As novas gravações telefônicas remetidas pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal, divulgadas pela CNN Brasil no dia 8, implicam cada vez mais a súcia militar bolsonarista do Palácio do Planalto com as conspirações de golpe de Estado, e também a responsabilidade do Alto Comando das Forças Armadas nessa crise militar.
O tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid; o coronel Elcio Franco, ex-assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde; e o ex-major do Exército envolvido com milicianos do Rio de Janeiro, Ailton Barros, foram flagrados em conversas telefônicas operando a conspiração de extrema-direita, no período posterior à derrota de Bolsonaro em outubro.
A conspiração era clara: aproveitar-se da suspeição existente sobre o Tribunal Superior Eleitoral para prender determinadas autoridades e instaurar um regime de exceção, tendo à cabeça Jair Bolsonaro, respaldada em decreto que cancelaria as eleições.
Em uma das gravações, Ailton Barros é o mais explícito nas proposições: “Esse Alto Comando de merda que não quer fazer as p…, é preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes. Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens”, propõe ele. Esse é o mesmo que, segundo a polícia, tem vínculos com as “milícias” de Duque de Caxias e foi expulso do Exército, em 2006, por envolvimento em tramoias envolvendo roubo de armas de um quartel em São Cristóvão.
No dia 15 de dezembro, dois dias após algumas centenas de “galinhas verdes” bolsonaristas promoverem protestos em Brasília por ocasião da diplomação de Luiz Inácio, com tudo pago, Ailton, em conversa com Mauro Cid, diz: “Tem que continuar pressionando o Freire Gomes [então comandante do Exército] para que ele faça o que tem que fazer”. “Até amanhã à tarde, ele aderindo… bem, ele faça um pronunciamento, então, se posicionando dessa maneira, para defesa do povo brasileiro. E, se ele não aderir, quem tem que fazer esse pronunciamento é o Bolsonaro, para levantar a moral da tropa. Que você viu, né? Eu não preciso falar. Está abalada em todo o Brasil”. Ailton explica ainda que tudo (“todos os atos, todos os decretos da ordem de operações”) devem estar prontos e preparados até o dia 16 de dezembro.
O ex-major boquirroto diz ainda: “Nos decretos e nas portarias que tiverem que ser assinadas, tem que ser dada a missão ao comandante da brigada de operações especiais de Goiânia de prender o [juiz do STF] Alexandre de Moraes no domingo [18 de dezembro], na casa dele”. Ele também dá dicas operacionais para a tentativa de putsch: “É preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes”.
Em um dos áudios, o coronel Elcio Franco – que trabalhou, no governo, sob o comando do general-de-brigada Eduardo Pazuello – afirma: “Olha, eu entendo o seguinte. É [o capitão] Virgílio [comandante da brigada de operações especiais de Goiânia]. Essa enrolação vai continuar acontecendo. O [comandante do Exército] Freire [Gomes] não vai. Você não vai esperar dele que ele tome à frente nesse assunto, mas ele não pode impedir de receber a ordem. Ele vai dizer, morrer de pé junto, porque ele tá mostrando. Ele tá com medo das consequências, pô”.
Elcio Franco chega a desenvolver um álibi para convencer o ex-comandante do Exército a embarcar na ruptura institucional: “Medo das consequências é o quê? Ele ter insuflado? (…) Ah, deu tudo errado, o presidente foi preso e ele tá sendo chamado a responder (…) Depois que ele me deu a ordem por escrito, eu, comandante da Força, tive que cumprir. Essa é a defesa dele, entendeu?”.
O conjunto das gravações confirmam retumbantemente as denúncias desta tribuna. Em primeiro lugar, os generais do Alto Comando das Forças Armadas (direita militar) sempre souberam das conspirações bolsonaristas, de forçar uma ruptura institucional. Resistiram a entrar nela, mas não a denunciaram e nem prenderam seus agitadores. Isso é prevaricação. Por quê? Porque, entre a extrema-direita e a direita militar, não há divergências de princípios no que respeita a um golpe militar. Os primeiros querem de imediato; os segundos, temem que uma ruptura, agora, provoque o aprofundamento da crise e amplie a luta de massas de resistência, crendo ser necessário um cenário mais grave de crise para justificar sua intervenção. Isso, o AND denuncia desde 2018.
Em segundo lugar, é evidente a relação planificada existente entre as agitações de Bolsonaro pondo em xeque a legitimidade da farsa eleitoral e seus discursos pondo-se como “vítima do sistema”; as ações armadas de extrema-direita e os bloqueios de rodovias após a divulgação do resultado; a violência empregada nos protestos em 13 de dezembro e a invasão da sede dos três poderes etc. Tudo isso concorria para criar uma pressão tal que arrastasse o Alto Comando à conclusão de que a intervenção militar fosse necessária. Obviamente, essa disputa se assentava numa unidade fundamental entre a extrema-direita e os altos mandos da ativa nas Forças Armadas: em certas circunstâncias, um golpe militar se justifica.
E, diga-se de passagem, concorreu para essa agitação da extrema-direita as inúmeras atitudes de altos oficiais da ativa durante o pleito, em que “técnicos” do Exército – nomeados inclusive por Gomes Freire – puseram em dúvida o sistema de votação, alimentando a agitação da “intervenção federal já”. Assim como, objetivamente, também concorreram as centenas de acampamentos em frente aos quartéis, pedindo por intervenção militar, com o apoio logístico, material e político do Alto Comando do Exército reacionário.
Abundam por todos os lados as evidências e até provas da crise militar e do golpe de Estado posto em marcha. Há quem crê que essa é uma página virada da história recente do País; que os altos comandantes anticomunistas voltaram ao quartel. Mas não se deve esquecer que todo o Alto Comando é rigorosamente o mesmo; que os oficiais todos estão sob o mesmo treinamento e adestramento, no anticomunismo que, em última instância, leva ao fascismo. Não esquecer que o atual comandante, nomeado por Luiz Inácio e tido agora como democrata, fora o mesmo que participou entusiasticamente da redação do tuíte golpista e de intervenção prática na vida política, em 2018, que obrigou o Supremo Tribunal a tomar a decisão de indeferir o Habeas Corpus de um então candidato, sob chantagens de intervenção militar. É este o oficial-general, escolhido por Luiz Inácio, que é um democrata ilibado e que retirou a política dos quartéis? As Forças Armadas reacionárias mudaram do dia para a noite?