Carta de Pau D’Arco

Carta de Pau D’Arco

Fotos: Ellan Lustosa / A Nova Democracia.

Compartilhamos na íntegra a ‘Carta de Pau D’Arco’, resultado do histórico Encontro Camponês do Sul do Pará, realizado nos últimos dias 28 e 29 de outubro. Tal carta, que está sendo divulgada em todo o Brasil, foi enviada ao jornal A Nova Democracia por correio eletrônico.

Encontro Camponês do Sul do Pará – Pau D’Arco
28 e 29 de outubro de 2017

Os camponeses pobres sem terra, posseiros e pequenos proprietários de terra do Sul do Pará e Tocantins, reunidos em Pau D’Arco, nos dias 28 e 29 de outubro de 2017, expressamos, uma vez mais, nossos mais profundos sentimentos de solidariedade aos familiares dos companheiros e companheiras, covardemente assassinados na fazenda Santa Lúcia no dia 24 de maio passado, e levantamos alto seus nomes juntamente com o de todos e todas, dentre os quais milhares de anônimos, tombados na luta pela terra em nosso país, ao longo de sua história.

Declaramos nossa irrenunciável decisão de seguir lutando pela conquista da terra e pelo fim do latifúndio, custe o que custar, para libertar nosso povo camponês da secular exploração e opressão que o submete a classe dos senhores de terra, latifundiários e seus aliados grandes burgueses, através do seu velho e genocida Estado, bem como para libertar a Nação brasileira da subjugação e saqueio de nossas riquezas naturais, que o imperialismo, principalmente o norte-americano, sucessor do colonialismo português e inglês, tem perpetrado de modo continuado.

Denunciamos o sinistro propósito dos latifundiários e grandes burgueses, de seu velho Estado e seus governos de turno, bem como de seus amos imperialistas de afogar nossa luta em sangue, proclamando em alto e bom som, que muito ao contrário do que pretendem, o precioso sangue derramado de nossos heróis e heroínas regam a nossa luta e faz maior e mais gloriosa nossa causa de uma nova sociedade sem exploração e opressão, sem ricos e sem pobres, de igualdade e solidariedade! E afirmamos serenamente que, assim como ao longo dos séculos a nossa luta pela terra nunca parou, cada vez mais, está chegando a hora do acerto de contas, em que o povo do campo, sofrido e mil vezes pisoteado e humilhado, com o apoio dos pobres da cidade, se levantará para acabar de vez com todo o latifúndio tomando todas as suas terras, parte por parte, através da revolução agrária, entregando a terra aos camponeses pobres sem terra ou com pouca terra e unido com o povo da cidade irá pôr fim a este sistema de exploração e opressão sobre nosso povo e de subjugação e saqueio das riquezas de nossa Pátria, para conquistar a nova democracia, nova economia, nova cultura e o novo Brasil!

Insistimos em denunciar que, como ocorreu até hoje com a maioria dos massacres e assassinatos de camponeses em luta pela terra, a Chacina de Pau D’Arco ocorrida no dia 24 de maio de 2017, quando uma operação da Polícia Militar do Pará assassinou covardemente 10 camponeses que lutavam pela desapropriação da Fazenda Santa Lúcia, está sendo criminosamente abafada.

Tudo está comprovando que a prisão de 15 policiais militares acusados pela chacina foi só para dar uma satisfação à opinião pública internacional, principalmente a instituições internacionais de defesa de direitos humanos. O Estado brasileiro, historicamente conhecido por estes organismos pela violação dos direitos mais elementares do povo, nos últimos dez anos tem ficado no topo do ranking mundial de homicídios, dos quais a maioria é conhecidamente resultante da brutal ação dos órgãos de repressão do Estado, particularmente das polícias militares.

A repercussão deste massacre de camponeses, ocorrido na sequência de dois outros, dos camponeses na região de Colniza, no Mato Grosso, divisa com Rondônia e dos índios Gamela no Maranhão, num curto espaço de tempo colocou o Estado, governos federal e dos estados, onde ocorreram, sob dura condenação no país e internacionalmente. Isto explica a rapidez com que se procedeu investigações e prisões dos criminosos executores. Mas embora a Polícia Federal tenha concluído inquérito comprovando a autoria da chacina pelos militares presos, eles logo foram postos em liberdade, como se nada de hediondo tivesse ocorrido, e só sob muitos protestos a Justiça determinou a reclusão desses assassinos covardes.

