Alvorada do Povo: ‘Ameaça à autonomia universitária cresce na UFPR’

Alvorada do Povo: ‘Ameaça à autonomia universitária cresce na UFPR’

Abaixo reproduzimos nota do movimento estudantil Alvorada do Povo enviado à Redação de AND.


A crescente onda de ataques que avança sobre a educação pública de nosso país põe ao centro da ofensiva do Estado reacionário o embate de posições entre a direita, representada pelos militares, e a extrema-direita, encabeçada por Bolsonaro e seus ideólogos, como Olavo de Carvalho. Com o objetivo comum de construir um executivo forte que possa administrar sem resistências institucionais as medidas para a elevação do saque e da exploração do nosso país, impulsionando seu velho e apodrecido capitalismo, e passar às medidas mais draconianas contra a manifestação e a organização popular e revolucionária, estes dois grupos divergem sobre a forma de reestruturação do velho Estado, se mantendo o farsante regime demoliberal, com judiciário e congressos adestrados, posição da direita militar, ou se abrindo francamente um regime fascista, posição da extrema-direita. Este conflito, expressos de forma mais cristalina no achincalhado conflito entre Bolsonaro (e família) e Mourão, tem se desenvolvido de forma cada vez mais aguda, já tendo gerado duas exonerações de ministérios em menos de 100 dias de governo, e manifesta especial agudização dentro do Ministério da Educação (MEC).

No MEC fica cada vez mais clara a disputa por posições entre os dois grupos. De um lado, o ataque obscurantista e religioso que os “olavetes” tentam a todo custo empurrar para cima das escolas e universidades, a exemplo da tentativa de Vélez (in memoriam) de obrigar a filmagem de alunos a perfilarem diante da bandeira, cantando o hino nacional e declarando o slogan da campanha de Bolsonaro. A intervenção de Iolene Lima, sua braço direito, no programa Roda Viva em março, em que declarou que “uma educação baseada em princípios é uma educação baseada na palavra de Deus”, é outra de suas bizarrices. De outro lado, o programa pragmatista e positivista que idealizam os milicos, propagandeando os bem financiados Colégios Militares, e intervindo nos postos de direção das Universidades, com a criação de gabinetes adjuntos  às reitorias (exemplo da UFF) e com a conversão dos institutos federais em escolas essencialmente técnicas. O custo desta disputa é alto para ambos os lados, como demonstra a constante mudança de cargos dentro do ministério, inclusive do próprio ministro Ricardo Vélez, substituído por Abraham Weintraub.

O ponto importante de nos atermos é que apesar de haver contradições entre estes setores, eles mantêm acordo claro em torno de posições antipopulares e contra qualquer intento de luta. Sendo assim, ambos são inimigos do povo e devem ser duramente denunciados e combatidos. Repudiamos as posições oportunistas e conciliadoras que muitos partidos e grupos ditos “de esquerda” têm tomado nesta contradição, de se apoiarem em Mourão para contrapor Bolsonaro, e de se mobilizarem apenas em torno da cortina de fumaça que lança o governo com suas pautas comportamentais. Embora contrastante, os programas destes senhores têm em suma a mesma origem: a subjugação nacional e a repressão ao levante das massas oprimidas. Nisto joga um papel central as definições e a cartilha impetrada pelo imperialismo a partir do Banco Mundial à educação brasileira, com a BNCC (já antecipada a nível estadual e municipal pelo PT, que determina o conteúdo aula por aula que deve ser lecionado no ensino médio, efetivamente tornando o professor um “dador de aulas”), BNC da Formação de Professores (texto que enquadra os currículos da formação de professores aos interesses do mercado), contrarreforma do ensino médio, entre outros (vide documento “Um ajuste justo”, do Banco Mundial).

Mais especificamente para as universidades, o Estado reacionário dirige sua ofensiva principalmente contra a autonomia universitária, como forma de concretizar os planos e medidas citados anteriormente. Assim o fazem por entenderem que dentre os pilares da Universidade brasileira (gratuidade, democracia e autonomia), a autonomia é justamente o elo mais débil, ainda que o principal para eles seja acabar com a gratuidade. Agem, portanto, de maneira a restringir a capacidade da universidade de administrar-se, como vemos no caso da exoneração dos cargos de direção destas instituições anunciado pelo governo. Esta medida tem o intento de retirar a administração da universidade de seus professores, abrindo caminho para um processo de privatização desta, via terceirização, semelhante ao que já ocorreu com os restaurantes e hospitais universitários, ou ainda, para que estes cargos sejam ocupados por militares da reserva, como já demonstrou o governo ser seu intento e que não exclui simultaneamente um projeto de privatização.

