Até tornar vermelho o Sol – o revolucionário e poeta Roque Dalton

Até tornar vermelho o Sol – o revolucionário e poeta Roque Dalton

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Roque Dalton, na entrega do prêmio de poesia da Casa das Américas em 1969. Foto: Reprodução

Roque Dalton (1935-1975), revolucionário e poeta salvadorenho, nasceu na capital San Salvador e morreu nas isoladas selvas de seu país, traído e executado pelo revisionismo armado. Enquanto parte inicial de sua obra seria tola, boêmia, pequeno burguesa, hipócrita e católica, outra parte será repleta de um indomável espírito proletário. 

Essa ruptura ideológica radical com a pequena burguesia foi fomentada após uma série de experiências na vida do poeta e jornalista, como uma visita feita por ele à União Soviética e uma sessão de tortura por ele sofrida nas mãos da CIA. Toda essa experiência prática, fundamental para tal salto de qualidade, uniu-se ao estudo sistemática da história de sua pátria e da experiência revolucionária única que o povo salvadorenho possui.

Sua obra após essa ruptura, ainda não amplamente traduzida e divulgada no Brasil, representa bem o momento histórico da luta do marxismo contra o revisionismo, a história de El Salvador e a própria história do autor e, com ela, os choques internos provocados pela luta ideológica, individual e coletiva.

Basicamente, a poesia de Dalton, semelhante a tudo que foi produzido nos movimentos revolucionários centro-americanos de sua época, tem o auge de sua beleza não no seu particular, no seu nacionalismo burguês, guevarismo-foquismo, no anacronismo histórico de “socialismo cristão”, mas no seu universal, quando compreende-se parte do proletariado internacional, quando se lança à luta sangrenta pelo Poder até as suas últimas consequências, quando compreende a unidade entre o sacrifício cotidiano das massas e dos revolucionários. Sua beleza reside no fato de ele considerar-se, mais do que salvadorenho ou latino-americano, um comunista e antirrevisionista. Nesse sentido, a obra mais avançada política e esteticamente de Dalton é Un libro rojo para Lenin, escrito no exílio, em Havana, entre 1970 e 1973, obra de onde retiramos a maioria dos poemas. Também foram retirados poemas de seu livro mais famoso, Poemas clandestinos, escrito após seu retorno a El Salvador.

Em Un libro rojo, Dalton combina relatos autobiográficos, citações a Lenin (incluindo uma tradução de seu único poema) e outros diversos autores e poemas autorais para criar verdadeiramente uma obra que, mesmo sendo principalmente uma obra artística, toma posição em debates teórico, posições que em sua maioria são corretas, porém com limites claros (destacando-se dentre eles a menção ao charlatão oportunista Regis Debray e a falta de uma compreensão de antirrevisionismo sem uma firme defesa da figura de Stalin). Entretanto, quando Dalton acerta, ele sintetiza toda a complexidade de uma ideologia através da estética poética moderna que apenas uma grande mente do gênero é capaz. 

Dalton consegue criar beleza e emoção dialeticamente, na união da forma de sua escrita com e conteúdo político transmitido, sem desvios panfletários de “esquerda”, nem de direita, que valorizam apenas a técnica artística e não a ideologia que essa técnica transmite. Dalton também exprime a beleza racional da ideologia proletária poetizando citações de obras de Lênin, técnica que seria repetida no Peru com citações do dirigente revolucionário Abimael Guzmán, o Presidente Gonzalo.

Enquanto Un libro rojo para Lenin é uma obra reflexiva, quase teórica e com muitas referências à vida do próprio autor, Poemas clandestinos é um livro escrito, como diz o título, na clandestinidade, ainda assim, sem perder a sua conexão com as massas de El Salvador. Dalton nunca assinaria com seu próprio nome os poemas que lá se encontram, tomando para si uma série de pseudônimos personificando setores de seu povo. 