A forma que isto ocorreu também mostra o objetivo de ocultar a organização criminosa dos latifundiários desta região, que desde os anos de 1970 mantém grupos paramilitares, grupos de extermínio, todos compostos por pistoleiros, policiais e ex-policiais. É de amplo conhecimento o vínculo político dos latifundiários, ladrões de terras da União, nas esferas federal, estadual e municipal, no executivo, legislativo e judiciário do Estado brasileiro. Portanto assim como não se trata de caso isolado fica patente também, neste conluio de latifundiários e “autoridades”, a natureza de CRIMES DE ESTADO.

A Chacina de Pau D’Arco foi uma a mais que escancarou à luz do dia o que acontece no campo brasileiro quase todo dia, sistematicamente, em toda a nossa história: agentes do Estado protegendo latifundiários ladrões de terra, expulsando, prendendo e torturando camponeses, indígenas e quilombolas, sequestrando e desaparecendo, matando.

Porém quando essas chacinas ocorrem em momentos de crise, como a que vive nosso país há quatro anos, ela faz ecoar o clamor revoltoso e secular dos pobres do campo contra o latifúndio e por terra a quem nela trabalha. Pois mais que expor as entranhas da injustiça, da opressão e da exploração, cotidianamente escondidas sob leis e pela propaganda e mentiras dos comunicados governamentais e dos meios de comunicação monopolizados, revelam cruamente a realidade de miséria e exploração que milhões de famílias estão submetidas pelo sistema de concentração da terra, que a Rede Globo embeleza com sua chancela de “todo-poderosa” como “a indústria riqueza do Brasil”.

Como confirmação dessa realidade sempre destorcida pela propaganda oficial e pelos meios de comunicação monopolizados, a mão do Estado não cessa de puxar a corda no pescoço dos pobres. Eis que no dia 13 de outubro de 2017, a Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho e Emprego anulando as tipificações criminosas de trabalho similar a escravidão, revelou o porquê destas chacinas destes nossos dias: A VOLTA DA CHIBATA!

Os latifundiários brasileiros, os “modernos empresários” do “agronegócio” com o ministro da Agricultura à testa, invadiu o Ministério do Trabalho, tradicionalmente da cota de oportunistas a serviço da grande burguesia, e emplacou a ANISTIA PARA 90% DOS CRIMES DE ESCRAVIDÃO COMETIDOS PELO LATIFÚNDIO E GRANDES BURGUESES NO BRASIL! É pouco? Para o latifúndio SIM!

No sábado, 21 de outubro de 2017, Temer assinou Decreto ANISTIANDO 60% DAS DÍVIDAS AMBIENTAIS DO LATIFÚNDIO! É pouco? Para o latifúndio SIM!

No dia 03 de agosto de 2017 Temer editou Medida Provisória ANISTIANDO 12 BILHÕES DE DÍVIDAS DO LATIFÚNDIO COM A PREVIDÊNCIA RURAL! É pouco? Para o latifúndio SIM!

Temer assinou no dia 11 de julho de 2017 a Medida Provisória 759/2016, ANISTIANDO O LATIFÚNDIO DA GRILAGEM DE TERRAS DE ATÉ 2.500 HECTARES! É pouco? Para o latifúndio SIM!

O STF, que após a morte do ministro do STF Teori Zavascki, em suspeito acidente aéreo, está enquadrado pelo grupo que tem o latifundiário Gilmar Mendes à frente, votará a ADI 3.239, protocolada pelo DEM de Rodrigo Maia, pedindo a inconstitucionalidade do Decreto 4.887 que se propunha a normatizar a Constituição de 1988, no que diz respeito ao reconhecimento das comunidades quilombolas. É pouco? Para o latifúndio SIM!

