Governo e universidades brasileiros mantém relações com universidades israelenses ligadas ao sionismo e Exército de Israel

Somente o governo e duas universidades tem 15 acordos ativos. Acordos e convênios são mantidos com universidades israelenses com vínculos históricos com sionismo e Exército sionista.
Relação da USP com Israel
"Israel Corner" na Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Relação da USP com Israel

Governo e universidades brasileiros mantém relações com universidades israelenses ligadas ao sionismo e Exército de Israel

Somente o governo e duas universidades tem 15 acordos ativos. Acordos e convênios são mantidos com universidades israelenses com vínculos históricos com sionismo e Exército sionista.

O governo federal brasileiro, a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) possuem 15 convênios e acordos científicos com universidades israelenses, revelou uma apuração de AND e um levantamento feito Ministério das Relações Exteriores e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) do Brasil a pedido do mesmo jornal. O levantamento revelou que o Brasil mantém 7 acordos científicos com Israel, enquanto a apuração feita diretamente pelo AND no departamento internacional online das duas universidades mostrou que a USP possui 7 convênios e acordos com universidades israelenses, enquanto a UFMG possui três. 

Algumas das universidades conveniadas possuem laços históricos e profundos com o Exército de Israel e o movimento sionista. Os acordos foram mantidos em vigência apesar do genocídio realizado por Israel contra o povo palestino desde o dia 7 de outubro, responsável pelo assassinato de mais de 34 mil palestinos.

A manutenção dos laços ignora, além dos números do genocídio, o chamado de intelectuais palestinos que denunciam o efeito da guerra sobre escolas e universidades, afirmam que as universidades israelenses são responsáveis pela matança e que elas deveriam ser isoladas internacionalmente. 

A reportagem solicitou o posicionamento dos reitores das universidades e da ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos (PCdoB) sobre a vigência, mas não obteve respostas, apesar do envio de relatórios dos acordos pelo MCTI e USP. 

Os acordos 

Dos acordos mantidos diretamente pelo governo federal, cinco são de “Cooperação Científica e Tecnológica”, um de “Cooperação Técnica” e um de “Energia Nuclear”. Os primeiros desses contratos podem ser rastreados até a década de 1960, quando o “Acordo Básico de Cooperação Técnica entre o Governo dos Estados Unidos do Brasil e o Governo de Israel” foi firmado em 1962.

Os termos do acordo, ainda em vigência, prevêem desde o intercâmbio de técnicos e cientistas até a organização de seminários e programas de treinamento, “o estudo conjunto de projetos experimentais, de qualquer natureza, e sua realização conjunta ou com a eventual participação de terceiro país ou entidade internacional, nos têrmos e condições que forem ajustados” e “quaisquer outras atividades de cooperação técnica e científica a serem acordadas entre os dois Governos”. 

Três novos acordos foram firmados em 1963, 1966 e 1973. Daí, houve um hiato até que outros documentos foram assinados em 2007 e 2009. Um outro acordo, celebrado em 2019, está em fase de promulgação no Ministério das Relações Exteriores. Ele acorda, em termos bem amplos, o objetivo de “desenvolver, facilitar e maximizar a cooperação entre instituições científicas e tecnológicas de ambos os países com base nas prioridades nacionais no campo de C&T e nos princípios de igualdade, reciprocidade e benefício mútuo, e de acordo com as leis nacionais”.

A colaboração pode ir desde a pesquisa científica e tecnológica básica e aplicada até a troca de recursos científicos, com implementação de iniciativas como projetos, oficinas e treinamentos conjuntos. Dentre os termos está também a maior facilidade para entrada de pessoas, materiais, dados e equipamentos usados nesses projetos conjuntos.

No âmbito das universidades, a Universidade de São Paulo, tida como uma das maiores universidades do País, possui dois acordos de cooperação e quatro convênios acadêmicos vigentes com universidades e institutos israelenses. São eles a Hebrew University of Jerusalem (HUJI), a Ariel University, a University of Haifa, a Jerusalem School of Business Administration (ligada à HUJI) e o Consulado Geral de Israel em SP. Já a Universidade Federal de Minas Gerais possui dois acordos de cooperação e um convênio de intercâmbio com as Hebrew University of Jerusalem e a United Hatzalah of Israel

Essas relações não esgotam o número de universidades brasileiras conveniadas ou relacionadas com instituições israelenses. A Universidade Federal do Ceará (UFC), por exemplo, possui um acordo vigente com a Universidade Ben-Gurion de Negev.

Universidade fundada por sionistas

Algumas dessas universidades israelenses possuem vínculos históricos e profundos com o sionismo. A principal é a Hebrew University, ou Universidade Hebraica. O campus de Jerusalém, com a qual a USP e a UFMG mantêm relações, é somente uma das unidades da HUJI. 

