Café: Uma nova luta contra o ‘trauma da ilha’ (Parte 1)

Estratagema capitalista extirpou cafezais de pequenos agricultores em Florianópolis, a ilha-capital de SC, na época do regime fascista militar-civil iniciado com o golpe de 1964.

Café: Uma nova luta contra o ‘trauma da ilha’ (Parte 1)

Estratagema capitalista extirpou cafezais de pequenos agricultores em Florianópolis, a ilha-capital de SC, na época do regime fascista militar-civil iniciado com o golpe de 1964.

Na década de 1970, quando cheguei (eu Rosana) para morar em Florianópolis, lembro que o assunto era constante no mercadinho, no ônibus, em todo lugar: “Eles arrancaram nosso café na marra, não queriam nem saber de conversa; muitos tiveram indenização mas até hoje tem gente aqui revoltada com eles.”

Os fatos, entendidos quase como traumáticos pela população humilde de agricultores-pescadores locais, tinham ocorrido até 1967/68, portanto estavam ainda vivos na memória dos apelidados manezinhos da Ilha.   

“Eles”, no caso (os que arrancaram os cafeeiros) era a ditadura militar-civil, que ordenou acabar com as lavouras no país todo, inclusive aquelas cultivadas em meio à sombra de laranjas, mangas, bananas e outras frutas como ocorria nas casas interioranas da capital de SC, com o delicioso café sombreado.

Homem colhe café na Cachoeira Bom Jesus, em Florianópolis. Foto: Flávio Tin/ND Mais

Manobra do capital e “muita inveja”    

A erradicação do café foi uma manobra capitalista (desumana e antiecológica) adotada frente a superproduções de certos ítens, para aumentar os preços internacionais e fazer crescer os lucros das classes dominantes, dos grandes fazendeiros. As superproduções costumam ser resultado de práticas exageradas dos capitalistas, na avidez por ganhos máximos.

Ocorre que, no que tange à Ilha de SC, o povo manezinho comentava que a manobra tinha sido desnecessária devido à pequena produção, mas que só foi aplicada “por estímulo dos barões do café, com inveja do nosso sombreado”. Ou seja, desleal incômodo com a concorrência qualitativa.

O incomparável e especial sabor da planta crescida nos quintais em meio à sombra, e os grãos colhidos a dedo um-a-um, já tinha uma fama chegando à Europa, o que provocou “a inveja dos barões de S. Paulo e Paraná; muita inveja”.      

Mais de 1 bilhão de cafeeiros

Um engenheiro-agrônomo especializado em cafeicultura informou em seu site em 2018 que: “A erradicação do café foi uma política do Governo Federal, liderada pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC), para reduzir a área plantada de café no Brasil. O principal objetivo era equilibrar a oferta e a demanda global, já que o Brasil enfrentava superprodução de café, o que resultava em estoques acumulados e preços baixos no mercado internacional.”

Conforme ele, na década de 1960, quando o café era o primeiro produto nas exportações do país, houve erradicação de 1,37 bilhão de cafeeiros e as classes dominantes cafeicultoras foram indenizadas.

Os “entisicados”

Na Ilha, onde a manobra dos capitalistas e dos barões reduziu os cafezais a zero e foi combatida pelos moradores em seguida, com alguns replantios “semiclandestinos”, nota-se agora uma certa recuperação.

Há pouco tempo, como uma espécie de ato de resistência, vários anos depois do trauma, muitos manezinhos estão voltando a plantar o inesquecível sombreado, inclusive no bairro onde moro, como se verá em breve na Parte 2 desta reportagem.

É um modo inusitado de luta, mas os poderosos da burguesia estão constatando que não é fácil vencer batalhas contra “um povo entisicado”. A palavra  entisicar/intisicar, nos dicionários de “manezês” (publicações contendo a linguagem típica dos ilhéus) significa insistir, porfiar, teimar, não-desistir.  

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