Outro ponto importante desta tática é o constrangimento e perseguição daqueles não alinhados ou opositores das medidas reacionárias. Fato emblemático e que ocorreu previamente à posse deste governo, demonstrando que este ataque não vem de agora, foi o processo de perseguição do ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, falsamente acusado de desvio de verbas do programa de educação à distância, que cometeu suicídio no final de 2017 em decorrência das humilhações que passou. Foi preso e despido para revista por policiais federais sem nenhuma necessidade, tendo sido inocentado dias após sua morte. Tais fatos exigem das reitorias e administrações independentes uma postura de confrontamento ao desmantelamento da autonomia universitária, rechaçando a conciliação oportunista a um ou outro grupo dentro do governo reacionário.

A onda de ataques deste Estado reacionário bate aos portões também de nossa universidade, a UFPR, colocando em xeque sua autonomia. No começo do ano fora anunciado, além das medidas nacionais (cortes de 5,8 bi no MEC e de 42% do orçamento da pesquisa nacional, por meio da precarização do CNPQ) um corte de um terço do orçamento de todos os departamentos e coordenações. Corte este que é efetuado sobre o orçamento ainda de 2016, sem reajustes. Até a elaboração deste texto, inclusive, a UFPR ainda não recebeu um centavo sequer do orçamento do ano de 2019. Precarizar para privatizar, esta é a norma deste Estado para a educação.  

Mas sua ação não se limita aos meio oficiais de decretos, leis, resoluções e discursos. Tolo seria desconsiderar as maquinações que o Estado promove por detrás dos panos e por fora da “legalidade”. A Educação, e mais especificamente a Universidade, é uma arena de disputas entre as posições das classes dominantes e das classes populares, na qual expressam seus interesses das formas mais agudas possíveis. Interesses econômicos e ideológicos que são de vital importância para a manutenção da opressão ou sua ruína. E, portanto, o ataque que se desenvolve historicamente nas universidades se dá muitas vezes por fora dos marcos, ainda que débeis, da legalidade e da institucionalidade. Procuraremos demonstrar como alguns acontecimentos na UFPR tem total relação com o descrito acima.

No ano passado já denunciamos o que ficou conhecido como “dossiê contra o movimento estudantil da UFPR”, mas vale a pena relembrarmos o fato (https://youtu.be/qfAELnrglQo). Foram encontrados vídeos das câmeras de segurança da universidade, 150 horas de gravação para ser mais preciso, intitulados em uma compilação “movimento estudantil UFPR”. O conteúdo desses vídeos: estudantes e trabalhadores da UFPR realizando diversos tipos de mobilização, desde colagem de lambes e cartazes, assembleias, reuniões abertas, piquetes, passeatas e ocupação de um dos campi. O objetivo destas gravações, que se iniciaram em 2017, é claramente o mapeamento e identificação do ME combativo da universidade como forma preventiva de nos neutralizar. No final do ano passado foi cobrado em uma reunião do conselho universitário, perante o reitor Ricardo Marcelo (PT), posição sobre o caso. Ainda estamos aguardando resposta.

Além disso, há algumas semanas, no início de março, boatos começaram a circular sobre o desaparecimento de uma estudante dentro do campus Politécnico da Universidade Federal do Paraná. A jovem teria sido supostamente sequestrada por um homem que a conduziu para o meio da mata. Antes de desaparecer ela ainda teria sinalizado a situação para um segurança da universidade que, ao parar para acionar reforço, perdeu ambos de vista. Após o ocorrido chegar ao conhecimento da Reitoria, esta acionou a polícia militar e federal. O caso, que deu muito que falar na UFPR, tendo repercutido consideravelmente no monopólio da imprensa, abriu caminho para o retorno de antigos debates como a presença de policiamento nos campi bem como o controle do acesso, pautas constantemente empurradas pelos burocratas e pela direita na universidade e que, pela existência de casos como esse, ganha cada vez mais corpo entre estudantes honestos, genuinamente preocupados com a segurança. A parte estranha deste acontecimento é o fato de a estudante sequestrada até agora não ter sido sequer identificada, muito menos seu sequestrador, de até agora não ter sido aberto um inquérito nem mesmo uma denúncia na polícia, de a Reitoria e os monopólios de comunicação terem impulsionado o caso apenas para depois declararem silêncio completo. Tudo indica que o fato não passou de boato, sem nenhum fundamento. Tudo indica que se tratou de uma maquinação, uma de muitas, para causar medo entre a comunidade acadêmica e pôr a polícia para dentro da universidade.

