Manifestantes incendeiam pinheiro de natal em frente ao Escritório do Primeiro-Ministro, 09/12. Foto: Florion Goga.
Uma intensa rebelião popular se espalhou pelas maiores cidades da Albânia entre os dias 9 e 13 de dezembro, com foco em Tirana, a capital. Tendo como estopim o assassinato de um jovem de 25 anos pela polícia, a forte combatividade das massas pressionou o Ministro do Interior a renunciar e conquistou a prisão do policial responsável. Essas medidas não apaziguaram a população, que intensificou os protestos contra todo o aparato de repressão.
Durante os cinco dias de protestos em Tirana, os manifestantes se reuniram em diversos pontos simultaneamente para desarticular a polícia. Os principais pontos de protesto foram o Ministério do Interior, o prédio do Escritório do Primeiro-Ministro, a sede da polícia, a Praça Skanderbeg e Blokku, região de elite da cidade. Cerca de 300 pessoas foram detidas e acusadas de “manifestação ilegal”, além de “incêndio criminoso” e “violação da ordem pública”.
A partir do quarto dia de manifestação em Tirana, a repressão começou seus ataques ainda antes do começo oficial dos protestos. Assim, os agentes policiais dispersavam os jovens que chegavam perto dos locais dos atos. Também adotaram medidas de bloquear ruas, tanto para impedir a aproximação dos manifestantes nos prédios públicos, como para os encurralar.
No dia 12/12, por exemplo, a polícia encurralou manifestantes que tentaram se aproximar da sede da polícia de Tirana, detendo cerca de 80 pessoas. Os manifestantes resistiram e revidaram com fogos de artifício, pedras e coquetéis molotov.
Na cidade de Shkodra, ao norte do país, manifestantes atacaram a sede do oportunista Partido Socialista da Albânia (PSA), partido do Primeiro-Ministro Edi Rama e do ex-Ministro do Interior Sander Lleshaj, responsáveis pela crescente militarização da polícia nos últimos anos.
Os manifestantes se reuniram do lado de fora da sede do partido, atirando objetos contra ela. Invadiram então os escritórios e levaram arquivos e demais objetos à rua, onde os incendiaram. A polícia tentou reprimir os manifestantes com gás lacrimogêneo, a que eles se defenderam com pedras e fogos de artifício e, consequentemente, feriram um policial.
Os protestos também continuaram ativos em diversas outras cidades do país, incluindo Korce, Durrës e Elbasan.
Materiais da sede do PSA são queimados em Shkodra, 12/12. Foto: Isa Myzyraj.
No dia 11/12, um grupo marchou em direção ao quartel-general da polícia de Tirana exigindo a renúncia do chefe geral, Ardi Veliu. A polícia dispersou o grupo com gás lacrimogêneo e deteve diversos manifestantes.
Além de Tirana, jovens bloquearam as vias principais da cidade de Durrës, incendiando lixeiras e marchando até a frente da delegacia municipal, onde atiraram pedras e dispararam fogos de artifício enquanto exigiam justiça para Klodian, jovem assassinado pela polícia. A polícia perseguiu os manifestantes e deteve 50 pessoas, muitas delas nem sequer envolvidas na manifestação. Os familiares dos manifestantes se organizaram em frente da delegacia exigindo a liberdade dos presos.
Nos protestos de 10/12, mesmo após o anúncio da renúncia do Ministro do Interior, manifestantes se reuniram no centro de Tirana e ergueram barricadas. Para proteger os prédios do Ministério do Interior e do Escritório do Primeiro-Ministro dos coquetéis molotov e pedras, a polícia utilizou canhões de água e gás lacrimogêneo contra os manifestantes. Mais de uma centena de pessoas foi detida sob diversas alegações, inclusive “protesto ilegal” sob o pretexto da pandemia.
Em 09/12, o primeiro protesto denunciando o assassinato de Klodian Rasha na capital começou com uma marcha onde se liam cartazes com os dizeres Abaixo a ditadura! e Justiça para Klodian!. Os manifestantes pediam a renúncia imediata do Ministro do Interior, Sander Lleshaj.
