Assassinato de líderes e membros do Hamas no Líbano elevam riscos da regionalização da guerra

Sete membros do Hamas foram assassinados em um atentado ilegal no Líbano. Países árabes e grupos anti-imperialistas têm acusado Israel.
Comandante Saleh al-Arouri, assassinado em um atentado em Beirute. Foto: Reprodução

Assassinato de líderes e membros do Hamas no Líbano elevam riscos da regionalização da guerra

Sete membros do Hamas foram assassinados em um atentado ilegal no Líbano. Países árabes e grupos anti-imperialistas têm acusado Israel.

Sete membros do Hamas, dentre eles o vice-líder do birô político do partido palestino, Saleh al-Arouri, e dois comandantes das Brigadas Al-Qassam, foram assassinados em um atentado a drone ilegal em Beirute, capital do Líbano. Nenhum Estado ou grupo reivindicou responsabilidade sobre o ataque, mas países árabes e grupos anti-imperialistas acusam Israel, tanto pelos interesses claros do Estado sionista no assassinato de al-Arouri quanto pelos métodos usados no ataque, idênticos a outros assassinatos em que Israel teve participação direta. 

O ataque foi realizado de forma precisa contra um prédio em um subúrbio do sul da capital, onde o Hamas operava um escritório secreto. De acordo com uma jornalista do Al Jazeera que reportava diretamente da região, o modo do ataque indica uma participação direta de Israel no atentado, ao menos no fornecimento de inteligência para os assassinos. 

“Claramente, Israel estava agindo com base na inteligência. Porque este não é um escritório conhecido do Hamas. Eles tinham informações de que esses membros seniores do Hamas estavam reunidos neste apartamento”, declarou ela, que pontuou também sobre o nível de precisão do ataque. 

Israel é condenado

O crime de violação da soberania nacional e assassinato das lideranças e membros da organização palestina foi imediatamente condenado por países árabes e organizações islâmicas e anti-imperialistas. 

O pronunciamento do Hamas foi dado pelo chefe da organização, Ismail Haniyeh. Ele descreveu o crime como um “assassinato covarde”, uma “agressão brutal” e  “crime flagrante que demonstra, mais uma vez, a brutalidade que é levada a cabo pela ocupação contra o nosso povo”. Apesar dessa brutalidade, o líder palestino afirmou que o assassinato torna os membros e combatentes da organização por ele dirigida “mais fortes e determinados do que nunca”. 

O Hamas recebeu solidariedade de outras organizações palestinas que participam da guerra de libertação palestina em curso contra o Estado sionista, como a Jihad Islâmica Palestina (JIP).

As condenações vieram também do Irã, país que teve um de seus generais assassinados na última semana em um ataque ilegal de métodos muitos similares na Síria. O presidente do país, Ibrahim Raisi, afirmou que o ataque é uma “ameaça real” e desprezou qualquer sinal de êxito de Israel, afundado em um “fracasso” em sua “operação terrorista contra Gaza”. Raisi também descreveu al-Arouri como um “combatente proeminente que defendia os direitos do seu povo”. 

O ministro das Relações Exteriores iraniano sentenciou o ataque como uma violação da “soberania e da integridade territorial do Líbano” com responsabilidade direta do “regime sionista [Israel]”. 

Já no próprio Líbano, as denúncias ficaram ao encargo do chefe da segurança do Estado libanês, Abbas Ibrahim, e do Hezbollah, grupo que atua contra a agressão sionista no Sul do Líbano. 

Ataque ineficaz

Apesar de ter parecido um poderoso golpe, o ataque não tem potencial para enfraquecer a Resistência Nacional Palestina. 

Assassinatos como esses são comuns, tanto na história do Hamas em particular quanto de outras organizações árabes e anti-imperialistas. Foi o do destacado fabricante de bombas do Hamas, Yahya Ayywash, assassinado em 1996, do fundador da mesma organização, o xeque Ahmad Yasin, assassinado em 2004, ou o co-fundador do movimento, Abd Al-Aziz al-Rantisi, morto no mesmo ano. 

Em outras organizações, há casos como o de Imad Mughniyeh, fundador da Jihad Islâmica no Líbano e membro de destaque do Hezbollah, vitimado por uma explosão em seu carro na Síria, fruto de um esquema de colaboração entre o Mossad e a CIA. 

Em tempos mais longínquos, existe o famoso caso do escritor palestino e co-fundador da Frente Popular para a Libertação Palestina, Ghassan Kanafani, também explodido em seu carro após uma operação do Mossad.

Apesar disso, essas organizações se fortaleceram ao longo dos anos. Atualmente, o Hezbollah tem um número de combatentes calculado entre 40 mil a 150 mil e uma capacidade bélica alta o suficiente para suportar embates prolongados com Israel na fronteira, forçando inclusive o deslocamento em quantidades significativas dos colonos sionistas do Norte, como foi nos últimos meses. 

O Hamas e a FPLP, por sua vez, são duas das organizações de vanguarda da Resistência Nacional Palestina, e que atualmente promovem a extraordinária guerra de libertação nacional do povo palestino contra o Estado sionista.

