Os aviões são estrangeiros. O Cindacta é estrangeiro. Os equipamentos de controle são estrangeiros. As leis são estrangeiras. As grandes seguradoras são estrangeiras. O governo é estrangeiro. Onde está a culpa do Brasil verdadeiro?
Sepultamento do comandante Décio Chaves Júnior, piloto do vôo 1907
Quanto vale cada vida humana, das 154 que se perderam no maior acidente da história da aviação brasileira — o choque na Amazônia, a 37 mil pés de altitude, de um Boeing 737-800 da Gol Transportes Aéreos e um Legacy 600 fabricado pela Embraer para a ExcelAire, no dia 29 de setembro último?
Entre 60 a 90 reais é o quanto ganha por dia um controlador de vôo, militar ou civil, responsável pelas vidas dos milhares de passageiros das centenas de aeronaves cujos vôos orientam pelo radar. Após o acidente com o Boeing da Gol, esses verdadeiros guardiões das rotas aéreas passaram a cumprir rigorosamente o estabelecido nos manuais internacionalmente adotados, que põem limites máximos para sua carga de trabalho e o uso de equipamentos.
Ocorreu o total congestionamento do sistema com atraso de todos os vôos, cancelamento de grande número deles, protestos de passageiros nos aeroportos, depredação de balcões de empresas aéreas, prejuízos em todos os setores da economia, a começar pelo turismo. Tudo em função das péssimas condições de trabalho e de subsistência às quais esses trabalhadores têm sido submetidos pelos que se sucedem na gerência do país, desde o golpe de 1964, congelando soldos e salários e assim tirando o pão da boca de seus filhos para saciar a banca do imperialismo que se apodera do planeta. No USA, um controlador de vôo tem salário de 7 mil dólares por mês; no Brasil, a profissão nem mesmo está regulamentada!
A chibata no ar
O ministro da Defesa, Waldir Pires, confessava-se perplexo, anunciando aos quatro ventos que nunca ninguém lhe falara que os controladores de vôo já não podiam continuar realizando milagres para evitar que as aerovias brasileiras constituíssem verdadeiro alçapão para aeronaves de pequeno ou grande porte, nacionais ou estrangeiras.
Isto feriu suscetibilidades no Comando da Aeronáutica, cujo titular, brigadeiro Luís Carlos Bueno (principal responsável p elo funcionamento do sistema de controle aéreo), manifestou-se contrariado com entendimentos para contornar a situação mantidos por Waldir Pires e o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, diretamente com os controladores, porque, embora a atividade seja de natureza civil, é exercida em grande maioria (90%) por sargentos. Controles de tráfego aéreo e transporte coletivo são considerados serviços essenciais, nos termos do art.10, V e X da Lei 7.783/89, a lei de greve. E a pressão de Bueno sobre esses especialistas da Aeronáutica já tinha ido da repreensão à ameaça de prisão, se o movimento não fosse suspenso. A aproximação direta com os sargentos reviveu pretextos usados para o golpe de 1964, colocando no atual horizonte os mesmos sinais desgastados de crise em função da hierarquia militar. Nesse meio tempo, para reforçar as equipes nas torres de controle resolveu-se convocar aposentados e outros afastados da função, e realizar um concurso para a formação de técnicos especializados, embora a medida só vá render resultados concretos num mínimo de 18 meses. A última seleção de candidatos à profissão foi anulada por causa de incontáveis fraudes.
Além da total desmoralização do aparelho governamental, as implicações do desastre aéreo de 29 de setembro para a economia acabaram transcendendo o universo das famílias das vítimas e o campo dos seguros, para irem constituir uma avalancha de reclamações de danos morais e materiais em todas as unidades de proteção ao consumidor (Procons) existentes no país, por parte dos milhares de viajantes prejudicados pela vergonheira aeroportuária.
Os preços do acidente
As estimativas de profissionais da área de seguros acerca do acidente vão de 145 mil dólares por vida (como consta em ação de indenização que ainda corre na 2ª Vara Cível de São Paulo contra a Transporte Aéreos Marília — TAM, que em 1996 perdeu um Fokker 100 nas proximidades do Aeroporto de Congonhas, matando vários passageiros) até 2 a 5 milhões de dólares, para a Justiça do USA.
