Boicote eleitoral atinge recorde histórico nas eleições gerais da Itália e da França

Boicote eleitoral atinge recorde histórico nas eleições gerais da Itália e da França

Boicote eleitoral atinge recordes históricos na França e Itália. Foto: Bob Edme/AP

As massas populares italianas e francesas protagonizaram o maior boicote à farsa eleitoral da história de ambos os países europeus. Durante as eleições gerais italianas, realizadas em setembro, os índices de abstenção e votos nulos ou brancos atingiram recordes históricos com 18,64 milhões, representando 40,57% do eleitorado total/população. Já nas eleições gerais francesas, os números foram de 26,2 milhões de pessoas, correspondente a 53,3% do eleitorado.

O histórico boicote eleitoral nos dois países é um aspecto da crise geral de decomposição do imperialismo, onde as massas trabalhadoras da Itália e da França (assim como de todo o mundo) rechaçam toda podridão do sistema imperialista mundial de opressão e exploração das massas de trabalhadores. Meses antes, a França já havia sido palco de um grande boicote eleitoral à eleição presidencial. Em ambos os países, o Estado imperialista passa por uma grave crise econômica e política. Na Itália, as eleições ocorreram de maneira antecipada, após a renúncia do primeiro-ministro Mario Draghi e a dissolução do parlamento pelo presidente Sergio Mattarella. 

A farsa eleitoral na Itália 

As eleições gerais na Itália ocorreram no dia 25 de setembro, após quatro anos de crise política irrompida a partir do parlamento que, ao que tudo indica, deve continuar. O resultado eleitoral anunciou uma “vitória” majoritária do partido de extrema-direita Irmãos da Itália (FdI, sigla em italiano), que acumulou 26% dos votos válidos (7,3 milhões de pessoas, o que representa 15,8% da população elegível a votar) e foi o partido mais votado da coalizão com outros partidos da direita e “centro-direita”. O Partido Democrático, da coalizão que reunia partidos de “centro” e da falsa “esquerda” foi o segundo com mais votos válidos, angariando 19% (5,3 milhões de pessoas, o que corresponde a 11,6% da população elegível para votar). As abstenções, por outro lado, atingiram a taxa de 16,6 milhões de pessoas, isto é, 36,1% dos indivíduos aptos a votarem. Ao somarem-se os nulos e brancos, que totalizaram 2,04 milhões de pessoas (4,45% dos votos), a quantidade de pessoas que optaram por boicotar a farsa eleitoral italiana é de 18,64 milhões, o que representa 40,57% da população apta a votar. O boicote foi o verdadeiro vencedor da disputa, com 11,34 milhões (24,77%) de apoiadores a mais  que o FdI. 

O resultado da farsa eleitoral na Itália expressa o nível da crise do parlamentarismo italiano, que desde 2018 sofre graves problemas de instabilidade. Naquele ano, a eleição resultou em um parlamento sem uma maioria governamental, chamado de “parlamento suspenso” por analistas burgueses. Depois de negociações entre os partidos, ficou estabelecido um governo liderado por Giuseppe Conte, eleito primeiro-ministro. Contudo, o parlamento não possuía uma base de unidade e as pugnas entre os diferentes partidos da ordem imperialista italiana culminaram em um voto de desconfiança contra Conte, movido pelo então vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, do partido reacionário Liga Norte. O presidente reacionário do país, Sergio Mattarella, buscou realizar uma consulta entre os partidos para eleger um novo primeiro-ministro, mas falhou. Em um segundo turno de consulta, Conte retornou ao posto, formando um novo gabinete em 4 de setembro de 2019. 

A segunda chance de Conte terminou como nova tragédia em janeiro de 2021, quando o partido Italia Viva retirou o apoio ao primeiro-ministro. A crise parlamentar a que se sucedeu levou à substituição de Conte por Mario Draghi em 13 de fevereiro de 2021. Draghi, por sua vez, passou por um caminho similar à Conte. Em meio à uma crise institucional no parlamento italiano, agravada após o partido Movimento 5 Estrelas retirar o apoio ao governo no dia 14/07, Draghi pediu em 20/07 um voto de confiança, a fim de “restabelecer” a unidade no governo. Apesar de sair vitorioso, a base governamental ficou fragmentada, com três partidos (Movimento 5 Estrelas, Liga e Força Itália) tendo boicotado o voto. No dia seguinte, Draghi pediu sua renúncia do posto e entregou o cargo ao presidente do país, que dissolveu o parlamento e convocou as eleições que ocorreram em setembro.

