Argentina: Contra a fome e a crise, massas confiscam mercados e alimentos de caminhões tombados

Argentina: Contra a fome e a crise, massas confiscam mercados e alimentos de caminhões tombados

Massas confiscam mercadorias de mercado em San Juan, Argentina. Foto: Los Andes

Centenas de massas na Argentina têm confiscado mercados e mercadorias de caminhões tombados em meio à grave crise econômica que tem afetado o país. Nas últimas semanas, duas ações de confisco ocorreram em regiões diferentes do país. Em San Juan, as massas confiscaram um supermercado no dia 30 de julho. No dia 25/07, na cidade de Santa Fé, vacas de um caminhão tombado foram abatidas e as carnes confiscadas.

No departamento de Rawson, província de San Juan, um supermercado da rede Changomas teve diversas mercadorias confiscadas por um grupo de mais de 100 pessoas em rebelião contra a inflação, o desemprego e a fome. As massas iniciaram a concentração no local em torno de 12h, momento em que o supermercado fechou suas portas para impedir a entrada dos manifestantes. Quatro horas depois, as centenas de pessoas reunidas romperam os portões do mercado e iniciaram o confisco. A ação ocorreu no dia 30/07 e itens de higiene básica e eletrodomésticos foram levados pelo povo. 

Em torno de 36 pessoas foram detidas pela polícia e estão em custódia. O velho Estado argentino ordenou que fosse dada prisão preventiva a todos os detidos, com exceção dos menores de idade, e que os planos pessoais dos envolvidos fossem cancelados. 

Em Calchaquí, na província de Santa Fé, dezenas de massas arrancaram e confiscaram as carnes do gado de um caminhão de carga viva que havia tombado após o motorista perder o controle.

Massas confiscam carne de gado de caminhão tombado. Foto: El Ciudadano

Fome, inflação e desemprego  

A Argentina atualmente está passando por uma grave crise do capitalismo burocrático que vigora no país. Em junho, a inflação no país subiu em torno de 4%, atingindo 64%; dentro desta alta, as comidas sofreram uma alta de 66,4%. O índice de preço ao consumidor no país subiu em torno de 793 pontos, com os itens de comidas e bebidas configurando 28,6% do peso total do cálculo. 

Somadas à alta exponencial dos preços na Argentina estão as taxas de desemprego e informalidade. Em torno de 7% da população Argentina, o que totaliza 943 mil pessoas, não tem emprego. Os empregos informais, por sua vez, são relegados à quase metade do povo. Em 2020, 46,4% da população argentina não possuía um emprego formal.

Dívida externa saqueia a nação

Enquanto as massas argentinas se vêem cada vez mais empobrecidas ante o desemprego, informalidade e alta crescente da inflação no país, o velho Estado argentino entrega mais da metade da riqueza da Nação às instituições financeiras do imperialismo. Em 2021, 56,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país foi destinado ao pagamento da dívida externa. Problema similar assola o Brasil, onde a dívida externa corresponde a 35% do PIB. 

A Argentina, país em condição semi-colonial, submetida aos interesses do imperialismo, principalmente ianque, acumula um longo histórico de dívidas bilionárias contraídas com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Desde 1956, o velho Estado argentino acumula dívidas de centenas de milhões de dólares com essas instituições financeiras do imperialismo ianque. Em 2018, o ex-presidente da Argentina, Mauricio Macri, lacaio do imperialismo e representante da burguesia compradora, contraiu uma dívida de 44 bilhões de dólares (R$ 230,2 bilhões) com o FMI. 

Desde o início do ano, o oportunista Alberto Fernandéz, atual presidente do país, tem buscado renegociar a dívida em parcelas. Contra isso, em março, protestos massivos ocorreram em Buenos Aires, onde barricadas foram erguidas e prédios do velho Estado foram apedrejados. As massas exigem o cancelamento da dívida e afirmam que não houve nenhuma melhora no país após a contração das dívidas e que são elas que acabarão por pagar o preço dessas despesas.

Leia também: Argentina: Centenas de protestos massivos contra a miséria e o desemprego

Latifúndio e semi-colonialidade aprofundam fome e miséria no país

A agricultura é a principal fonte de produção econômica da Argentina. Contudo, a maior parte do território agrário da Argentina está nas mãos de alguns poucos latifundiários e de empresas monopolistas estrangeiras. Um estudo de 2012* mostra que, enquanto 25 empresas domésticas detinham um total de 1,6 milhões de hectares (em média 65,3 mil para cada empresa), 22 empresas estrangeiras controlavam 6,7 milhões de hectares de terra do país (em média 305,5 mil hectares para cada empresa). Sete empresas combinadas (com investimentos “nacionais” e estrangeiros), por sua vez, controlavam 2,1 milhões de hectares. Ademais, enquanto as empresas estrangeiras eram de fato donas de suas terras, as empresas combinadas e argentinas funcionavam principalmente por sistema de arrendamento.

As produções dessas empresas são, em sua grande maioria, voltadas para a produção de produtos primários destinados à exportação (commodities). Assim, enquanto as massas argentinas sofrem pela fome e pela miséria, a produção agrária do país é concentrada nas mãos de empresas monopolistas estrangeiras e grandes latifundiários que destinam sua produção aos países imperialistas. É o caso dos irmãos Benetton, magnatas italianos da indústria da moda que possuem em torno de 930.000 hectares no país destinados à produção de gados e ovelhas para exportação de lã.

Além dos milhões de hectares do país controlados pelo capital estrangeiro, existem no país os latifúndios improdutivos detidos por investidores do exterior. O consórcio anglo-malásio Walbrook e os magnatas Joseph Lewis, Douglas Tompkins e Ward Lay são alguns que acumulam milhares de hectares de terras na Argentina destinados à “preservação” ou ao setor de turismo. 

A necessidade da revolução agrária

O mesmo estudo de 2012 evidencia também que o avanço do latifúndio e das empresas monopolistas estrangeiras prejudicam gravemente os camponeses com pouca terra, que muitas vezes são despejados ou são forçados a venderem suas terras, impossibilitados de concorrerem com os grandes monopólios. O predomínio do latifúndio e as relações de produção que dele decorrem – incluindo o despejo de camponeses e sua submissão forçada a regimes de trabalho de semiservidão – são típicas em países que, como a Argentina, são submetidos ao domínio imperialista e onde o capitalismo foi introduzido e impulsionado por este mesmo imperialismo.

As crescentes rebeliões populares e as recentes ações de confisco realizadas pelo povo argentino deixam claro os anseios das massas de encontrarem uma saída real para atual grave crise do capitalismo burocrático e porem um fim ao atual regime de exploração e opressão. O profundo ódio das massas ao imperialismo e ao FMI deve somar-se aos anseios dos camponeses pobres e médios pelo fim do latifúndio e caminhar em direção à solução da tarefa candente de uma grande revolução democrática, agrária e anti-imperialista que dê fim às três montanhas (imperialismo, capitalismo burocrático e semifeudalidade) que esmagam a Nação e as massas argentinas.


Nota:

* – MURMIS, Miguel & MURMIS, Maria R. Land concentration and foreign land ownership in Argentina in the context of global land grabbing. Cannadian Journal of Development Studies, v. 33, n. 4, pp. 490-508, 2012.

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