O Alto Comando do Exército reacionário brasileiro lançou, através do chefe do Estado-Maior da Força, o general Richard Nunes, uma nova “política de ética profissional e de liderança militar” para os anos de 2024 a 2027. Tido por alguns, desde articulistas de jornais monopolistas até veículos pretensamente progressistas, como uma diretriz “anti-politização” e “contra fake news”, o documento é na verdade uma tentativa dos altos comandantes de retomarem a hegemonia política sobre as tropas depois o caldo de influência bolsonarista nos últimos anos.
O documento foi lançado no Boletim do Exército do dia 1° de novembro, com a finalidade de “Estabelecer orientações gerais e definir os objetivos que abrangem a Política de Ética Profissional e de Liderança Militar do Exército Brasileiro (EB), alinhadas à Política de Comunicação Estratégica do Exército Brasileiro”.
O propósito verdadeiro do texto é reverter as influências do bolsonarismo sobre as tropas – particularmente a politização com conteúdo bolsonarista e a desunidade causada por este fenômeno entre as tropas baixas e parte da oficialidade e o Alto Comando. É nesse sentido que o documento afirma que tem como objetivo: “fortalecer o respeito e a confiança mútua entre os integrantes do Exército Brasileiro, pilares mestres para a coesão da Instituição, com uma comunicação disciplinada, leal e transparente entre superiores, pares e subordinados” e “preparar os integrantes do Exército Brasileiro para as complexas e dinâmicas situações que se apresentarão doravante, em um mundo eivado de ações precipitadas, de abordagem superficial, de visão imediatista e contextualizadas em ambiente informacional conturbado”.
Desde o crescimento da influência bolsonarista nas tropas, o grau de desunidade – que atingiu um auge na disputa eleitoral entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio (PT) em 2022 –, envolveu articulações de oficiais contra as ordens dos comandantes (a exemplo da carta enviada por oficiais da ativa e da reserva ao ex-comandante Freire Gomes, insistindo em um golpe) e mesmo xingamentos aos integrantes do alto comando no Whatsapp, como o caso dos “generais melancia” e da alcunha de “cagão” dada pelo reservista Braga Netto ao mesmo ex-comandante.
Disputas na força
Apesar da disputa ter se escancarado em 2022, com altíssimo grau de agitação política nas tropas, a base da pugna nunca foi a politização em geral nas Forças Armadas. Esta existe desde a fundação do Exército reacionário brasileiro, e ao longo dos anos foi mantida nos cursos ministrados dentro e fora do Brasil, fundados na base ideológica preparada pelo imperialismo norte-americano de que as Forças Armadas devem combater o inimigo interno, sobretudo no campo brasileiro, e reger pela estabilidade da Nação, dada a incapacidade das instituições estatais brasileiras de lidar com cenários de instabilidade política e social.
O verdadeiro motor da pugna foram as discussões sobre a forma e método de implementar um golpe militar. Enquanto o núcleo da extrema-direita bolsonarista defendia um golpe militar aberto, com deposição de figuras políticas como o Alexandre de Moraes, os generais do Alto Comando rogavam por um golpe mais obscuro e calculado, executado através do intervencionismo crescente nas instituições brasileiras – posição que se tornou inegociável para os altos comandantes depois que o Estados Unidos, através do Departamento de Estado, deixou claro que não apoiaria uma intervenção aberta das Forças Armadas no Brasil.
Nisso reside o esforço do Alto Comando para “preparar os integrantes do Exército Brasileiro para as complexas e dinâmicas situações que se apresentarão doravante, em um mundo eivado de ações precipitadas, de abordagem superficial, de visão imediatista e contextualizadas em ambiente informacional conturbado”. Para ficar em um caso: quando o atual comandante do Exército (à época chefe do Comando Militar Sudeste), Tomás Paiva, esbravejou contra o 8 de janeiro por se tratar de “coisa infantil, burra”, “que não produziu nada” e “não mudou porra nenhuma”, em que os galinhas verdes “entregaram um salvo-conduto enorme para uma narrativa que a gente está vendo que está sendo estabelecida agora” e, para concluir, que “do ponto de vista estratégico, fortalece o adversário”, não estava ele criticando justamente as “ações precipitadas, de abordagem superficial, de visão imediatista”, mas sem levantar um dedo contra a politização nas tropas? Afinal, como pode um Exército “apolítico” ter um “adversário” no plano interno – este sendo, claramente, aqueles que os militares entendem como “esquerda”?
Golpismo mascarado
Não há como se enganar de que o Exército reacionário brasileiro, após o 8 de janeiro, esteja se tornando uma instituição mais “democrática”, “legalista” ou “apolítica”. Nenhuma dessas qualidades está na base da força, regida desde sempre pelo intervencionismo e pelos esforços para manter o velho sistema de exploração, a serviço sobretudo dos interesses do imperialismo norte-americano.
Se os militares reacionários aquietaram-se após 8 de janeiro, foi porque o cenário político os colocou em defensiva. Mas, entre 2023 e 2024, para ficar em dois exemplos, monitoraram de perto e, quando necessário, influenciaram o curso da CPMI do 8 de janeiro e intimidaram o governo a atrasar a reabertura da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), tudo a olhos vistos da Nação. Em outra ocasião, Tomás Paiva deixou claro que não aceitaria reforma na estrutura do Exército, e que iria intervir pessoalmente para impedir qualquer iniciativa desse tipo – apesar de uma medida similar nunca ter sido nem esboçada pelo atual governo.
Bastará um cenário de instabilidade política e social no País – absolutamente previsível, dado o cenário de crise geral, cortes de direitos básicos, miséria econômica e social, desmoralização do velho sistema e explosividade notável das lutas populares na cidade e no campo – e/ou uma mudança na correlação de forças interna e externa – novamente, também não descartável, como mostram os acontecimentos no Norte do continente –, para que os generais “legalistas” deixem as máscaras de lado.