Foto: Agência Brasil
Deltan Dallagnol, procurador e coordenador da operação “Lava Jato” e protagonista do escândalo das mensagens vazadas, revela-se também próximo a diversos conluios criminosos ligados ao latifúndio. O observatório De Olho Nos Ruralistas reuniu, em uma série de reportagens, praticamente um dossiê desmascarando o envolvimento de pelo menos 14 parentes de Deltan com o latifúndio, incluindo diversos casos de grilagem de terras, desmatamento ilegal, desapropriações forjadas, defesa de trabalho escravo, loteamentos criminosos e inúmeros casos de violência contra camponeses no interior do estado do Mato Grosso.
O início da história nos remete à expansão brasileira para o oeste, quando paranaenses e gaúchos participaram da ocupação do Centro-Oeste promovida pelo regime militar, em que ocupou-se o território com grandes empreendimentos agropecuários. O clã Dallagnol chegou na região na década de 1970, quando adquiriu um latifúndio enorme no município de Nova Bandeirantes, noroeste do Mato Grosso. No entanto, os arredores do município só começaram a ser colonizados intensamente no início da década de 1980, com projetos tais como o da Colonizadora Bandeirantes (Coban). A família concentrava, então, um total de 400 mil hectares de terra, quase metade da área de todo o município, que tem 953 mil hectares.
Uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) explica que, àquela época, as terras do Centro-Oeste eram, em sua maioria, públicas, e para se comprar uma propriedade nos anos 60 e 70 era necessário ter contatos no governo, que regularizavam a aquisição das terras por meio do Instituto de Terras do Mato Grosso (Intermat). Assim, a pesquisa demonstra que havia uma íntima e, possivelmente, promíscua, relação entre o clã Dallagnol e o regime militar.
Pai, tios e primos; pelo menos 14 membros da família têm seu nome diretamente ligado a crimes cometidos pelo latifúndio. Seus pais, Vilse e Agenor Dallagnol, que é procurador de Justiça aposentado do Paraná, possuem propriedades de extensão colossal na região, bem como sua prima. Os tios de Deltan, Xavier Leonidas e Leonar, são reconhecidos na região como os responsáveis pelo gerenciamento das propriedades. O primeiro é um famoso advogado, cuida da parte jurídica dos negócios e também defende outros latifundiários por todo o Brasil, como José Pupin, chamado de “rei do algodão” e que já foi citado algumas vezes na lista suja do trabalho escravo. Já o segundo tio é um insigne grileiro de terras, conhecido localmente pelo apelido de Tenente.
O tamanho dos latifúndios pertencentes aos Dallagnol é tão grande que supera o de propriedades de outras famílias do município que são mais popularmente conhecidas pelo seu envolvimento com grilagem de terras devolutas, como a família Almeida, dona da empreiteira CR Almeida, e da família Junqueira Vilela, que só em Nova Bandeirantes possuíam, respectivamente, 215 mil e 80 mil hectares cada uma.
Desmatamento e grilagem de terras
O município de Nova Bandeirantes fica localizado na região conhecida como portal da Amazônia, a entrada para a floresta no estado do MT, onde já é considerado Amazônia Legal. A área concentra um dos principais focos do desmatamento do país nos últimos anos. Deixando de ser surpreendente, os membros do clã Dallagnol são importantes figuras do desmatamento da floresta e possuem forte ligação com os madeireiros da região. A dupla de tios, Tenente e Xavier, bem como uma outra tia, foram flagrados por desmatamento ilegal da floresta amazônica diversas vezes (o primeiro, inclusive, por fazê-lo em uma área de reserva).
Além de desmatarem, esses dois tios também são envolvidos em acusações por lotear terras ilegalmente. O Tenente, irmão do pai de Deltan, responde a dois inquéritos por grilagem em um município próximo, Nova Monte Verde. O irmão Xavier, advogado, não pode defendê-lo, pois também foi denunciado em um dos inquéritos que trata de uma gleba Japuranã, que é, segundo o dossiê, o “epicentro dos latifúndios da família”.
A despeito disso tudo, o dossiê revelou que Tenente ainda foi consagrado, em 2016, com o título de “cidadão honorário” do município pela Câmara Municipal de Nova Bandeirantes, que o reconheceu por sua “bravura” e como “ilustre colonizador” e “grande desbravador”.
A fazenda Japuranã é palco de outro escândalo mais recente. Em 2013, foi realizada uma mega desapropriação na propriedade de um total de 36.782 hectares para fins de “reforma agrária”. A parte mais surpreendente, no entanto, vem a seguir: por tal desapropriação, a família de Deltan foi indenizada em uma quantia hipervalorizada, de R$ 41 milhões. Só a família Dellagnol recebeu, com o fechamento do negócio, 36,9 milhões, cerca de R$ 1 mil para cada hectare. O próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entende ter havido uma supervalorização criminosa e decidiu abrir um procedimento para investigar “irregularidades”.
A lista de crimes cometidos segue infindavelmente, na série de 10 reportagens organizada pelo De Olho Nos Ruralistas sobre a família de Deltan Dallagnol.