Além de barrarem as demarcações de terras indígenas em curso, arrebentarem com a FUNAI, promoverem massacres continuados, corromperem lideranças, tentam emplacar o “marco temporal”, no bojo da malfadada Medida Provisória 215, que previa que as demarcações dos territórios indígenas teriam de passar pelo Congresso dos latifundiários. “Marco Temporal” significa que os indígenas só teriam direito ao território que ocupavam até 1988, ou seja, ANISTIA À INVASÃO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS! É pouco? Para o latifúndio SIM!

Estão articulando, caso não sejam totalmente contemplados com seus reclames ditatoriais, a edição da MP do arrendamento das terras indígenas para a mineração e para a produção agrícola primária de exportação.

Alguma dúvida que a Chacina de Pau D’Arco, no dia 24 de maio de 2017, como todas a violência sanguinária contra o povo pobre do campo faz parte dessa ditadura do latifúndio?

E quando na história do Brasil não existiu esta ditadura do latifúndio? Primeiro contra os povos originários, para se adonar de seus territórios; logo para reprimir os Quilombos e sua organização política, social e militar contra a escravidão; e para combater os camponeses, já uma classe, junto da repressão de sempre, leis, leis, e mais leis impeditivas. A lei do solo e do subsolo, em que os brasileiros no máximo podem ter o solo, o subsolo é dos colonizadores! A Lei de Terras de 1850, no Império e na República, segundo a qual a obtenção da terra só poderia se efetuar através da sua compra e só seria proprietário aquele portador de documento emitido pela Coroa, com a consequente separação de posse e propriedade. Isto é, o pobre no Brasil nunca será um proprietário, no máximo um posseiro fora da lei, e olhe lá! Sob o Regime Militar e após seu fim, a mesma legislação escrita com outras palavras para garantir privilégios e impedir que o camponês tenha a terra: AS TERRAS IMPRODUTIVAS SERÃO DESTINADAS À REFORMA AGRÁRIA, ou seja, para a grande maioria dos camponeses brasileiros estão destinadas as terras que se prove improdutivas, através de dívida agrária e mesmo assim, com milhares de ressalvas!

E soma-se a tudo isso o atual discurso governamental, dos latifundiários e dos seus escribas e porta-vozes dos monopólios de comunicação, de que a agricultura do Brasil mudou, é moderna, é a indústria riqueza, e blá, blá,blá, mas que não podem esconder a realidade da monstruosa concentração da propriedade da terra.

Hoje dos 850 milhões de hectares que conforma o território brasileiro, 568,7 milhões de hectares são de terras tituladas como propriedades privadas distribuídas em 5,5 milhões de estabelecimentos. Para ver o absurdo do domínio dos latifundiários e crescimento da concentração da terra, há 15 anos atrás este total era de 420 milhões de hectares, este aumento de 148 milhões de hectares correspondeu principalmente à doação de terras da União aos latifundiários, pois que neste período muito pouco foi feito de “assentamentos” (final de governo FHC e governos de Lula e Dilma), de roubos de terras indígenas, das comunidades quilombolas e mesmo de áreas de preservação.

Deste total de 568,7, quase 50%, ou seja, 260 milhões de hectares conformam apenas 2% dos estabelecimentos, ou seja, umas 110 mil propriedades com mais de 1000 hectares cada, pertencentes a um número ainda menor de proprietários (latifundiários de todo tipo), na medida em que muitos deles possuem vários destes estabelecimentos.

No outro extremo, as pequenas propriedades de 0 a 100 hectares, que correspondem a 90 % dos estabelecimentos, ou seja, praticamente 5 milhões de estabelecimentos, que abarcam apenas 84 milhões de hectares, (uma média de 16 hectares para cada estabelecimento).

Esta é a base da colossal desigualdade, em que 6 biliardários no Brasil têm a mesma renda que 100 milhões de brasileiros pobres.

Quais são então as lições da Chacina de Pau D’Arco?

Com o “Massacre de Corumbiara” na Fazenda Santa Elina, Rondônia, em 1995, o Estado brasileiro assegurou ao imperialismo e ao latifúndio que o modelo secular exportador de minérios e produtos primários de monocultura seria mantido e aprofundado. Custasse o sangue que custasse! E veio Eldorado dos Carajás, para que não restassem dúvidas sobre em que ciclo estávamos entrando. Mas o “Massacre de Corumbiara” deslindou caminhos no movimento camponês, e o generoso sangue dos camponeses que resistiram, registraram na nossa história de resistência e dor a “Heroica Resistência de Santa Elina”.

