A tese criminosa e usurpadora do marco temporal, criada pelo latifúndio e outras classes dominantes, foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira, dia 21. O resultado (9 votos contra o marco e 2 a favor) refletiu uma luta intensa e constante dos povos indígenas brasileiros, que saíram amplamente vitoriosos.
Acompanhando de perto o julgamento no STF, num telão externo ou no próprio plenário, cerca de 600 lideranças de várias nações originárias, do país inteiro, estiveram mobilizadas em Brasília. Assim como em diversos municípios do país, os (as) indígenas fizeram marchas e atos públicos, ficando acampados (as) no Memorial dos Povos Indígenas, que é tido por estes como um território das tribos dentro da capital federal.
Posse milenar ou só de 1988?
Segundo a tese dos latifundiários e do agronegócio, as nações originárias e milenares só teriam direito à demarcação das terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data em que a atual Constituição foi promulgada. Este seria o marco de tempo, ou marco temporal, falsamente apontado existir na Carta Magna, pelos capitalistas do agro.
Porém não existe nada na Constituição, nem escrito e nem subentendido, que sustente tal absurdo, dizem especialistas. Muito pelo contrário. “No texto constitucional os direitos dos índios sobre suas terras são definidos como ‘direitos originários’, isto é, anteriores à criação do próprio Estado”, afirmam famosos juristas, entre eles Gustavo Proença, mestrado e doutorado na UERJ/PUC-RJ/UFRJ.
São terras tradicionalmente ocupadas e não-urbanizadas, esclarecem alguns, rebatendo outro absurdo propagado pelo latifúndio: o de que os índios, sem o marco temporal, teriam direito de se apossar de apartamentos no centro de São Paulo, por exemplo (antigo vilarejo de Piratininga, herdeiro de aldeia indígena).
Por que não estávamos lá?
“Em muitos casos, como no do povo Xokleng (SC), essa posse em 1988 tornou-se impossível devido a um processo histórico e contínuo de violência e esbulho, muitas vezes com a anuência do Estado”, esclareceu e denunciou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ou seja, muitas tribos tinham sido expulsas e suas áreas roubadas por fazendeiros.
“Se não estávamos numa determinada área do território em 1988, não significa que era terra de ninguém ou que não estávamos lá porque não queríamos. O marco temporal reforça uma violência histórica, que até hoje deixa marcas”, disse Brasílio Priprá, liderança Xokleng.
Máquina de moer o passado
A tese, se tivesse sido aprovada, iria dificultar ou impossibilitar a demarcação de territórios indígenas, ao obrigar as etnias a apresentarem provas da ocupação desses locais antes de 1988.
“O marco temporal é uma máquina de moer história… ele acaba com a história, muda toda ela. Porque de 5 de outubro de 88 pra trás não há mais história”, disse semanas atrás Marcos Sabaru, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Maior privatização da história
“As terras habitadas pelo povo indígena são patrimônio da União. Se o setor privado (latifúndio/fazenda /agronegócio) puder se apropriar dessas terras, vamos estar fazendo a maior privatização de terras no nosso país, que nunca aconteceu na história do Brasil”, denunciou o líder Ailton Krenak (MG) sobre a situação que seria criada, caso o marco temporal tivesse sido aceito.
Virá indenização como chantagem?
Apesar da rejeição, as nações originárias continuarão a lutar pela demarcação de suas terras. Isso porque a reprovação da tese do “marco temporal” veio acompanha da proposta, defendida tanto por ministros do STF quando pelo governo em agrado ao latifúndio, de indenizar os latifundiários no processo de demarcação de terras.
Esse processo de indenização, seja a forma que tomar, oferece graves riscos de paralisar por completo a demarcação de novas terras indígenas, seja pela demora dos processos burocráticos do velho Estado brasileiro, seja pela alegação de “falta de verbas” para pagar as indenizações aos latifundiários, como já ocorre na paralisada “reforma agrária”.
Esse texto expressa a opinião do autor.