Poemas clandestinos é, em muitos sentidos, um retrocesso ideológico comparado a Un Libro Rojo, e não por acaso é o livro de Roque Dalton mais divulgado por organizações revisionistas de todo o mundo. Sua desconfiança à religião presente no livro escrito no exílio apaga-se diante do redemoinho da “teologia da libertação” que tomaria conta dos países América Central na época. No livro, capitulação perante essa tendência é feita quase com um espírito de “menos pior”. Mas, a beleza única de Poemas clandestinos que não está tão presente em outras obras de Dalton surge quando o autor coloca as massas como protagonistas. Em especial, o último poema apresentado aqui, Os policiais e os guardas, é uma síntese artística da revolta do povo salvadorenho que ocorria na época.

Dalton morreu assassinado por oportunistas em 1975, acusado de ser um espião da CIA dentro da organização onde militava. A decisão tomada por representantes da linha oportunista de direita da organização guevarista que ele fazia parte, o Exército Revolucionário do Povo, hoje é motivo de chacota em El Salvador. Seus executores ou se exilaram para países imperialistas, ou, tão degradante quanto, mantêm-se como parte da máquina do velho Estado burguês-latifundiário de El Salvador, através do partido oportunista Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), outrora inspiração para todas as variações de oportunismo latino-americano, em particular o PT em nosso país. 

Roque Dalton será lembrado como um heroico artista do povo que, muito além de relatar as histórias do mesmo, resolveu ir mais a fundo e lutar junto às classes exploradas de seu pequeno país contra o imperialismo, tombando nesta luta, vítima dos mais perniciosos oportunistas.


Sobre nossa moral poética

Não confundir, somos poetas que escrevem

da clandestinidade em que vivemos

Não somos, pois, cômodos e impunes anônimos:

de frente estamos contra o inimigo

e cavalgamos muito perto dele, na mesma trilha.

E o sistema e os homens

que atacamos através de nossa poesia

com nossa vida lhes damos a oportunidade de que sejam cobrados

dia após dia.

As aspirações (mínimas e urgentes) de um leninista latino-americano

Aspiramos

(Com nossas ações

não nossos narizes)

À criação de um partido revolucionário de combate

À dirigir amplas massas

Como vanguarda da classe operária

real ou em potencial

(as palavras “real ou em potencial” referem-se aqui 

à classe operária, não à vanguarda)

À uma estratégia tatificada

e uma tática filha da estratégia

aspiramos

à honrosa inimizade dos oportunistas

à descarregar as armas da crítica

e carregá-las outra vez para disparar de novo

à exercer

a crítica das armas

(depois de conseguir

construir

engrossar

manejar até à perfeição

e saber quando e contra quem usar

essas armas)

aspiramos à dar três passos adiante

para cada passo atrás

aspiramos curar nossas doenças infantis

mas sem envelhecer

aspiramos à saúde juvenil perene

não à normal senilidade

e aspiramos

acima de todas as coisas

(por agora 

mas também desde agora)

ao poder político em nossa nação

ao poder político

ao poder

ao poder

O Leninismo em marcha pelo mundo

Mao Tsé Tung levou

O marxismo-leninismo até suas últimas consequências

pelo menos em um aspecto fundamental

o de construir a aliança operário-camponesa

no seio da guerra do povo

e tomar assim o poder.

 

Seguindo Lenin, definiu o povo, indicou

as classes e camadas sociais que formavam o povo

e localizou assim o inimigo interno, apoio

dos imperialistas estrangeiros.

 

E no seio do povo distingui as forças:

a força principal e a força dirigente.

 

A força dirigente era a classe operária

que se contava pelas centenas de milhares

e a força principal o campesinato

que se contava pelas centenas de milhões

 

A força dirigente não era suficientemente poderosa 

para tomar por si só o poder

e a força principal

não podia dirigir por si só seu poderio.

 

Alguns queriam tomar do Leninismo apenas as aparências

acreditavam que bastaria que com a força dirigente ocupar as 

cidades

os “centros nervosos do país”

com greves e manifestações que progrediriam paulatinamente

até a insurreição.

 

Isso significava de fato manter separada

a força dirigente da força principal,

tomando em conta a vasta extensão planetária da China.

 

Houve grandes matanças graças à esta concepção.