Vinte e dois anos depois, a Chacina de Pau D’Arco revela que estes banhos de sangue não foram capazes de parar a luta dos camponeses pela terra e dos indígenas por território!

A Chacina de Pau D’Arco escancara o fracasso dessa política semicolonial de FHC, seguida por Lula, Dilma e agora Temer, que no regime militar tinham em Bob Fields (Roberto Campos) e Delfim Neto seus mais ardorosos defensores, de que “exportar é o que importa!” Por “exportar” entenda-se dar de graça nossas riquezas, exportar produtos primários anulando a sua industrialização aqui obrigando o país a importar as manufaturas destas mesmas matérias-primas, a não criação de postos de trabalho mais qualificados, enquanto a minoria de parasitas exploradores – latifundiários, grandes burgueses e seus governantes de turno vendilhões da pátria, enriquecem todos a custa da miséria do povo e da subjugação da Nação!

A Chacina de Pau D’Arco arrasa com a grande mentira de nossos tempos, a de que o agronegócio é a parte do Brasil que dá certo. Não, senhores, mil vezes não! Pro agronegócio dar certo, o Brasil tem que dar errado! Como agora! Essa é a verdade que não quer calar. Agro não é tec, não é pop. Agro é Brasil semicolonial, é trabalho servil e escravo, agro é chibata!

E o principal ensinamento da Chacina de Pau D’Arco é o seguinte: os motivos particulares que levaram os policiais civis e militares, sob mando dos latifundiários, com o apoio de gerentes civis do Estado, a matar os camponeses, só fizeram com que eles antecipassem os planos, em curso acelerado, do latifúndio e do velho e genocida Estado brasileiro, de passar da guerra camuflada à guerra aberta contra camponeses, indígenas e quilombolas, guerra contra os pobres e pretos das favelas e bairros da periferia, como parte da guerra preventiva para intimidar e tentar impedir a rebelião popular que todas estas seculares injustiças acumuladas estão fermentando por todo país.

Um Estado em decomposição e um sistema político putrefato falido por completo e gerenciado por bandidos profissionais como Temer e sua quadrilha condenado a arrastar o país e a Nação, de crise em crise para a barbárie. Um Estado e sistema político que não pode ser salvo por suas cosméticas reformas, mas disposto e capaz de fazer o necessário para ganhar sobrevida. E não podem porque sua base é esse capitalismo burocrático em sua crise geral, como parte importante da base de sustentação do imperialismo em sua crise geral e profunda. Que para enfrentar tal crise incrementa a guerra de repartilha do mundo entre a superpotência Estados Unidos e seus aliados, por um lado e a superpotência atômica Rússia e seus aliados, por outro, e entre outras potências, com mais guerras de rapina para sugar mais, saquear mais e matar mais. Só o povo pode salvar o Brasil e não pode fazê-lo através da farsa eleitoral comandada por essa politicalha que controla e assalta o país.

A Chacina de Pau D’Arco clama: destruir o latifúndio já, e tudo o que ele engendra de atraso na economia, na política, na cultura de nosso país.

Unir camponeses, indígenas e quilombolas! Com o apoio dos operários e demais trabalhadores da cidade! Varrer todo esse lixo de corrupção, miséria, injustiça, exploração, opressão e genocídio, para conquistar a Nova Democracia e o Brasil Novo.

Que o sangue dos companheiros tombados lutando pela Fazenda Santa Lúcia não seja em vão!

Terra a quem nela vive e trabalha!
Unir Camponeses, Indígenas, Quilombolas e atingidos por barragens e minerações!
Conquistar a Terra e os Territórios!

Ao longo das últimas duas décadas, o jornal A Nova Democracia tem se sustentado nos leitores operários, camponeses, estudantes e na intelectualidade progressista. Assim tem mantido inalterada sua linha editorial radicalmente antagônica à imprensa reacionária e vendida aos interesses das classes dominantes e do imperialismo.
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