O mesmo modo de proceder se aplica à ameaça de atentado que sofreu a UFPR no começo de abril. A ameaça, na qual um militante fascista não identificado destila ódio contra os estudantes, que chama de “aidéticos vagabundos”, em um fórum obscuro da extrema-direita, prometendo abater o maior número possível de pessoas, atingiu seu objetivo – espalhar pânico entre professores e alunos e abrir precedentes para maior intervenção das forças de “segurança” na universidade. Foi imenso o escarcéu organizado em torno da ameaça, com direito a evacuação do prédio da Santos Andrade, símbolo da UFPR, sendo que a ameaça era no campus Politécnico; patrulha da PF vestida em trajes de guerra pelos campi do centro de Curitiba, um reboliço imenso entre a comunidade, cobertura midiática e uma série de notícias falsas sobre um suspeito que não existe e sua prisão que também nunca ocorreu. Maior ainda foi a rapidez com que o caso foi deixado de lado pela Reitoria e pelos jornais. Aquilo que foi, talvez, a crise mais grave enfrentada pela instituição este ano simplesmente não teve desfecho algum, assim como o caso da estudante sequestrada.

Tais acontecimentos pedem uma resposta combativa não só do movimento estudantil, mas também de todo corpo docente e técnico, bem como da própria reitoria e demais instâncias administrativas de nossa universidade. Temos certeza que mais casos como estes estão ocorrendo em outras universidades e continuarão a ocorrer na UFPR.

Por isso, também não nos enganamos que existam problemas de segurança em nossa universidade, são muitos inclusive, mas não nos iludimos quanto a sua solução, que só pode ser feita em meio ao debate democrático da comunidade acadêmica em suas assembleias, plenárias e bases, como já foi feito e de onde saíram pautas históricas como iluminação, segurança própria da universidade (não terceirizada), melhores condições de trabalho para os seguranças e melhor ocupação do espaço físico da UFPR. Estas demandas foram ignoradas pelas sucessivas administrações da Reitoria que, no geral, correm às medidas antidemocráticas como a implementação de catracas e convocações da Policia Federal.

Se somarmos este aumento da vigilância dentro da universidade com a retórica de medo que prega a exclusão e, ainda, adicionarmos a intenção declarada do governo em por os milicos na administração da Universidade podemos perceber que caminhamos ao fim completo da autonomia universitária. Tal é o plano do gerenciamento Bolsonaro para a educação superior: atender as diretrizes do BM, erodindo a capacidade de autoadministração pelo corte de verbas e exoneração de professores de cargos de chefia; construindo opinião pública favorável aos militares dentro das universidades, justificar sua entrada como forma de manter a segurança; calar, constranger e eliminar qualquer forma de resistência, acabando com a pouca democracia que temos; por fim, usar a tecnologia e conhecimento que produzimos para fins privados de grandes corporações e vender o máximo possível da universidade, destruindo assim sua gratuidade.

Mas se enganam estes gorilas se pensam que a luta está ganha e que o movimento estudantil está morto e enterrado. Toda sua ofensiva reacionária contra a educação brasileira não passa de golpes desesperados em uma luta que já perderam. Tanto para estes fascistas quanto para a direita militar não bastará toda a opressão e violência, todo seu aparato econômico e jurídico, todo seu balbucio anticientífico. Nada os salvará da mobilização e luta popular, e por isso correm tão apressadamente a seu único método: a repressão. No entanto, não nos assustam.

Convocamos todos os professores, técnicos, terceirizados, membros da comunidade acadêmica, mas principalmente aos estudantes de todo o Brasil a tomarem para si a tarefa de defender com unhas e dentes, numa luta sem quartel contra toda ofensiva deste governo, o direito do povo à educação. Precisamos tomar todas as escolas e Universidades e torná-las trincheiras de resistência. Temos que levantar todos os grêmios, centros e diretórios acadêmicos para derrubarem a ofensiva contra a autonomia de nossas universidades, cujo intento final é derrubar sua gratuidade, a conquista democrática mais relevante que temos em nossa história de luta. Precisamos convocar sucessivas assembleias e plenárias para discutirmos os rumos da luta estudantil para construirmos poderosas greves de ocupação, à luz das combativas e independentes ocupações secundaristas e universitárias que sacudiram o país nos últimos anos, aplicando o co-governo estudantil e elevando a politização. Greve de ocupação que serve à construção de uma grande greve geral de resistência nacional, pela revogação da “reforma trabalhista”, contra a “reforma da previdência” e todas as medidas antipovo e vende-pátria, assumidas como compromisso pelo novo governo.

Somente assim poderemos fazer frente a este bando e aos seus amos no estrangeiro, e construir uma educação verdadeiramente nacional e científica, pública, gratuita, democrática, com autonomia e que sirva ao povo.

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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