Como manifestação de indignação também contra os gastos exorbitantes do velho Estado albanês em decorações nas praças e estradas públicas em meio à crise econômica e sanitária, os manifestantes incendiaram as decorações natalinas na Praça Skanderbeg enquanto enfrentavam a polícia. Várias viaturas foram destruídas e o pinheiro de natal em frente ao Escritório do Primeiro-Ministro fora incendiado. O prédio do Escritório foi invadido e, em seguida, um destacamento maior de policiais surgiu, fazendo uso de gás lacrimogêneo para dispersar as pessoas rapidamente.
Manifestante confronta a polícia, 09/12. Foto: Hektor Pustina.
O estopim da revolta se deu com o assassinato de Klodian Rasha pela polícia em 08/12, no Dia da Juventude, data comemorativa que marcou o 30° aniversário da revolta da juventude em 1990, revolta que se originou em uma queda de energia em Tirana que levou os jovens às ruas para protestar contra o governo reacionário da camarilha revisionista do Partido do Trabalho da Albânia.
Klodian era um jovem de 25 anos que foi seguido por policiais e atingido com dois disparos pelas costas por ter “violado o toque de recolher” imposto pelo velho Estado sob o pretexto da pandemia, enquanto saiu para comprar cigarros.
Menores de idade têm direitos violados
No dia 13/12, jornalistas do Balkan Investigative Reporting Network (Rede de Reportagem Investigativa dos Balcãs) publicaram uma nota a respeito dos jovens e menores de idade detidos nos protestos. Em frente ao Tribunal Criminal de Tirana, pais e parentes dos jovens detidos em massa nos últimos dias aguardavam alguma resposta, sem saber se eles haviam sido presos ou se seriam liberados. Muitos esperaram oito horas em frente do tribunal e saíram sem respostas. Com a superlotação das esquadras de Tirana, muitos dos detidos foram transferidos para Kavaja, Elbasan e Dürres.
Margarita Kola, advogada de dois detidos, em entrevista concedida aos jornalistas, afirmou: “Os familiares não foram avisados onde seus filhos estavam e isso é uma violação da lei, pois muitos deles também são menores de idade.”
A instituição “Advogado do Povo” (Avokatit të Popullit), em relato sobre os dois primeiros dias de protesto, afirmou também que os detidos, entre muitos deles menores de idades, estavam sendo transportados em camburões cheios e deixados em ambientes superlotados, de capacidade para 33 pessoas, mas comportando 124.
Dois menores detidos relataram que foram questionados sem a presença de um advogado ou psicólogo, mas apenas por um policial que os pressionou a dizer que haviam cometido atos “violentos”, independentemente da veracidade ou não do fato. A nota denunciou também a falta de máscaras e a superlotação nos locais de detenção.
Em uma entrevista concedida ao monopólio de mídia ABC News, a Ministra da Educação Evis Kushi prometeu que os menores que participaram dos protestos serão “identificados” nas escolas e “tratados” por psicólogos. Nas suas palavras, “se eles estão cometendo crimes tão jovens, imagina mais tarde!”. Ela também seguiu o discurso já proferido por outros líderes do PSA, afirmando que os jovens foram “massa de manobra”.
Jornalista denuncia abusos policiais
Na onda de protestos em Tirana no dia 11/12, o editor-chefe do monopólio de mídia Koha Jone, Qamil Xhani, foi preso e fez uma série de denúncias contra os abusos policiais que sofreu. Ele estava saindo da redação do jornal quando ouviu o barulho de sirenes e avistou policiais espancando dois jovens menores de idade. Ele interveio, filmando a agressão, mas a polícia o algemou rapidamente. O seu colega, também editor-chefe do jornal, se apressou apresentando o cartão de jornalista e explicando a situação aos policiais. Esses, bateram na cabeça e nas costas de Qamil, o colocando dentro da viatura.
