada pela Agência Central de Inteligência (CIA) do Estados Unidos (USA) em parceria com as forças de operações especiais e aéreas ianques. A exposição feita pelo jornal online The Intercept apurou casos que ocorreram na província de Wardak no curso de pelo menos um ano, desde dezembro de 2018.
A unidade afegã e seus comandantes ianques nunca foram publicamente responsabilizados pelo governo afegão ou, tampouco, pelo governo do USA.
O relatório do jornal estadunidense soma entrevistas com mais de 50 residentes de Wardak, na região central do Afeganistão. Desse total, 20 são sobreviventes e testemunhas de primeira mão dos casos investigados, e 29, parentes das vítimas e residentes locais que acompanharam os casos poucas horas depois de terem ocorrido.
Estima-se que 51 civis tenham sido executados nos 10 ataques apurados pela reportagem. Em sua maioria as vítimas eram homens ou meninos, muitos menores de 10 anos. Não foram encontradas, todavia, relações formais entre as vítimas com o Talibã, demonstrando que elas teriam sido sumariamente executadas.
Suspeita-se que a prevalência marcante de meninos entre as vítimas da 01 seja um indicativo de que o objetivo dos paramilitares não fosse eliminar membros do Talibã, mas sim, “futuros inimigos em potencial”.
Segundo a diretora associada da “Organização Não-Governamental” (ONG) Humans Rights Watch (HRW), Patricia Grossman, esquadrões da morte como a unidade 01 são “responsáveis por execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados, ataques aéreos indiscriminados, ataques a instalações médicas e outras violações do direito internacional humanitário ou das leis de guerra”.
Akhtar Mohammad Tahiri, um morador de Wardak ouvido pelo jornal, denunciou que “os americanos [ianques] pisam em todas as regras de guerra, direitos humanos, todas as coisas que disseram que trariam para o Afeganistão” e se comportam como terroristas.
A UNIDADE 01
De acordo com a HRW, a unidade 01, assim como outros grupos paramilitares que atuam contra o Talibã e a favor do governo fantoche apoiado pelo imperialismo ianque, é supervisionada pelo Diretório Nacional de Segurança, o serviço de inteligência afegão, mas é dirigida e treinada pela CIA.
A atuação da 01 inclui as províncias de Wardak (nos distritos de Nerkh, Chak, Sayedabad e Daymirdad), Logar e Ghazni, na região central do país, e teve como alvo principal casas de famílias civis, mesquitas, madrassas (escolas muçulmanas) e instalações médicas. O Intercept documentou quatro ataques separados a madrassas, em que 33 estudantes foram assassinados.
Tais forças clandestinas nativas realizam execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, ataques aéreos indiscriminados, ataques a instalações médicas e outras violações do direito internacional humanitário ou das leis de guerra. Muitas das incursões noturnas foram acompanhadas por ataques aéreos concomitantes e, em pelo menos um dos casos, pela detonação de explosivos posicionados à mão em estruturas conhecidas por serem ocupadas por civis.
AS ‘MILÍCIAS’ ENDÓGENAS CRIADAS PELA CIA
O Intercept explica que há diversas unidades como a 01 no Afeganistão, “conhecidas coletivamente como unidades de força de ataque por causa de seus métodos agressivos e direcionados”. Enquanto a 01 opera principalmente nas províncias centrais do Afeganistão, a 02 tem sede em Jalalabad e atua no leste do país; a 03, também conhecida como Força de Ataque Kandahar, opera no sul; e a 04 realiza incursões em Kunar e nas províncias adjacentes do Nordeste. Suspeita-se, ainda, haver outras organizadas de forma similar pelo país.
O HRW explica que esses grupos paramilitares atuam “como parte das operações secretas da CIA no Afeganistão, com apoio terrestre das forças especiais do USA destacadas para a CIA e apoio aéreo das forças armadas do USA, incluindo inteligência e vigilância na identificação de alvos”.
A ONG também informa que agentes e soldados das forças especiais ianques são destacados para as operações de matar ou capturar desses grupos, principalmente Rangers do exército. Afirma, ainda, que eles são completamente dependentes do apoio logístico e da Inteligência do USA.
A unidade 01, no entanto, constitui apenas um capítulo na longa história da CIA em treinar, armar e financiar grupos paramilitares endógenos nos países em que a agência do imperialismo ianque intervém. Por intermédio de tais agentes internos, a superpotência hegemônica consegue subjugar e aterrorizar o povo de forma indireta, cumprindo com mais eficiência seus objetivos de suprimir qualquer forma de Resistência Nacional e levantamentos populares e anti-imperialistas (ianque). Foi o caso, vide exemplos, no apoio dado pela CIA a grupos anticomunistas no Vietnã, Laos e América Central, assim como aos guerrilheiros muçulmanos afegãos que combateram a invasão da União Soviética revisionista na década de 1980.