A classe operária chinesa foi massacrada e não só simbolicamente

em Xangai e outras grandes cidades.

 

Mao Tsé Tung tirou o leninismo da armadilha das cidades 

e nas cabeças e nos peitos e nos braços operários

e nas cabeças e na boca e nas mãos dos intelectuais

e nas organizações do partido:

se levou a força dirigente

até o coração-fortaleza inexpugnável da força

principal

as massas trabalhadoras do campo.

E nos ensinou, assim mesmo, que na época do imperialismo

agressor

que esta tarefa desde o início é uma tarefa

que em um ou outro sentido

necessita da garantia das armas.

 

Assim o Partido Comunista da China

o partido da classe operária

pode unir-se aos trabalhadores do campo

para a grande guerra do povo, a dupla guerra do povo:

a guerra contra a invasão imperialista japonesa

e a guerra contra as classes dominantes chinesas

e seus lacaios comuns,

os militaristas da exploração encabeçados

pelo sangrento Chiang Kai-Shek;

a guerra pela libertação nacional

e a guerra pela nova democracia

que abria o caminho do socialismo

 

Assim entrou o leninismo

no mundo dos países colonizados e neocolonizados

atravessando rios e desertos na Longa Marcha ao norte

cheirando à sangue e pólvora

sofrendo a fome e a sede

descalço e esfarrapado mas com o fuzil reluzente

(“o poder nasce do fuzil mas o fuzil é dirigido pelo

partido”)

desenhando à pincel ideogramas em baixo da luz das lamparinas 

de óleo

em baixo da chuva e da neve e do sol implacáveis

como um archote operário que levanta até o céu

as labaredas da pradaria camponesa

até tornar vermelho o sol.

Sobre os transeuntes de outros caminhos

Dizem que quando Lenin enfrentou

a execução de seu irmão Alexandr

(acusado de haver tentado matar o Tsar)

refletiu em voz alta e disse algo como:

“Esse não será nosso caminho”

Para estarmos seguros de aprender a essência justa

desta atribuída reflexão

devemos recordar

que Lenin não traiu seu irmão

nem o denunciou diante as massas como aventureiro anarquista,

nem o deixou só na montanha enfrentando à todos os inimigos

inimigos

(porque ele haveria dito em seu momento aos reformistas:

“Esse não será nosso caminho”)

nem fez de suas razões contra o caminho de seu irmão

uma bandeira contra a revolução.

Eu diria que Lenin assumiu criticamente

a experiência de seu irmão Alexandr.

E é um fato que não gozou de sua morte

ao mesmo tempo que seus assassinos.

Na polêmica nos dizem

Nos dizem que somos antileninistas

Anarquistas

Bandoleiros

Extremistas

Terroristas

Antissociais

Porque assaltamos os bancos da burguesia

para expropriar fundos

indispensáveis para o trabalho revolucionário

de nossa organização que cresce

sob todas as ameaças.

 

Nós respondemos do ponto de vista 

histórico

com a recordação dos muitos bancos 

que se assaltaram na Rússia

(e em outros países)

com as orientações e o beneplácito de 

                                                             Lenin 

 

E desde o ponto de vista teórico

respondemos com a pergunta 

de Bertold Brecht

“Que é o assalto de um Banco

comparado com a fundação de um Banco?”

Retrato (IV)

(A idade de Lenin na festa de seu centenário)

Quando morreu tinha

54 anos de idade física.

E (unanimamente aceito como computável)

1924 anos de idade (sabedoria) mental.

 

Hoje (ainda que o mausóleo não o demonstre)

tem 100 anos de idade física.

 

E 1970 da outra.