No Brasil, o valor do seguro, cerca de R$ 300 mil, não vai muito além do preço de mercado de um apartamento de três quartos em bairro de pequena burguesia média do Rio ou de São Paulo. Ainda assim, vilões do capital financeiro sob o codinome de seguradoras usam de todo tipo de subterfúgio para retardar o pagamento — ou não fazê-lo: o acidente em Congonhas já completou 10 anos e ainda há indenizações em discussão.
A propósito, a participação de grupos estrangeiros no mercado segurador brasileiro cresce significativamente de ano para ano. Segundo dados da Superintendência de Seguros Privados – Susep, em 1996, o capital estrangeiro somava R$ 956,29 milhões em prêmios, representando 6,33% do faturamento do setor. Um ano depois, este percentual, subiu para nada menos que 17,94%, correspondendo a um volume de prêmios de R$ 3,299 bilhões.
Se tivesse ocorrido o contrário — um jatinho brasileiro derrubando uma aeronave ianque —
os pilotos teriam sido levados de imediato para o centro de torturas do USA em Guantánamo
Porém o desastre com o vôo 1907 não envolve apenas 150 milhões de dólares a serem pagos às famílias dos passageiros da Gol (os ianques que inauguravam o Legacy sofreram apenas o susto): há que acrescentar os aviões, que custam 70 milhões de dólares (o maior) e 50 milhões (o jato executivo), elevando o montante para US$ 270 milhões. Como o acidente pode ter sido causado por falha dos pilotos Jan Paul Paladino e Joseph Lepore, da ExcelAire — ou defeitos nos equipamentos de segurança de vôo Primus 1000, TCAS 2000, EGPWS, radar com detecção de turbulência, Satcom fabricados pela Honeywell no USA — a indenização vai a níveis estratosféricos, e pior para nós se o inquérito indicar falha do controle aéreo.
Um grupo de famílias das vítimas do vôo 1907 contratou o escritório de advocacia de Robert Lieff em San Francisco, na Califórnia, para entrar com ação civil no USA contra a ExcelAire, empregadora dos pilotos. Outros 60 familiares contrataram o advogado Manuel von Ribbeck para processar no USA, por danos morais e materiais, a Boeing, que fabricou o avião da Gol, a ExcelAire, proprietária do jato Legacy que se chocou com o Boeing, e a Honeywell, que produziu o sistema de alarme anticolisão.
A Justiça ianque não exige provas para acolher este tipo de ação, segundo Ribbeck, ao contrário da brasileira, que exige a exata identificação do culpado para dar curso ao processo. Ele não revela o valor pedido nas ações indenizatórias. Diz apenas que “será de alguns milhões de dólares”, asseverando que sua probabilidade de ganhar as causas nas cortes americanas é de 100%, porque os passageiros não tiveram nenhuma responsabilidade pelo acidente.
Em um caso semelhante ocorrido na Argentina, Ribbeck afirmou ter conseguido uma indenização de US$ 400 milhões às famílias dos passageiros. Se conseguir convencer os juízes americanos quanto ao acidente da Gol, o advogado ficará com 20% do valor recebido pelas famílias.
Quem pagará essa conta de quase 1 bilhão de dólares e que só não é maior porque os aviões montados no Brasil pela Embraer têm preço mais competitivo por causa da mão de obra barata? Lieff atuará contra a seguradora da ExcelAire. Se ele ganhar nos tribunais americanos, a indenização será mais elevada do que é costume no Brasil. Como a despesa irá praticamente para a mesma turma, já se pode imaginar o esforço que farão para que tudo fique por aqui. A indenização por morte em vôo doméstico é de 145 mil dólares, em obediência ao Código Brasileiro do Ar; no internacional é de 2 milhões de dólares conforme o Código Internacional de Varsóvia.
O acidente começou a complicar a vida da Embraer: foi anunciada uma redução de 145 para 135 aviões a serem entregues em 2006, e há temores quanto às vendas futuras.
Trama contra o país
É briga de cachorro grande que, como sempre, sobra para o povo. Logo meia dúzia de deputados ianques tratou de fazer média, exigindo que a secretária de Estado do USA, Condoleeza Rice, pressione a gerência Luíz Inácio para decretar a inocência de Paladino e Lepore, cujos passaportes foram retidos pela Justiça brasileira a fim de averiguar a razão de voarem à mesma altura do Boeing da Gol, em sentido contrário, e silenciarem por quase uma hora às comunicações dos controladores de vôo do Cindacta (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo), órgão controlado pelo Ministério da Aeronáutica.
