Quando ela nasceu, ele já havia morrido há muito. Ficaram as ruinas de seu casebre e uma vista de trezentos e sessenta graus do topo da Pedra. A montanha acolhera os sonhos da menina, mas ele não estava mais em seu campo de girassóis.
Mas vamos começar do começo. Quando ela perdeu seu primeiro dente de leite, sua mãe, atarefada, o jogou fora. A menina correu para a loja do avô, em prantos. A fada do leite não iria trazer outro se ela não o tivesse jogado no telhado. No colo do avô contou seu infortúnio e o avô, paciente, a consolou. A menina informou que não mais iria morar na casa dos pais e queria viver sozinha. Foi quando ele lhe contou a história de Barnaí, um primo distante.
Barnaí era um camponês, adolescente. Sua família tomava conta de umas terras, plantava para o sustento da casa do patrão e de si própria, e cuidava de um bananal. No alto das montanhas de Minas ninguém pensava, ou ousava pensar, naquela época, nem em reforma agrária, muito menos em revolução agrária. Cumpriam o que lhes ditava o costume. Vida dura, muito trabalho. Não questionavam a exploração. Todos os membros da família se levantavam muito cedo e iam para a lida. Só paravam quando as mulheres chegavam com a marmita embrulhada em pano de prato com um nó em cima. Assim era e assim seria.
Foi em seu mister que Barnaí conhecera Maria. Bonita que só, de tranças, saia rodada e riso alvoroçado. Ele começou a sentir borboletas no estômago quando ela se aproximou e lhe perguntou quem era. Trocaram conversa e desconversa. Fizeram amizade.
Na festa junina dançaram e dançaram. Ele juntou coragem e perguntou se ela queria namorar com ele. O riso dela virou uma cascata. “Não posso, estou prometida para o filho do patrão. O que estuda fora. Vamos morar em cidade grande e ter uma casa de alvenaria”.
No dia seguinte, Barnaí juntou seus parcos pertences, subiu para o alto mais alto da montanha e lá viveu, eremita, até seus quase cem anos.
Fosse agora, Barnaí teria se unido aos camponeses em luta, aos que pretendem acabar com a farra latifundista em nosso país. Contra os que jogam na miséria aqueles que colocam alimento em nossas mesas; aqueles que trabalham a terra exaustivamente para merecer um pouco dela quando morrem.
Muitos acham que Barnaí era um poeta, com sua longa barba branca, seus olhos azuis estreitos e a plantação de girassóis. E seu jeito de tocar a vida. Talvez. Mas era, definitivamente, um poema.