No dia 22 de junho diversos povos indígenas realizaram um ato na Assembleia Legislativa do Amazonas contra o Projeto de Lei (PL) 490/2007 que altera a demarcação das Terras Indígenas para favorecimento do Latifúndio.
Por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) a mobilização dos povos, chamada de “Levante pela terra!”, já acontece desde 8 de junho em Brasília com a presença de aproximadamente 50 povos de todo o país. Apesar disso, houve avanço no projeto de lei no congresso. Em resposta, os povos indígenas estão realizando atos em diversas capitais nas Assembleias Legislativas em todas as regiões do país. Em Brasília os atos estão sendo mais combativos.
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No dia 18 de junho foi realizado um ato na Assembleia Legislativa do Amazonas em apoio ao Levante Pela Terra. Na capital amazonense, 23 povos estiveram presentes.
Moy Sateré, do povo Sateré-Mawé do município de Barreirinha, interior do Amazonas, afirmou que a mobilização em Manaus é um apoio dos povos indígenas que não puderam estar presentes em Brasília.
— Nossos parentes estão em Brasília, estão pegando gás na cara, estão sendo ameaçados com balas, mas eles não vão desistir e nós que moramos aqui no Amazonas também não. Não somos só nós indígenas que vamos sofrer com a aprovação dessa lei. A sociedade tem que nos apoiar contra o PL 490, que quer nos matar e matar vocês também.
Ato em Manaus repercute luta dos povos indígenas
Povos indígenas do Amazonas protestam como parte do Levante Pela Terra. Foto: Banco de Dados AND
No ato do dia 22, cerca de 30 povos de Manaus e cidades do interior estiveram presentes. No Amazonas diversas entidades organizam o ato, dentre elas a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) em conjunto com Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Coipam), Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e entorno (Copime) e Associação Indígena Multiétnica.
Em entrevista ao AND, Claúdia Tikuna, afirma que os povos lutam pela terra pois todos dependem dela, indígenas e não indígenas e vão seguir resistindo!
— Somos contra a PL 490! Os povos indígenas estão hoje aqui porque sabemos que nossos parentes dependem totalmente da floresta, da água limpa. Se nossa água for contaminada todos nossos parentes vão adoecer e não vai ter lugar nos hospitais. Se o peixe tá contaminado com mercúrio vai trazer doença pra mãe e pode vir um filho com problema de saúde. Hoje muitos indígenas escaparam dessa pandemia por conta desses remédios caseiros tirados da floresta. Hoje nossa preocupação não é com uns poucos que vão morrer, mas com os povos que vão dizimando aos poucos. Isso aqui é só o início eles ainda vão perseguir muito mais nosso povo, mas nós vamos resistir! Até o último sangue! Até o último índio nós vamos continuar lutando!
Ronaldo é referência nas Artes Marciais Mistas (MMA, na sigla em inglês). Originário do povo Tikuna, tem se posicionado em defesa da luta por território. Foto: Amaury Moraes
Enquanto Ronaldo Tikuna, lutador indígena de Artes Marciais Mistas (MMA, na sigla em inglês), relata a ambição do latifúndio de tirar um direito conquistado há muitos anos, mas ninguém vai aceitar isso. “Eu vim da base e penso que isso não tem que ser realizado. Tem muitos povos sofrendo com garimpo em terra indígena e hoje tão querendo tirar de nós a nossa terra que muitos dos antepassados lutaram e até morreram. Sou contra isso porque nós precisamos do nosso lugar como todos os povos precisam. Ninguém vai aceitar como eles querem!”
Já Terezinha Sateré, denuncia que essa é mais uma ameaça de morte, inclusive aos povos em contexto urbano:
— Nossa preocupação é daqui a pouco não tem terra pra plantar, não tem rio pra pescar devido o genocídio que eles vem trazendo. É uma ameaça de morte para todos os povos indígenas do Brasil! Inclusive os de Manaus. Hoje estou aqui também pela minha família que mora no Andirá, Baixo Amazonas, dos Sateré Mawé e não fala português. Estamos aqui na luta com outros povos indígenas.
O professor do ensino básico Benjamim Baniwa esclarece como as mudanças propostas pelo PL na verdade serão a consolidação do fim da demarcação.
— PL 490 traz algumas coisas que são muito prejudiciais. Quatro pontos especificamente: marco temporal que não leva em consideração que muitos povos indígenas não estão nessa terra até hoje porque foram expulsos e não estão lá justamente por causa da violência e do impedimento tanto por parte dos posseiros como das autoridades e assim perdem o direito das suas terras que foram expulsos até hoje. Outra questão é a criação das reservas indígenas onde há demarcação, mas quando os indígenas perdem parte da sua cultura perde o direito a sua terra, sendo retirados. É aquele conceito que considera que os índios podem deixar de ser índios a partir de uma roupa, um celular. Outro ponto é que os povos isolados poderiam ser negociados de acordo com o interesse público, ou seja, interesse público que pode ser reivindicado por associações, inclusive de garimpeiros, missionários e abertura de estradas. Isso atinge os povos isolados, é muito grave. Outro ponto é a demarcação através de leis, ou seja, uma terra só seria demarcada quando o congresso nacional aprovasse a lei com sanção do governo federal. Com os espaços constituídos dentro da FUNAI por processo administrativo isso leva 25, até mesmo 30 anos, com essa alteração na regra as associações podem entrar a qualquer momento e se manifestar contra a demarcação. Na prática vai ser o fim da demarcação.
O cacique Domingos Vieira da Comunidade Sol Nascente, localizada na Zona Norte de Manaus relata que o avanço do latifúndio vai destruir a natureza.
— Hoje nós estamos reivindicando contra a aprovação do PL 490 que vai trazer sérios problemas para os povos indígenas lá da base. Porque a entrada dos empresários grandes, latifundiários vai trazer destruição à natureza. As terras vão ser desapropriadas e isso não pode acontecer. Nós somos os povos originários do Brasil! Nós temos nossos direitos!
Além de Manaus foram registrados atos no interior. A rodovia AM 254, que dá acesso aos municípios de Autazes e Nova Olinda do Norte foi totalmente interditada por cerca de 200 indígenas do povo.
Em entrevista a Coiab, Estélio Mura, da comunidade Murai, localizada no município de Autazes, afirma que os povos não vão permitir mais esse ataque. “Nós como verdadeiros guardiões da floresta de forma alguma vamos aceitar essas decisões. Não vamos desistir de lutar até que tudo isso venha por terra. AM 254 foi fechada, a população indígena Mura está muito revoltada, caso esse PL não seja retirado de pauta iremos ocupar um espaço ainda maior.”
Povos indígenas do Amazonas protestam como parte do Levante Pela Terra. Foto: Banco de Dados AND