Agências estrangeiras de notícias surgiram com a história de um “buraco negro” nas redes de comunicações da Amazônia, e o jornalista ianque Joe Sharkey (colega, no “The New York Times”, de Larry Rother, autor de ampla reportagem sobre os hábitos etílicos do gerente Luiz Inácio), de regresso ao USA foi logo dizendo ao programa de rádio The World, uma coprodução da BBC, que “essa história não terminará muito bem”, reclamando da “hostilidade das perguntas dos investigadores brasileiros”, e protestando por ter sido “fotografado sem camisa para provar que não tinha sido “torturado” durante o interrogatório.
Atracado neste gancho, o monopólio ianque das comunicações levantou suspeitas sobre a eficiência do sistema brasileiro de proteção ao vôo. Ao tomarem conhecimento dessas declarações, parentes das vítimas observaram que, se tivesse ocorrido o contrário — um jatinho brasileiro derrubando uma aeronave ianque — os pilotos teriam sido levados de imediato para o centro de torturas do USA em Guantánamo.
A verdade sobre a degradação da segurança de vôo começou a vir a público com notícia publicada pelo jornal “Folha de São Paulo”, segundo a qual o Cindacta1, localizado em Brasília, enfrenta uma série de problemas, a começar pelas telas dos radares, os fones de ouvido e os microfones que ainda não foram trocados. Mais tarde, verificou-se que o problema é muito maior, com acentuada falta de pessoal, sucateamento de equipamentos e inexistência de cursos de formação de especialistas em radar além da Escola de Especialistas de Aeronáutica, em Guaratinguetá.
A quem enganam?
No jornal “Estado de São Paulo”, em Fórum dos leitores, edição de 6 de outubro do corrente, dois leitores daquele periódico assim se pronunciaram, de forma simples e bem objetiva:
(…)Há alguns anos um caça norteamericano, fazendo acrobacias,cortou o fio de um teleférico na Itália, derrubando-o e matando mais de 40 pessoas, entre elas muitas crianças. O piloto do caça foi retirado do país pelas autoridades americanas logo após o acidente e nunca mais voltou, não respondeu por nada e não aconteceu nada com ele. Espero que, confirmando-se a responsabilidade dos pilotos do Legacy, o desfecho aqui seja outro e que paguem pelo que fizeram de errado. Se fosse um piloto brasileiro provocando tal tragédia nos EUA não tenho dúvidas de que a pena seria rigorosa (…)
Deborah Marques Zoppi. [email protected] – São Paulo.Fico me perguntando o que aconteceria com um piloto brasileiro imprudente, voando nos EUA, se derrubasse um Boeing norte americano e matasse 155 norte-americanos. No mínimo ia ser tratado como terrorista, já estaria preso e sua carreira liquidada. Mas aqui, não. Um promotor recusa-se a mandar prender os pilotos e eles devem estar hospedados em Copacabana às custas do nosso dinheiro. (…)
Marcelo Prista de Castro – São José dos Campos SP.
O poder pensa que o nosso povo é tapado? Em absoluto. No fundo tem certeza que o nosso povo não se deixa levar por conversa fiada e o que falta ao povo são os instrumentos necessários para fazer valer a sua vontade,inclusive contra esse tipo de poder, premeditadamente atrapalhado, colonial e servil.
Produto da corrupção
Os Cindactas são órgãos de controle de tráfego aéreo espalhados estrategicamente pelo Brasil para proporcionar segurança a vôos comerciais e auxiliar aviões militares pelo céu do país. O sistema é apoiado por uma rede de radares e estações de telecomunicações. O Cindacta1 é fruto do projeto SIVAM Sistema Integrado de Vigilância da Ama zônia, inicialmente executado pela empresa francesa Thompson CSF, coligada a empresas nacionais e que chegou a atingir um índice de nacionalização de 40% até a eclosão do escândalo Raytheon, em meados da década de 90, envolvendo cerca de 2 bilhões de dólares.
O físico Rogério Cerqueira Leite, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas Unicamp, que integrou uma comissão de investigação do Senado Federal a respeito, recorda que em 1994 várias empresas nacionais candidataram-se à conclusão do projeto, porém foram inesperadamente dispensadas em favor da Raytheon, do USA, especializada em tecnologias de interesse militar em declínio, após o fim da Guerra Fria, e cuja única experiência em “monitoramento ambiental” se relacionava com a aplicação do “agente laranja” nas florestas e povoados do Sudeste Asiático. Havia, até mesmo, sido processada por superfaturamento pelo governo de Washington, onde era suspeita de ser o braço empresarial da CIA — Central Inteligency Agency.
