No dia 14 de dezembro, alguns dias antes de um protesto marcado em Buenos Aires contra as medidas de austeridade fiscal, a atual ministra da Segurança Pública da Argentina, Patricia Bullrich, sancionou o “protocolo para a manutenção da ordem”, que visa reprimir as massas populares e o justo direito à manifestação com a criminalização severa de piquetes e bloqueios de rodovia, além de permitir um trabalho de inteligência na tentativa de identificar as lideranças de organizações populares e o acionar das quatro forças repressivas federais (Polícia Federal, Gendarmeria, Prefeitura Naval e Polícia de Segurança Aeroportuária) para repressão de protestos com bloqueios. O novo plano antiprotesto substituiu o “protocolo de garantias” sancionado em 2011, que limitava o uso da força pública e proibia o uso de armas e munições letais
O protocolo é todo marcado pela violação severa do direito à manifestação e pela ampliação brutal da repressão contra bloqueios de rodovias e indivíduos e organizações que protestarem. Dentre as arbitrariedades, o projeto permite que todos que participem dos protestos considerados “ilegais” podem ser identificados e processados, enquanto veículos registrados nas manifestações poderão ser apreendidos caso não estejam com a documentação em dia. Estrangeiros com residência temporária no país podem ser encaminhados ao serviço migratório pela participação nos protestos. Pais e responsáveis legais que forem com menores de idade para manifestações também serão processados pela medida reacionária do governo, que inclui ainda a cobrança das organizações populares pelos gastos relativos a “danos e ao emprego das forças de segurança” e uma lista de organizações envolvidas nas manifestações.
Em uma coletiva de imprensa a ministra demarcou sua posição anti povo em tom de ameaça “Se tomarem as ruas, haverá consequências’’. O tom criminalizador seguiu o do novo presidente fanfarrão argentino, Javier Milei, que declarou em seu discurso de posse presidencial, realizado no dia 10 de dezembro, que: “Hoje começa uma nova era na Argentina, uma era de paz e prosperidade, uma era de crescimento e desenvolvimento, uma era de liberdade e progresso (sic)” e continua “Esse novo contrato social nos propõe um país distinto, um país no qual o Estado não dirija nossas vidas, mas vele por nossos direitos. Um país no qual aquele faz, paga por isso. Um país no qual quem bloqueia a rua, violando os direitos dos seus concidadãos, não recebe assistência da sociedade”.
Após o anúncio do novo protocolo, indígenas do movimento Tercer Malón de La Paz, que ocupavam a praça Lavalle para protestar contra a reforma constitucional da província de Jujuy, foram removidos do local de forma violenta, no dia 16/12, após quatro meses de ocupação.
Essas medidas protocolares de repressão não devem ser tratadas como casos excepcionais. Trata-se de um modelo de repressão que segue o de outros casos na América Latina de repressões “legais” contra as manifestações promovidas pelas massas populares. No Brasil, por exemplo, houve a implementação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) (2014) e a Lei Antiterrorismo (2016), que possuem propósito semelhante ao novo protocolo para a manutenção da ordem na Argentina.
Caracteriza-se como um grave ataque do recém-empossado governo de Javier Milei. Implementado logo após o anúncio de medidas de austeridade severas no país, com promessas de aumento da inflação e piora das condições de vida e nos serviços essenciais, as o novo protocolo é na verdade uma medida preventiva aos inevitáveis protestos populares, manifestações e rebeliões que se levantarão contra a fome e a miséria.
Nos últimos dois meses, o povo argentino realizou cerca de 800 protestos. De acordo com a consultoria Diagnóstico Político, 568 deles contaram com fechamento de ruas. Para a próxima semana, novos protestos estão marcados no país.