Elementos

A organização de vanguarda

nível de experiência e organização das massas

a análise do conjunto e dos detalhes

a conjuntura do auge

a audácia as armas a serenidade a tenacidade

a intransigência na estratégia

a flexibilidade na tática

a clareza nos princípios

a secretividade operativa

a indicação do momento preciso

os motores do amor e do ódio

métodos meios e preparação adequados

técnica ciência e arte

o reconhecimento de toda a experiência anterior

mais e mais audácia

ofensiva constante

a concentração e a direção principal

apagar os rastros e ao mesmo tempo

jogar todo o jogo com uma só carta

máxima segurança até aceitar

as últimas consequências 

alianças uniões apoios neutralizações

exposição global do confrontamento

marco mundial

nível moral de nossas forças

mais audácia

autocrítica constante

e mais audácia

Em uma biblioteca de Pequim, olhando símbolos caligráficos chineses, vejo poemas leninistas

I

Revolução

Movimento de cor vermelha

na velha casa do homem.

Revolução:

Fogo no inverno e no verão,

sempre correspondendo a hora-da-natureza

sempre exposta ao vento.

II

Miséria-do-povo exige: Revolução.

Revolução exige: dureza nobre do coração.

Revolução não teme a morte.

Teme-a-morte=Não Revolução

III

Revolucionário

Homem em concordância consigo mesmo

e com o movimento de cor vermelha

que estremece sua casa.

 

Há também um movimento em seu coração.

Há um pássaro vermelho em seu coração.

Seu coração é um pássaro vermelho que estende as asas.

IV

Burros; pérfidos:

Aqueles que querem soterrar a chama

E falam mal do vento.

 

Para eles a vida é a velha casa-em-silêncio.

 

Querem cortar as asas do pássaro vermelho.

Lenin e a Revolução em El Salvador

Há mais de cem anos de seu nascimento

e cinquenta anos de sua morte física

lutam por ocultá-lo, compatriota,

sua vida e a vida de seu pensamento.

 

Tem feito crer a ti que o mundo termina na fronteira

desta pequena pátria e que toda dor

que nos consome é a vida, a única possível,

e ocultam-te que pelo mundo cresce, lutando, a primavera.

 

Ocultam-te que os pobres, teus irmãos, avançam, que o 

que conquistaram

os ricos nunca mais vão recuperar;

que nas letras de Lenin há uma herança tua:

ela te ensinará à lutar como os que triunfaram.

 

Seremos socialistas porque somos patriotas;

não termina o mundo em nosso país pois estamos no

mundo

como salvadorenhos, sob a mesma bandeira de Lenin e

Farabundo Martí*

nos alcemos de nossa pequenez com os grilhões rompidos.

 

*Augustin Farabundo Martí Rodriguez (1893-1932): Um dos fundadores do Partido Comunista da América Central, delegado da Internacional Comunista e dirigente do Socorro Vermelho Internacional, liderou uma histórica rebelião camponesa em El Salvador no ano de 1932 que foi derrotada numa covarde emboscada conhecida com La Matanza quando Martí e cerca de 30 000 comunistas e camponeses foram mortos pelo exército reacionário.

O Estado e a Revolução – contra quem é este livro

Contra os especialistas em apodrecer situações revolucionárias

e atirá-las no cesto de maçãs para tratar de apodrecer as

demais

contra os que, inclusive quando abordam o cerne da 

questão

se esforçam por eludi-la

contra os zagueiros da burguesia

contra os filisteus os semi-filisteus e os polifilisteus

contra os célebres à la Herostrato*

que nasceram para acusar de blanquista a natureza e a

história

contra os que gostam tanto das citações e das frases

que terminam por defendê-las da revolução

contra os que a grande obra de Marx

foi prevenir a classe operária do revolucionarismo

excessivo

e dão um conteúdo esportivo à sua frase

“saltar sobre todo o maquinário do Estado”

contra os acólitos da bernstaniada de toda época de fogo

contra os radicais passivos

contra os porta-estandartes da espera

contra os que vão com suas armas e bagagens ao oportunismo

contra os que buscam suas armas e bagagens no

oportunismo

contra que não usam suas armas e bagagens contra o

oportunismo

 

*Aqueles que cometem grandes crimes pela fama-expressão proveniente do sacerdote Heróstrato que incendiou o Templo de Ártemis em Éfeso para que seu nome vivesse para sempre.