A primeira foi fundada no Monte Scopus, em 1918, e foi um polo ativo para os primeiros sionistas que foram da Europa para o Oriente Médio. Uma reportagem do jornalista e professor de Estudos Internacionais de Desenvolvimento da Universidade de Roskilde, Somdeep Sen, publicada no jornal monopolista árabe Al Jazeera, traça um histórico da universidade.

“Durante as fases de planejamento, ele foi chamado de Terceiro Templo, significando o restabelecimento da conexão rompida entre o povo judeu e o que eles percebem como sua terra natal divinamente ordenada”, diz ele, no artigo.

Um dos fundadores da universidade, Patrick Geddes, era conhecido pelas suas posições antiárabe. “Qualquer olho ocidental pode ver que os árabes são sujos, desarrumados e, em muitos aspectos, degenerados”, disse ele, em uma carta, citada por Somdeep na reportagem. Até hoje, o campus da Universidade é decorado com mensagens sionistas. 

Relações com o Exército israelense

Mas a relação da universidade com o sionismo não se limita somente às mensagens ou às convicções de seus fundadores. Hoje, a instituição ainda mantém laços vivos com o sionismo. Além de estar cercada por um checkpoint que divide a universidade da vila palestina de Issawiya, e que impede ou dificulta os estudantes palestinos de comparecerem às aulas, a HUJI trabalha em proximidade com o Exército israelense no desenvolvimento de tecnologias militares. 

“Foram os professores da HUJI que também propuseram e elaboraram o programa de elite Talpiot após a guerra de outubro de 1973, a fim de desenvolver a vantagem tecnológica das forças armadas israelenses. O programa altamente secreto está hospedado na HUJI desde 1979”, explica Somdeep Sen. 

A HUJI também é, desde 2019, sede para o programa Havatzalot, um treinamento de elite das Forças de Defesa de Israel direcionado a treinar oficiais de inteligência. O programa é composto por uma graduação de duplo-diploma de três anos na Universidade Hebraica de Jerusalém, exatamente a mesma com a qual a USP e a UFMG têm relações. Depois de formados, os oficiais vão trabalhar a Inteligência Militar de Israel, a Aman, criada em 1950 por paramilitares da milícia sionista Haganah. Antes de 2019, quem sediava o programa era a Universidade de Haifa, também conveniada com a USP. 

Além desse evento, a HUJI também sediou no campus de Jerusalém um evento de recrutamento para a Associação de Segurança de Israel, a famosa polícia secreta sionista conhecida como Shin Bet, envolvida em casos de tortura e execuções ao nível de ter sido condenada pela ONU. A informação foi denunciada pelo movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS). 

E se a Universidade de Haifa deixou de sediar o curso Havatzalot, não significa que a instituição está livre dos laços com as forças militares israelenses. Em 2018, a Universidade de Haifa ganhou um concurso para organizar cursos superiores aos militares sionistas da Escola de Defesa Nacional, Escola de Comando e Estado-Maior e Escola de Comando Tático. A ideia da instituição era encontrar uma forma de permitir que os militares conseguissem cursar uma graduação ao mesmo tempo que exercessem o serviço militar.  

“Graças ao programa da Universidade de Haifa, [os militares israelenses] seriam capazes de prender palestinos sem julgamento, ordenar bombardeios de bairros civis e estabelecer critérios arbitrários para os postos de controle, mas ainda encontrar tempo para ouvir lições e fazer testes”, denuncia o BDS.

Esse ano, a Universidade de Haifa suspendeu, no dia 1° de janeiro, oito alunos sob a acusação de que eles teriam apoiado o partido político patriótico da Palestina, o Hamas, em publicações nas redes sociais. 

Para completar o currículo dessas relações, as universidades israelenses também dão amplo apoio político às Forças Armadas de Israel e às operações militares em território palestino. A HUJI deu à invasão de 2014 em Gaza, responsável pelo assassinato de 2,3 mil palestinos e pelo ferimento de 10,6 mil. O apoio ocorreu de forma política, por uma carta, e por vias financeiras, através de uma arrecadação coletiva.

Boicote ao boicote

Não à toa, essas universidades são um alvo constante de movimentos como o BDS, e nutrem um desgosto profundo pelos ativistas e intelectuais progressistas que exigem o desinvestimento das universidades israelenses, explica Somdeep. 

Tanto a HUJI quanto a Universidade de Haifa promovem ou sediam, junto de várias outras instituições acadêmicas em Israel, um movimento de boicote ao boicote. Em 2015, a HUJI sediou uma conferência do Instituto Truman intitulada “BDS: Por que eles estão boicotando Israel?”. 

Um ano depois, a Divisão para Desenvolvimento Externo e de Recursos da Universidade de Haifa anunciou que seus membros estavam buscando desenvolver formas de contornar o movimento de boicote.

