Carta do leitor: Brutalidade policial é herança do regime militar

Reproduzimos abaixo carta enviada por José Carlos Mário Yago.
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Carta do leitor: Brutalidade policial é herança do regime militar

Reproduzimos abaixo carta enviada por José Carlos Mário Yago.

Nas últimas semanas, tem ganhado destaque nas redes sociais, bem como no monopólio de imprensa, a brutalidade policial, especialmente no Estado de São Paulo (mas não tão somente). Ficou expresso como as PMs exercem não apenas a pena de morte, à revelia da suposta democracia brasileira, mas também que manipulam o cenário e plantam sistematicamente drogas e armas nas supostas cenas dos crimes.

Não se trata, contudo, de ineditismo e o argumento de caso isolado virou motivo de piada. O elemento novo aqui não é a violência, mas a sua constatação com o advento, desenvolvimento e facilitação do acesso às câmeras de gravação.

Não temos dúvida de que o desenvolvimento das câmeras pela sociedade serve muito mais aos interesses de controle do Estado sobre os movimentos populares, no domínio de seus passos, para maior monitoramento da luta de classes. Contudo, como a sociedade é contraditória, e o “risco que corre o pau corre o machado”, mesmo que não tenhamos dúvidas sobre a quem serve esse desenvolvimento das câmeras, a bem da verdade tem servido, contraditoriamente, para demonstrar a violência extremada da PM sobre o povo, mas não há que se ter furor sobre as câmeras, é uma faca de dois gumes.

Nos inúmeros casos que abundam na internet da violência policial, os únicos bandidos que encontramos são o secretário Derrite e o governador Tarcísio de Freitas. São eles, como “bolsonaristas tecnocratas”, que legitimam a pena de morte, com apoio moral e ideológico, sobretudo no banho de sangue da recente operação verão que matou pelo menos 56 pessoas na Baixada Santista no fim de 2023.

Herança maldita do regime militar

A parte da retórica de “crise da segurança” por parte do Judiciário e de monopólio da mídia não tem qualquer fato anômalo para justificar uma crise, pois é exatamente esse o padrão, o modus operandi das PM’s de todo o país e a explicação é histórica.

Na magnum opus, “Resistir é Preciso”, do lendário militante comunista Alípio de Freitas, membro do Secretariado Nacional das Ligas Camponesas e membro do Comitê Editorial do Jornal A Nova Democracia, se explicita como  a polícia, durante o regime militar, ganhou carta branca para matar. Foi durante esse período que os esquadrões da morte foram montados em todo o país, com destaque para a Escuderia Le Cocq, criada em 1965, símbolo do desenvolvimento paramilitar no RJ e no Brasil. Os DOPS criados no Estado Novo e desenvolvidos no regime militar de 1964, chefiados pelas polícias militares, disputavam com os DOI-CODI (das Forças Armadas) naqueles que brutalizavam mais na tortura, desrespeitando todo e qualquer preceito dos direitos humanos da ONU, da qual o Brasil sempre foi signatário. 

A esperança da redemocratização conseguir normatizar a polícia por normas minimamente civis se mostrou inexistente. A explicação é histórica. A redemocratização do país se deu evidente, por conta da pressão das massas, sobretudo das greves mineiras no fim dos anos de 1970. Contudo, a transição “lenta, gradual e pacifica” foi obra da ESG, para inclusive livrar o regime militar, em especial a polícia, na tal “anistia ampla, geral e irrestrita”, mesmo que seja para pessoas que cometeram crimes de lesa-humanidade, algo que parte da turma dos porões do regime não conseguia entender na época. 

Em 1992, após uma rebelião no presídio paulista Carandiru, a PM entrou e matou ao menos 111 internos. Como achaque, o Coronel Ubiratan, comandante das tropas, usou o número 111 como número de sua candidatura a vereador, e apesar de ele e seus comparsas terem mais de 600 anos de prisão, nenhum PM cumpriu qualquer prisão, Ubiratan morreu em 2006. Esse massacre e impunidade, todo o vilipêndio aos mortos apenas quatro anos após a prometida nova constituição, foi o prenúncio do que seria a nova república e sua herança macabra.

Como a realidade é contraditória e a História do Brasil é a História de uma Guerra Camponesa sem Fim, o Massacre de Corumbiara em Rondônia, do qual os camponeses denominam de Batalha de Santa Elina, desenvolveu o antípoda do Velho Estado Brasileiro: a Liga dos Camponesas Pobres, o Movimento Combativo Camponês. Mas o massacre do Carandiru, por sua vez, deu origem à maior facção criminosa do Brasil, o que só prova que toda ação gera uma reação, ainda que não seja a que esperamos.

De tal forma que todo o desenvolvimento posterior da violência policial com suas chacinas e massacres criou um verdadeiro ambiente de repulsa e horror generalizado das massas sobre as corporações policiais, a sensação de que as PMs defendem os mais ricos e odeiam os pretos e favelados já está enraizada no povo brasileiro, de forma tal que essa tentativa de moralização das PMs via câmera é torpe projeto de ilusão do monopólio da mídia.

Óbvio que a eleição de Luiz Inácio e seu partido, que trafica o nome dos trabalhadores, gerou nas massas uma expectativa de que se diminuísse tanta arbitrariedade. Ledo engano: Luiz Inácio foi convocado pelo Tio Sam para coordenar o país mais rebelde das Américas após um golpe, o Haiti. O resultado foi a operação Minustah, liderada pelo Brasil (Augusto Heleno et caverva) e um grande massacre sob batuta dessa turma. Mas não parou por aí. As UPPs e a intervenção federal no Rio de Janeiro foram um desenvolvimento da atuação das Forças Armadas, agora com apoio das PM´s e com a experiência do que fora aprendido em Porto Príncipe. O resultado foi a campanha “cadê o Amarildo?!”

Com Dilma (como fora torturada, e sua imagem de ex-guerrilheira foi usada como instrumento eleitoral), se abriram novas expectativas sobre a polícia e, sobretudo, sobre a prisão aos torturadores do regime militar. A condução da Comissão Nacional da Verdade foi covarde por parte do governo, enquanto muitos ex-presos políticos bravamente denunciaram seus algozes. Para surpresa de muitos, Dilma aproveitou os megaeventos (Copa, Olimpíadas) para, no sentido contrário do que havia prometido, criar a Lei Antiterrorismo como aceno aos militares e chantagem aos movimentos populares.

Recentemente, antes de se descobrir o plano dos militares para matar a cúpula do atual governo, Luiz Inácio declarou que o regime militar é coisa do passado. Ironicamente, faltou combinar com os russos, pois com anuência de parte do Alto Comando, Luiz Inácio morreria envenenado. Não foi, pois como foi noticiado aqui neste portal, para a superpotência hegemônica EUA ainda não era o momento, pois o golpe agudizaria a crise.

A crise, contudo, se agudizará inevitavelmente, pois, para milícias bolsonaristas campo (como o movimento invasão zero) “a guerra já começou, pois já pagam pistoleiro para matar trabalhador”, como nos ensina a canção “O Risco”. Enquanto no campo o latifúndio avança com suas hordas, nas cidades as PMs atuam sob o mesmo signo da impunidade e nenhuma tentativa de moralizar os cães de guarda da burguesia irá extirpar o justo ódio de classe, o ódio popular contra seus algozes.


O texto acima expressa a opinião do autor.

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