— O mais surpreendente, entretanto — observa aquele físico — foi o fato de que setores do próprio Ministério da Aeronáutica, em uma série de documentos publicados entre 1993 e 1995, tinham concluído que um sistema de proteção ao vôo baseado em radares estaria obsoleto devido a desenvolvimentos na área de satélites. Além disso, a Raytheon não possuía qualquer experiência em “monitoramento ambiental” e, no Brasil, desde os tempos do Radam, em 1970, várias entidades, entre elas o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial – Inpe, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola – Embrapa e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, já vinham realizando, rotineiramente e com grande eficiência, essa tarefa.
A única justificativa para a adoção do Sivam, como concebido e atualmente implantado, era o combate ao narcotráfico. Acabou vindo a público um esquema de corrupção. Escutas eletrônicas na gerência Fernando Henrique Cardoso revelaram jogos de influência e prevaricação envolvendo não apenas o chefe do Cerimonial da Presidência da República, Júlio César Gomes dos Santos (diplomata que, afastado, seria posteriormente recompensado com promoção e a embaixada brasileira em Roma, depois o Consulado do Brasil em Nova Iorque, e lá conservado por Luiz Inácio a pedido de Cardoso), bem como o conhecido lobista José Afonso Assumpção e propinas ao influente senador Gilberto Miranda.
— O brigadeiro José Gandra, na época ministro da Aeronáutica, teve de se reformar — recorda Cerqueira Leite, acrescentando:
— Esse odor de putrefação despertou a opinião pública, e assim tivemos acesso aos contratos de empréstimo que comporiam o financiamento do programa, verificando a falsidade das afirmativas repetidas por portavozes oficiais. Dizia-se que 40% dos recursos iriam para empresas nacionais, porém o conjunto de contratos (cinco) totalizava US$ 1.771.527.527.038,00 e não US$ 1,4 bilhão. Desse total, US$ 110 milhões eram destinados a obras civis e US$ 150.500.000,00 para o pagamento de bens e serviços realizados no Brasil. Estipulava-se também que, caso um equipamento ou serviço não pudesse ser oferecido pelo USA, ele poderia ser adquirido de qualquer outro país, exceto o Brasil. Assim, se incluídas as obras civis como “participação da indústria nacional”, e excluídos os juros capitalizados a priori, impostos e seguros, o percentual atribuído ao Brasil seria de 19 pontos, mas se excluídas as obras civis esta participação seria de apenas 11%.
Há anos os controladores de vôo reivindicam
uma lei regulamentadora da sua profissão
Em ambos os casos, portanto, fica claro que a estratégia da Raytheon era de excluir a indústria brasileira. Nos contratos também ficava claro que o sistema de integração seria desenvolvido pela Raytheon e, mais ainda, que os direitos autorais pertenceriam a esta empresa. Ou seja, a chave para penetrar no sistema ficaria com uma empresa ligada ao governo do USA. As suspeitas de prevaricação extensiva confirmaram-se quando, imediatamente após a aprovação do projeto pelo Senado, importantes verbas do interesse de senadores foram apressadamente liberadas.
Recente pesquisa do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos — Cenipa abrangendo 238 acidentes e incidentes aéreos ocorridos nos últimos cinco anos concluiu que 75% são de caráter operacional (como o controle dos vôos), 20% são fatores humanos, como o estresse, e apenas 5% são fatores materiais, que envolvem a fabricação das aeronaves. Dados do sistema de acompanhamento dos gastos federais, mostram que, em 2004, foram gastos R$ 5 milhões para manutenção do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). O valor previsto para 2007 é de R$ 2 milhões.
Desconfiança das empresas
Há mais de 10 anos o Sindicato Nacional dos Aeronautas — SNA reclama a criação de uma agência independente para investigação de acidentes aéreos. Durante a reunião da IFALPA — Associação Internacional de Pilotos, no início de outubro, a presidente do SNA, Graziella Baggio, explicou que essa agência seria formada por profissionais sem vínculo com órgãos do governo, companhias aéreas e demais setores da aviação.
