Essa matéria é uma continuação da parte 1 dessa reportagem, que pode ser acessada aqui.
Hoje, moradores de Florianópolis, a ilha-capital de SC traumatizada na década de 1960/70 com a extirpação do café feita por uma manobra do capitalismo do regime fascista militar-civil iniciado com o golpe de 1964, estão retomando, como se fosse ato de resistência “de um povo entisicado” (porfiado, teimoso, conforme o linguajar típico dos apelidados manezinhos ilhéus) o cultivo do inesquecível café sombreado.
Este tipo era assim chamado porque, desde os anos 1800, era cultivado nos quintais das casas, em meio à sombra de laranjas, mangas, bananas e outras frutas, árvores e arbustos. E a colheita era a dedo, grão a grão.
O café, antes de ser erradicado pela ditadura militar-civil sob desgosto e inconformismo da população, na verdade era relevante no litoral inteiro do Estado, não apenas na capital, e por isso está estampado na bandeira catarinense. O brasão no centro da bandeira, mostrando um ramo de café, é de 1895.
Na cidade sem pressa
O retorno do plantio, nos últimos tempos, tem sido destacado na mídia local, como o portal NDMais na reportagem Moradores tradicionais do interior da Ilha cultivam últimos cafezais e método artesanal de moagem.
O texto diz que o sabor e o aroma “jamais foram esquecidos nos recantos da cidade, onde o pilão, a peneira e o torrador mais do que meros objetos de decoração, representam símbolos da cultura cafeeira presente na memória oral e usual de quem é do interior (da Ilha).”
“Privilégio compartilhado por pessoas como Lica Rosa, na Vargem Pequena; dona Rosinha Cruz e as vizinhas Valdete, Ciça e Carmem, na Barra do Sambaqui; a outra Valdete, na Vargem Grande; a família Andrade, em Santo Antônio de Lisboa, ou Marlene Lapa, na Caieira da Barra do Sul. Lugares onde a cidade (de Florianópolis) parece crescer sem muita pressa.”
Exemplo ecológico em Itapema
Mas é interessante verificar que outras cidades do litoral também estão voltando à lida com o café sombreado, ultrapassando a fronteira da capital, conforme estudo divulgado pela Epagri (Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de SC) em 2021.
Em Itapema, há o caso de Renato Alberto de Souza, filiado ao Grupo Ecológico Costa Esmeralda. Sobre ele, informou a Epagri: “Renato relata com tristeza a derrubada dos cafezais que ocorreu na região na década de 1960. Entretanto, há cerca de 15 anos, a família retomou progressivamente o cultivo comercial do café (consorciado com banana) e agora renova o seu pioneirismo como referência na cafeicultura (agroflorestal) regional.”
Feira de orgânicos
Iniciativas semelhantes do cultivo agroflorestal de café, segundo a Epagri, têm garantido a renda de produtores rurais familiares em diversas cidades costeiras.
“Inseridas em reserva de Mata Atlântica e sob influência da brisa marítima, as plantas desenvolvem-se em condições específicas de microclima, que influenciam e conferem uma identidade própria na qualidade dos grãos e da bebida”, diz a Epagri. Todo o café produzido é beneficiado pelos próprios plantadores, que assim agregam valor à produção comercializada nas feiras de orgânicos dos municípios.
As vantagens do sombreado
Há uma lista de vantagens em ter o cafezal em meio a outras árvores, inclusive para o meio ambiente circundante, tais como a atenuação das temperaturas máximas e mínimas do local,menor incidência de geadas, controle natural da erosão.
Além disso, pode-se citar: obtenção de bebida mais suave (pois maturação é mais lenta); baixo índice de pragas e plantas daninhas; aumento da capacidade produtiva do cafeeiro; cobertura e adubação orgânicas do solo pela decomposição lenta da palha.
Rosana Bond é escritora e jornalista, autora de mais de 20 livros sobre conflitos na América Latina e a saga dos povos ameríndio. Entre seus livros mais conhecidos estão “Nicarágua: a bala na agulha” (1985), “Sendero luminoso: fogo nos Andes” (1991), “A civilização inca” (1993).