O jornal The Intercept Brasil apurou o “Relatório de Avaliação de Impacto de Patrimônio Imaterial”, que foi encomendado pelo Governo do Estado como “parte do processo de licenciamento do Sistema Rodoviário Ponte Salvador-Ilha Itaparica”, e denunciaram a seguinte informação. “Um estudo divulgado durante a documentação do projeto mapeou que há 116 terreiros na Ilha de Itaparica sob ameaça e listou 45 impactos negativos que estão afetando ou podem afetar as comunidades tradicionais de matriz africana, como remoções, violação de lugares sagrados, demolições e degradação ambiental, sem contar racismo e intolerância religiosa.”
A matéria e o relatório também abordam as minúcias da ponte, como sua extensão de quilômetros, além dos planos de construções de rodovias e a criação do novo sistema viário com quatro viadutos e dois túneis. A informação, porém, que mais se destaca é a parceria público-privada (PPP), através do consórcio Ponte Salvador-Itaparica, com um acordo entre o governo baiano, China Railway 20th Bureau Group Corporation e China Communications Construction Company. A última participou diretamente da incursão social-imperialista e monopolista chinesa no Cajueiro, zona rural de São Luís, Maranhão, com o fim de expulsar camponeses e construir um porto no local.
Dois dos terreiros são tombados como patrimônios, o Ilê Tuntun Olukotun e o Omo Ilê Agbôula, onde esses locais de culto e de enorme importância histórica, sequer tiveram consulta prévia, mesmo com essa sendo recomendada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Ministério Público da Bahia, além de inúmeras denúncias dos indígenas, pescadores e quilombolas da região, que são os mais perseguidos, seja por sua religião ou por sua terra, mas foram completamente ignorados e foram vítimas de especulação imobiliária desde 2019 com o leilão de licitação chinês. Um sacerdote do candomblé foi ameaçado a pagar de R$ 3 a 5 mil reais por um telefonema de um anônimo ou “sumiriam” com os moradores da sua comunidade.
Ainda de acordo com o relatório, “a Casa de Exu Lalu, assentamento de entidade cultuada por membros do terreiro Omo Ilê Agbôula, foi destruída em 2022 por um homem que se dizia ser o novo dono daquelas terras.” Diante disso, os membros do terreiro fizeram um protesto, onde Balbino Daniel de Paula (O Alapini, Sacerdote Supremo do culto aos Egunguns), se pronunciou diante de agentes do poder público municipal e estadual. “Por que foi mexido por esses donos, que estão aí se dizendo donos agora? Por que nunca vieram antes? Por causa da especulação imobiliária? Por causa da ponte? Olha aí o transtorno que essa ponte está começando a fazer com a gente. Ninguém nunca reivindicou essa área, e por que agora um ato criminoso desse?”
Como evidente, a perseguição religiosa, o conflito por terras e a conivência do estado (além da conivência dos imperialistas) com o latifúndio, com os pistoleiros e os especuladores é evidente. Deve ser lembrado que, em agosto de 2023, a liderança quilombola e ialorixá Mãe Bernadete Pacífico foi assassinada com 25 tiros dentro de sua própria casa por capangas à mando do latifúndio e pelo Movimento Invasão Zero. Esse movimento atua de forma semelhante, se não igual, aos que intimidam e tomam terras dos quilombolas em Itaparica.
As semelhanças tornam-se mais agravantes quando o Quilombo do Tereré, em Vera Cruz, foi invadido por pistoleiros que cercaram o terreno, mas os quilombolas resistiram e os invasores desistiram de tomar a área, mas ainda mantiveram o cerco. Um dos quilombolas, Moisés dos Palmares, ressalta: “E olha que ainda não foi posto nenhum bloco da ponte.” Porém, como muitos povos originários, acadêmicos e organizações vêm denunciando, a megaobra irá rasgar até parques ancestrais, com graves violações ambientais. O consórcio chinês e o governo estadual, entretanto, afirmam que “se reuniram com as lideranças locais” para tal ação, o que foi questionado pelo Iphan.
As justificativas para a construção, que “facilitariam o fluxo de mercadorias e integrariam a região metropolitana ao sul da Bahia”, ignoram, porém, o enorme custo da ponte, de R$ 9 bilhões, que, será pago através de inúmeros consórcios e conchavos. Vários especialistas ambientais já apontaram também os enormes problemas na fiscalização da obra, as irregularidades na titularidade das licenças, que foram transferidas para os consórcios sem passar pelos procedimentos necessários e também abrem-se enormes dúvidas sobre a bolha financeira de empréstimos adquiridos pelo governo para realizar a obra.
Social-imperialismo chinês e abusos trabalhistas
A expansão do social-imperialismo e do monopólio chinês na Bahia não é nova e só vem crescendo, com o governo atuando como seus serviçais. A recente expansão das fábricas da BYD, onde operários sofriam máximas agressões, além do assédio que sofreram trabalhadores camaçarienses da Sinoma Wind Power em março desse ano, junto a outras enormes violações, como a da empresa Discobras em 2014. Os acordos lesa-pátria realizados somente beneficiam a China, que, como potência, se expande no Brasil, e especialmente na Bahia, destruindo o meio natural e saqueando os recursos, obtendo superlucros e “facilitando” obras para a casta reacionária de burocratas a troco do sofrimento da maioria da população.
Apenas na ponte Salvador-Itaparica, o monopólio chinês conseguiu uma concessão de 35 anos e consegue alterar como quiser os procedimentos, a legislação vigente e atuar completamente fora da prática, sem qualquer consequência, como pontuou Severino Agra Filho, professor titular do Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal da Bahia.
A morte do profissional de 54 anos, Williams da Silva Teixeira, nesta segunda-feira (16), mergulhador há 40 anos, que ocorreu enquanto este trocava o material de uma boia de sinalização nas obras da ponte Salvador-Itaparica, foi algo que o consórcio tentou ocultar. De acordo com a filha de Williams, quando esta perguntou quem o contratou, “desviavam a pergunta, para evitar que descobrissem o culpado.” A gestão se pronunciou apenas um dia após a morte de Williams, porém, também escondeu diversos fatos, como a enorme correnteza que ocorria no dia, além que a empresa o pressionou para realizar o serviço, mesmo sem o equipamento necessário (no caso, o oxigênio de compressão) para o mergulho, de acordo com uma fonte em reportagem do CORREIO.