 

 

Lembre-se

(Tese)

Tu 

que pensas que aos homens

há que julgá-los pelo que fazem

e não pelo que dizem

pensa certo

porém

lembre-se

que há alguns homens que

o que fazem

é dizer o que fazer

 

Dialética da gênese, crise e renascimento

I

Graças à ti evitamos por o partido nos altares.

 

Por que nos ensinou que o partido

é um organismo que existe no mutável mundo do real

e que sua doença é semelhante à uma bancarrota.

 

Graças à ti sabemos, Lenin

que o melhor berço do partido

é o fogo.

II

Graças à ti sabemos que o partido pode aceitar 

                                                                        qualquer clandestinidade

menos a clandestinidade moral.

 

Graças à ti sabemos que o partido se constrói

a imagem e semelhança dos homens

e quando não é a imagem e semelhança dos melhores 

                                                                                     homens

é necessário voltar e recomeçar.

Os Policiais e os Guardas

Sempre viram o povo

como um amontoado de costas que corriam para lá

como um campo para deixar cair com ódio seus bastões.

 

Sempre viram o povo com o olho de afiada a pontaria

e entre o povo e o olho

a mira da pistola e do fuzil.

 

(Um dia também eles foram povo

mas com a desculpa da fome e do desemprego

aceitaram uma arma

um bastão e um soldo mensal

para defender os esfomeadores e os desempregadores)

 

Sempre viram o povo aguentando

suando

vociferando

levantando cartazes

levantando os punhos

e ainda mais lhes dizendo:

“Vira-latas filhos da puta seu dia vai chegar.”

(E cada dia que passava

eles acreditavam que haviam feito um grande negócio

ao trair o povo do qual nasceram:

“O povo é um monte de fracos e imbecis – pensavam-

ótimo termos passado para o lado dos hábeis e dos

                                                                                 fortes”).

 

E então era apertar o gatilho

e as balas iam do lado dos policiais e dos guardas

contra o lado do povo

assim iam sempre

de lá para cá

e o povo caia ensanguentado

semana após semana ano após ano

de ossos quebrados

chorava através dos olhos de mulheres e crianças

fugia espantado

deixava de ser povo para ser boiada em fuga

desaparecia na forma do cada um por si até em casa

e então nada mais

além dos bombeiros lavando o sangue das ruas.

 

(Os coronéis acabavam convencendo-os

“É desse jeito rapazes – diziam-lhes –

duro e na frente dos civis

fogo contra a multidão

vocês são também os pilares uniformizados da Nação

sacerdotes do baixo clero

no culto à bandeira ao escudo ao hino às autoridades

da democracia representativa do partido oficial e do mundo 

                                                                                              livre

cujos sacrifícios não há de esquecer a gente de bem desse país

ainda que por hoje não possamos aumentar o soldo

apesar desse ser nosso desejo”).

Sempre viram o povo

aleijado na sala de tortura

enforcado

espancado

fraturado

inchado

asfixiado

violado

com agulhadas nos olhos e ouvidos

eletrocutado

afogado em urina e merda

cuspido

degradado

soltando um pouco de fumaça de seus restos mortais

no inferno de cal viva

 

(Quando apareceu morto o décimo Guarda Nacional

                                                                                   Morto pelo povo

e o quinto policial foi enquadrado pela guerrilha urbana

os policiais e os Guarda Nacionais começaram a pensar

sobre tudo porque os coronéis já mudaram de tom

e hoje à cada fracasso a culpa repousa

nos “elementos da tropa tão moles que nós temos”).

 

O fato é que os policiais e os guardas

sempre viram o povo de lá para cá

e as balas só iam de lá para cá.

Que pensem sobre isso um pouco mais

que eles mesmos decidam se está tarde demais 

para procurar o lado do povo

e atirar de lá

ombro à ombro conosco.

 

Que pensem bem sobre isso

entretanto

que não se mostrem surpreendidos

muito menos se façam de ofendidos 

hoje que algumas balas

começam a chegar-lhes deste lado

onde segue estando o mesmo povo de sempre

só que agora vindo de cabeça erguida

e trazendo cada vez mais fuzis.

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