Recorde histórico do boicote eleitoral na França

Na França, a farsa eleitoral sofreu um fracasso ainda maior que a italiana. O processo, ocorrido em dois turnos, nos dias 12 e 19 de junho, deu como resultado um “parlamento suspenso”, sendo a primeira vez que tal fato ocorre desde 1988. O partido que mais recebeu votos foi o Ensemble, com 25,75% dos votos válidos (5,8 milhões de pessoas, o que corresponde a 11,96% dos indivíduos aptos a votarem), seguido da coalizão de partidos do centro e da falsa esquerda, Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes), com 25,66% dos votos (também em torno de 5,8 milhões de pessoas, totalizando 11,92% das pessoas aptas a votarem). 

25,6 milhões de pessoas se abstiveram e 511 mil votaram nulo ou branco, totalizando 26,2 milhões de pessoas que boicotaram a farsa eleitoral. O expressivo número de pessoas que se abstiveram e votaram nulo ou branco supera por quase 3 milhões a quantidade de votos válidos.

Se sucedeu à farsa eleitoral o prenúncio de uma crise política que se agrava cada vez mais: devido à falta de um governo majoritário, a coalizão Nupes pediu por um voto de não-confiança no governo, mas foi reprovado. Após a reprovação, as negociações entre os partidos da velha ordem resultaram na escolha da reacionária Élisabeth Borne como primeira-ministra. 

Agora, três meses após as eleições e em meio às discussões sobre o orçamento para o ano de 2023, o conselho de ministros da França aprovou a utilização, “em caso de necessidade”, do artigo 49.3 da legislação francesa. A função desse artigo é permitir que, após reuniões com o Conselho de Ministros, projetos de leis relativos à questões sociais ou financeiras sejam aprovados de maneira unilateral pelo primeiro-ministro, sem necessidade de aprovação do parlamento.

A falência histórica do imperialismo e a tendência à reacionarização 

As eleições gerais na Itália e na França ocorreram em um momento de piora constante da vida das massas nos países, resultado da crise de superprodução do imperialismo agravada pela guerra de invasão russa à Ucrânia. 

Na Itália, após uma alta de 450% nos preços de energia em 2021, em torno de 120 mil empresas, em sua maioria pequenas e médias, correm o risco de fechar devido às altas nos preços do gás e energia. Com isso, 370 mil empregos serão perdidos, agravando ainda mais a crise no país.

Na primeira semana de outubro, o governo reacionário de Mattarella estendeu uma ordem para que os prédios do país funcionassem sem aquecimento central e as casas reduzissem seus aquecedores em um grau e por uma hora a menos de uso. 

Em meio a esse contexto, cada vez menos as massas veem na farsa eleitoral e na democracia burguesa a solução para seus problemas. Em 2020, uma pesquisa da Universidade de Cambridge mostrou que, a nível global, a insatisfação com a democracia subiu de 47,9%, em 1995, para 57,5% em 2020. 

A falência da democracia italiana combinou com a vitória da extrema-direita na farsa eleitoral deste ano, fato que, diferente do que os monopólios de imprensa pregam, pouco representa sobre a consciência média das massas do país. A vitória da extrema-direitaé fator sintomático da própria crise do parlamentarismo, expressão da crise do imperialismo e do consequente processo de reacionarização do Estado burguês. 

Como analisou o jornal Internacional Comunista, “Meloni e os Irmãos da Itália são acusados por alguns de serem fascistas. Se isso é ou não uma caracterização acurada, só pode verificar-se por meio de uma uma avaliação geral das posições, propostas e programas dos Irmãos da Itália. Nós vemos, contudo, claramente a tendência para reacionarização; para a corporativização e a consequente negação do parlamentarismo – tão característico do estágio avançado de decomposição do imperialismo. Isso abre uma perspectiva em direção ao fascismo”. O jornal continua: “Com essa crise no parlamentarismo, o Estado torna-se fraco em suas bases, e precisa depender mais e mais em suas forças armadas e repressivas, e portanto se torna claro para o povo que as forças armadas são a coluna vertebral do Estado, e que todo Estado se sustenta, se defende e se desenvolve por meio do uso da violência”. 

Dessa forma, o expressivo da consciência das massas não é a “vitória” miserável de um partido de extrema-direita nas urnas da farsa eleitoral, mas sim o rechaço avassalador, por parte das massas populares, da democracia burguesa, do Estado imperialista e de todas as suas instituições e seus representantes. 

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