Rompimento de relações

Mesmo assim, o rompimento de relações com as instituições acadêmicas, ou a exigência por ele, tem crescido. Atualmente, existem protestos e ocupações em campus de universidades de países como o Estados Unidos, Argentina, Austrália, Japão, Iêmen, Índia, Kuwait, Líbano, Egito, Reino Unido, Alemanha, França, Espanha e Itália. 

A pauta central das mobilizações é o rompimento de relações com as universidades israelenses, acompanhado do desinvestimento dessas instituições. Recorrentemente, os estudantes também exigem o fim da agressão à Gaza e demonstram um apoio sólido à luta armada do povo palestino. No Estados Unidos, estudantes gritaram em mais de uma universidade cantos e consignas de apoio às Brigadas Al-Qassam, a organização militar do Hamas. 

Em fevereiro, cinco universidades norueguesas cortaram laços com Israel. A OsloMet e a Universidade do Sudeste da Noruega cortaram laços com a Universidade de Haifa. A Universidade de Bergen e a Escola de Arquitetura de Bergen encerraram acordos de cooperação com a Academia de Artes de Design de Bezalel, elencando como justificativa o trabalho da universidade israelense com as forças militares de Israel. A Universidade de Nord suspendeu acordos com várias universidades israelenses e jurou não realizar novas colaborações. 

Isso ocorreu no cenário em que a União de Estudantes Noruegueses e o Senado Estudantil da Universidade de Oslo exigiam o rompimento das relações com as instituições científicas israelenses. 

Palestinos: ‘Consideramos universidades israelenses responsáveis’, e ‘devem enfrentar isolamento’

Universidade de Al-Israa foi destruída com 315 explosivos, janeiro de 2024. Foto: Reprodução

Essa mobilização internacional ecoa justamente as exigências do povo palestino. Em novembro do ano passado, 15 grandes universidades palestinas se uniram em coro para apelar às massas populares de todo o mundo para que isolassem as universidades israelenses. Em uma carta que tratava dos bombardeios israelenses desde o dia 7 de outubro, elas listaram os crimes específicos contra as universidades e a intelectualidade.

“A Universidade Islâmica de Gaza foi atacada por ataques aéreos israelenses junto com a Universidade Al-Azhar e outras universidades”, disseram eles, antes de adicionar que “o efeito cumulativo do bombardeio resultou na morte maciça e contínua de pessoas, muitas das quais são estudantes, professores e funcionários. Também causou deslocamento e destruição, colocando em risco até mesmo a possibilidade de acesso à educação para gerações de crianças e estudantes de Gaza em um futuro indefinido”. 

E, deixando claro que a ciência e as instituições científicas não estão deslocadas da sociedade, da economia, e da política de um país ou Estado, como uma área “pura” de geração de conhecimento, carimbam: “também consideramos as universidades israelenses responsáveis, pois elas têm sido indispensáveis para o regime de opressão colonial e apartheid dos colonos, cúmplices de graves violações dos direitos humanos, incluindo o desenvolvimento de armamentos, doutrinas militares e justificativas legais para o ataque indiscriminado e em massa aos palestinos”. Por isso, apelam: “Instamos a comunidade acadêmica internacional a cumprir seu dever intelectual e acadêmico de buscar a verdade e responsabilizar os autores de genocídio. As universidades israelenses, cúmplices de violações dos direitos humanos, devem enfrentar o isolamento internacional”. 

E o Brasil? 

A onda de protestos em campus e de ocupações pró-Palestina que atravessa o mundo ainda não atingiu o Brasil. Contudo, isso não significa que o povo ou estudantes brasileiros estejam alheios à mobilização pró-Palestina internacional. 

No final do ano passado, foram vários os protestos nas grandes cidades e regiões do interior que condenaram a agressão sionista, expressaram apoio à Resistência Nacional Palestina e exigiram o rompimento de laços diplomáticos, econômicos e militares do Estado brasileiro com Israel. 

Especificamente nas universidades, estudantes da UFMG um importante ato-político sobre a Palestina, seguido de um embandeiramento que tomou a Faculdade de Educação da instituição

Bandeiras palestinas erguidas na Faculdade de Educação da UFMG. Foto: Banco de Dados AND

Antes do lançamento da Operação Dilúvio de Al-Aqsa, essas mobilizações também ocorriam. Em abril de 2023, uma Feira de Universidades Israelenses na Unicamp acabou cancelada depois de um protesto pró-Palestina. Em agosto do mesmo ano, estudantes da Universidade Federal de Manaus expulsaram o ex-soldado israelense André Lajst do campus. Lajst estava na universidade para realizar uma palestra a convite do think-tank Instituto Ajuricaba. 

O que está em aberto é se os estudantes e professores brasileiros vão se somar à nova onda internacional de ocupações e protestos antissionistas e pró-Palestina, e exigir aqui no Brasil o fim da cumplicidade com o genocídio palestino, a começar pelo rompimento total de relações das universidades brasileiras com as universidades israelenses.

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