Essa mesma impressão foi dada pelo analista de política sênior do Al Jazeera, Marwan Bishara, que após oferecer uma análise dos assassinatos de determinadas lideranças do Hamas e Hezbollah, questionou: “Qual foi o resultado? Israel poderia ter declarado vitória cada vez que assassinou um desses líderes. Mas se olharmos para o âmbito, para a história, a Jihad Islâmica tornou-se mais forte. O Hamas tornou-se mais forte. E o Hezbollah tornou-se mais forte”.

Unidade regional

São afirmações que apontam para o crescimento da unidade regional. Há uma semana atrás, quando o general iraniano Seyyed Razi Mousavi foi assassinado por um ataque denunciado como perpetrado por Israel, organizações palestinas também condenaram a violação da soberania nacional síria e o ataque direto contra o Irã. 

Até antes do ataque, países como o Iêmen e organizações como o Hezbollah e a Resistência Islâmica do Iraque já haviam tomado posição ativa ao lado dos palestinos. O Iêmen tem impedido há semanas a chegada de navios imperialistas e sionistas no porto israelense de Eilat por meio de um um bloqueio no estreito de Babelmândebe, no Mar Vermelho. Na semana passada, o bloqueio enfrentou diretamente o Estados Unidos (USA), em conflitos entre marinheiros iemenitas e um helicóptero ianque. Após o embate, os anti-imperialistas do Iêmen prometeram continuar com o bloqueio, e o peso foi tanto que ao menos duas das maiores empresas imperialistas de embarcações afirmaram que não retornarão com suas atividades naquela parcela oceânica.

Houthis operam em confisco de navio. Foto: Forças Armadas do Iêmen

A Resistência Islâmica tem atingido bases militares ianques no Iraque e na Síria. O Hezbollah, tem atacado, desde o dia 8 de outubro, agrupamentos, bases e infraestruturas militares nas regiões do Líbano ocupadas por Israel e no Norte do território dominado pelo Estado sionista. 

Outros países ainda estão ausentes em relação a uma postura mais contundente contra o Estado sionista. Essa passividade já foi denunciada inclusive em pronunciamentos da Resistência Palestina no curso de sua guerra de libertação. Mas o recrudescimento dos ataques ilegais de Israel também elevam as pressões na região do Oriente Médio para um posicionamento mais contundente das organizações árabes, islâmicas e/ou anti-imperialistas contra o Estado sionista. 

O ocorrido já teve repercussões práticas. No dia 03/01, o Egito anunciou que interromperia a mediação do cessar-fogo entre o Estado sionista e as forças da Resistência Nacional. Segundo o jornal israelense Makan, a decisão egípcia foi uma resposta ao assassinato de Saleh al-Arouri.

Que fará o Hezbollah? 

Hezbollah tem sido foco das atenções após assassinato de al-Arouri. Foot: Khamenei.ir

Dentre as organizações, os olhos se voltam especialmente para o Hezbollah. 

Por atuar no Líbano especialmente contra a agressão sionista, ter a região recentemente afetada como uma de suas fortalezas (é em Beirute que Hezbollah cultiva forte base de apoio e mantem suas sedes e quartéis-generais) e ter demonstrado forte solidariedade ao povo palestino ao longo de sua história, o Hezbollah tem sido um dos focos da atenção e busca de respostas após o assassinato de Saleh al-Arouri. 

A própria organização já afirmou que não deixará que o crime passe “impune e sem respostas”. 

Já antes do assassinato, analistas como Suleiman Mourad, do Globetrotter, apontavam para um crescimento das ações do Hezbollah, inclusive por pressão do povo libanês, que poderia passar a exigir uma postura mais firme de solidariedade com seus irmãos palestinos. 

“Se […] a base do Hezbollah ficar convencida de que o partido não está fazendo o suficiente, isso pode ser um gatilho para o Hezbollah aumentar a escalada”, afirmou, antes de acrescentar que “do mesmo modo, se Israel decidir atacar civis no Líbano e causar grandes baixas, não se pode esperar que Nasrallah fique de braços cruzados”. 

Nessas novas condições, é esperado que o Hezbollah eleve ainda mais o tom. Analistas políticos como o libanês Tawfiq Shoman pontuaram que “Nasrallah pode mudar os títulos do seu discurso para anunciar uma posição acalorada, porque o assassinato de Al-Arouri, na sua forma, conteúdo e localização, é uma realidade, só pode ser tratado como uma escalada perigosa e excepcional’’. 

Já o jornalista e editor do Palestine Chronicle, Ramzy Baroud, recentemente entrevistado pelo AND, ressaltou em um novo artigo que “o desafio para a Resistência agora é que eles teriam de responder, mas tem de ser uma resposta estratégica, o que significa que não têm de jogar nas mãos de qualquer agenda política que o Primeiro-Ministro israelita Benjamin Netanyahu tenha em mente”.

“O assassinato ocorreu numa altura em que ficou claro que Israel estava a perder na frente de batalha e a perder mal em Gaza, na verdade Israel estava a retirar-se de Gaza, de acordo com os meios de comunicação israelenses. Então, antes de se tornar uma crise política que vai demolir o governo de Netanyahu, ele precisava ganhar tempo e criar uma distração matando al-Arouri”, concluiu.

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