O celular de Qamil foi tomado pela polícia e o vídeo apagado. Ele foi então levado à delegacia, onde ficou preso por 30 minutos ao lado de cerca de cinquenta manifestantes. Na esquadra, a polícia mandou ele assinar um papel declarando ter participado de uma “reunião ilegal”. Uma hora após a detenção, ele foi solto após articulações dos colegas do jornal.
No dia anterior, Xhoi Malesia, jornalista do Ora News, já havia relatado ter sido detido pela polícia com “uso excessivo de força”.
Polícia albanesa é vista usando equipamentos policiais turcos
Na noite de 12/12, policiais foram vistos pelas ruas de Tirana usando uniformes e equipamentos turcos. Uniformes com os dizeres Çevik Kuvvet (nome da Tropa de Choque turca) e escudos com a palavra Polis (polícia, em turco) foram vistos nos policiais albaneses que reprimiram manifestantes.
Mais cedo, no mesmo dia, o perfil do Ministério de Defesa da Turquia havia publicado nas redes sociais uma série de fotos de um encontro entre oficiais dos dois países, afirmando na legenda que forneceu à Albânia seus próprios “rifles de infantaria modernos”, além de uniformes.
Em outubro, foi noticiada a compra de sistemas anti-drones turcos pela Albânia. Desde 2017, o governo turco vem aumentando seu domínio militar no país, como parte dos projetos de caráter fascista do presidente ultrarreacionário turco, Recep Tayyip Erdoğan, que vem transparecendo suas intenções expansionistas para com a Grécia. Ao fornecer armas, veículos blindados e tecnologias militares à Albânia, Erdogan orquestra um cerco ao velho Estado grego.
Oportunistas da direita e da falsa esquerda não conseguem esconder a crise do velho Estado albanês
Os protestos se dão em meio à pugna entre os dois maiores grupos políticos do partido único da burguesia: a “esquerda” oportunista do PSA, com o Primeiro-Ministro Edi Rama e com o ex-Ministro do Interior Sander Lleshaj, e a direita do Partido Democrático da Albânia, encabeçada pelo líder Lulzim Basha, pelo atual Presidente Ilir Meta e pelo antigo Primeiro-Ministro Sali Berisha.
O PSA acusa os líderes do Partido Democrático de incitarem a violência e afirmam que o assassinato de Klodian Rasha foi um “evento isolado”. Apesar de todos os seus discursos negacionistas, o legado que o PSA deixou desde que o oportunista Edi Rama assumiu o cargo de Primeiro-Ministro foi uma intensificação da miséria do povo albanês, com uma economia majoritariamente agrária e atrasada, uma industrialização igualmente atrasada e precária, uma maior abertura a privatizações e políticas de compensação aos antigos latifundiários que perderam suas terras após a Revolução em 1944.
Já a direita do Partido Democrático tenta canalizar a revolta popular para cumprir com seus próprios interesses enquanto ataca o PSA. Nos protestos de 12/12 em Shkodra, a prefeita Voltana Ademi do Partido Democrático chegou a participar da manifestação nos primeiros minutos.
Assim que a revolta se intensificou, ela denunciou os planos dos manifestantes de atacar a sede do PSA à polícia, exigindo uma repressão maior com urgência.
Cabe pontuar ainda que foi durante o mandato de Sali Berisha e de Lulzim Basha como Ministro do Interior que a Guarda Republicana assassinou quatro manifestantes nos protestos de 21 de Janeiro.
No entanto, o que se torna evidente até mesmo nos jornais do monopólio mídia é que os jovens nos protestos não fazem parte da falsa “oposição” direitista. O portal de notícias da grande mídia Balkan Insight relatou que “observadores disseram que os manifestantes de quinta-feira à noite (10/10) não eram de grupos partidários organizados, mas jovens querendo confrontar a polícia, levantando preocupações sobre ressentimentos mais profundos no país que a morte de Rasha revelou.”
A crise do capitalismo burocrático se acentua cada vez mais na Albânia, e a juventude já sente as consequências. Ainda no dia 10/12, o governador do banco central, Gent Sejko, anunciou que o desemprego na Albânia aumentou 11,9% neste ano em relação ao ano passado. Cerca de 50 mil empregos foram perdidos desde o início do ano.