O SNA reclama investigações para saber se as taxas pagas pelas companhias aéreas à Infraero nos Aeroportos Brasileiros têm ajudado no superávit primário na gerência Luiz Inácio. Até outubro, só 28% dos recursos para 2006 foram usados e destinados à proteção ao vôo e segurança do tráfego aéreo. Além disso, o Fundo Aeronáutico, de onde vem a maior parte dos recursos para gastos neste programa, tem uma disponibilidade de R$ 1,87 bilhão, valor que vem crescendo. Em dezembro do ano passado, o montante disponível era de R$ 1,5 bilhão; em 2004, de R$ 1,3 bilhão. O Ministério da Defesa afirma que, apesar de os orçamentos previstos para proteção ao vôo nos últimos anos não terem sido totalmente executados, isso é compensado pela execução de despesas de anos anteriores (restos a pagar).
As empresas aéreas, através do seu sindicato, o SNEA, tem se posicionando em termos fortes relativamente ao tema.
— Tenho certeza de que esse contingenciamento pode ter influenciado no acidente. O sistema de controle, de cobertura de radar não está operando em sua plenitude — diz Anchieta Hélcias, diretor daquela entidade.
Antes do acidente, circulava entre os pilotos um email condenan do as condições dos aeroportos brasileiros, referindo-se especialmente às pistas do aeroporto de Congonhas. A mensagem diz que “dá para contar nos dedos” o número de pistas que operam ILS, sistema de pouso por instrumentos que determina com precisão a trajetória que a aeronave deve seguir, permitindo aos pilotos a aterrissagem em condições meteorológicas desfavoráveis.
Profissão perigo
Há anos os controladores de vôo reivindicam uma lei regulamentadora da sua profissão. Na monografia O trabalhador da aviação diante da prática da Saúde, a professora Rita de Cássia Seixas Sampaio de Araújo, do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, alerta que não poucos controladores de vôo recorrem a um segundo trabalho para complementar a renda familiar, havendo ainda comissárias de bordo que enfrentam dificuldades para engravidar e pilotos que dependem do álcool para “relaxar”.
Tendo perdido o marido no acidente com o Fokker da TAM, em 1996, ela pesquisou durante três anos o centro de controle de aproximação (APP) de Congonhas, São Paulo, cujos controladores de vôo são responsáveis pelo monitoramento de todo o tráfego aéreo dos aeroportos de Guarulhos, Congonhas, Campo de Marte e Viracopos, em Campinas, além de monitorar também o corredor de céu que liga os estados do Rio e de S. Paulo, e que antes era de responsabilidade do Cindacta 1.
Aquela especialista assevera que a mudança significou sobrecarga de trabalho e surgimento de sérios problemas de saúde. Os controladores são militares, na maioria sargentos, mas como nos hospitais e ambulatórios da FAB e demais forças armadas falta seringas e papel higiênico, até comida e instrumental e equipamento cirúrgico, eles, como os civis, passaram a pagar também por planos particulares de saúde.
— Controladores de vôo, entre outros agravos, — comenta Rita de Cássia — sofrem de fadiga visual por passarem oito horas na frente de monitores de vídeo sob condições estressantes. É bom lembrar que nem o estresse e a fadiga visual são reconhecidos como doenças profissionais pelo Ministério do Trabalho.
Na Área Terminal São Paulo, segundo a professora, deveriam estar trabalhando 140 controladores, mas na prática a escala conta em média com 70. Nos horários de pico, cada controlador monitora cerca de 12 aeronaves, quando o ideal seria de 5 a 6 aparelhos. O baixo salário e o esgotamento mental e físico provocado pelas mudanças de turnos e, em alguns casos, por um segundo trabalho ocasionam os problemas de saúde.
O trabalho do controlador é fiscalizar o céu através das imagens emitidas pelos radares e intervir quando necessário, ou quando solicitado pelo piloto. O controlador de vôo é o “braço direito” do piloto no solo. O controle de aproximação e decolagem das aeronaves nas áreas terminais é de responsabilidade do controle de tráfego, independente das condições de visibilidade. A comunicação entre pilotos e controladores de vôo deve, assim, ser a mais clara possível. Rita, no entanto, conta que mesmo a fluência no inglês é raridade entre os controladores de vôo e que há situações de pânico quando não conseguem se comunicar com um piloto de outra nacionalidade. Mas até mesmo em português podem surgir situações difíceis.
Nas gerências de Cardoso e Luiz Inácio, além do desaparelhamento das Forças Armadas, os militares viram-se perseguidos pelo poder público, que na verdade até agora não lhes concedeu, ao exemplo dos trabalhadores civis, vencimentos justos e decentes. O salário de um ascensorista da Câmara dos Deputados é maior do que o de um piloto da FAB.