Um senador, vereadores e deputados estaduais e federais apresentaram, em conjunto, um projeto de lei para censurar artistas do RAP e do funk nacionais. A justificativa do projeto, que ignora a ligação de cantores de outros gêneros com o tráfico de drogas ou mesmo trabalho escravo, é proibir a apresentação de artistas que façam “apologia ao consumo de drogas e ao crime organizado”.
A medida mira principalmente o rapper carioca Oruam, filho do líder do Comando Vermelho Marcinho VP. Outros funkeiros, como MC Poze, também estão na mira dos reacionários.
Os vereadores por trás da medida são, em maioria, bolsonaristas do PL e do União Brasil. Os projetos já tramitam em ao menos 12 capitais: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campo Grande, Fortaleza, Curitiba, Vitória, João Pessoa, Porto Alegre, Cuiabá, Porto Velho e Natal, segundo apuração do monopólio de imprensa Uol.
O conteúdo verdadeiro da medida é censurar previamente artistas do funk e do RAP, sobretudo aqueles que denunciam temas como a violência policial e a guerra reacionária imposta pelo Estado brasileiro contra o povo pobre.
Dias antes da movimentação reacionária, o MC Poze foi no Complexo do Alemão se solidarizar com famílias vítimas da violência policial. Ele denunciou, nas redes sociais, a brutalidade da Polícia Militar (PM) na invasão à favela.
O uso da justificativa falsa de “apologia ao crime” para censurar cantores que denunciam a violência policial é antigo. No início dos anos 2000, a mesma ofensiva foi feita contra o grupo Facção Central.
Os MCs do grupo escreveram, em resposta, a música “A Guerra Não Vai Acabar”. Nela, eles denunciam que a guerra contra o povo pobre é o verdadeiro motivo da violência, e não as músicas que tratam do tema.
“Censurou o clipe, mas a guerra não acabou
Ainda tem defunto a cada 13 minutos
Da cidade entre as 15 mais violentas do mundo
A classe rica ainda dita a moda do inferno
Colete à prova de bala embaixo do terno
No ranking do sequestro, o quarto do planeta
51 Por ano com capuz e sem orelha
Continua a apologia na panela do barraco
Ao empresário na Cherokee desfigurado
180 Mil presos, menor decapitado
Cabeça arremessada no peito do soldado
O sistema carcerário ainda é curso pra latrocínio”, diz um trecho da música, que tem o refrão:
“Pode censurar, me prender, me matar
Não é assim, promotor, que a guerra vai acabar”.
O projeto ignora que, em outros gêneros, a prática de tráfico de drogas e mesmo de outros crimes, como o trabalho escravo, é presente e generalizada. Um exemplo é o sertanejo, gênero que tem origem no campesinato pobre mas foi adonado, nos últimos anos, por latifundiários e pelo monopólio de comunicação e música.
No ano passado, o cantor sertanejo Leonardo foi incluído na “lista suja” do trabalho escravo por conta de uma fiscalização realizada nos latifúndios Talismã e Lakanka, do cantor, em Jussara, interior do Goiás. Em 2023, um avião com 420 quilos de pasta-base de cocaína aterrisou em um latifúndio do cantor no mesmo município. Os traficantes fugiram sem que fossem interceptados pela PM.
Também em 2023, o irmão do cantor sertanejo Diego, da dupla Diego & Victor Hugo, foi preso por envolvimento com o tráfico de drogas e com o grupo Primeiro Comando da Capital (PCC).