Republicamos abaixo carta enviada pelo leitor e contribuinte Ana Lívia Limeira dos Santos - Navia
Nos últimos meses, o monopólio de imprensa deu muitas repercussões a caso de envenenamentos ocorridos no país. Como também a revelação de vendas irregulares de suplementos para atletas, acusados de adulterar a produção de anabolizantes. A escandalização destes casos revela mais uma expressão da decadência de uma sociedade e de sua ideologia dominante do que uma preocupação com a vida e saúde pública. Além do aspecto dos inúmeros elementos que levam uma pessoa a utilizar veneno para resolver suas diferenças e desavenças, como na busca de lucro, desconsiderar o potencial prejuízo à saúde do outrem, que sim devem ser investigados. Temos a hipocrisia dada não apenas pelos órgãos do monopólio de imprensa como também por parte deste velho Estado na suposta preocupação de defesa da vida e da saúde das pessoas.
Estes dois casos nos trazem novamente à luz a discussão sobre saúde pública, a qual deve ter no mínimo a mesma repercussão e empenho investigativo. Trata-se dos casos da utilização de agrotóxicos em nosso país. Dentre várias questões referentes que poderíamos abordar, as quais reafirmam a subserviência semicolonial de nosso país a potências estrangeiras e a manutenção de diversos aspectos de relações atrasadas e feudais em nosso país, atentemos à questão da água, relacionada à saúde pública e à preservação do meio ambiente. Nas Diretrizes para o monitoramento de agrotóxicos em água para o consumo humano de 2024, divulgado pelo Ministério da Saúde do governo de Luiz Inácio, transcrevem-se as bases para a regulação das federações. Neste documento encontramos as quantificações de resíduos permissíveis de serem encontrados na água potável, os LMR (limites máximos de resíduos de agrotóxicos), ou seja, próprios para consumo humano. Segundo o documento, o glifosato, ingrediente ativo do RoundUp, pode ter resíduos de até 500 μg/l (microgramas por litro) de água. O absurdo fica evidente quando comparamos com a quantidade permissível na UE de apenas 0,1 µg/l, uma diferença de 5.000 vezes menor que no Brasil. Em artigo publicado pelo Centro de Estudos da Fiocruz (outubro de 2023), aponta o Brasil como um dos principais receptores de agrotóxicos proibidos na União Europeia. Essa “receptação” é acalorada pelas inúmeras isenções fiscais destes produtos no Brasil, reafirmando a acertiva do Brasil como um “paraíso dos agrotóxicos”.
A justificativa para os valores elevados do LMR para herbicidas como o glifosato se baseia na própria utilização de sementes modificadas, que demanda maior pulverização. Como exemplo, o milho transgênico Roundup Ready da Bayer, resistente ao Roundup, dentre outras dezenas de variedades de sementes liberadas no Brasil também resistentes ao herbicida de glifosato. Em prol da crescente produtividade e atendimento submisso ao “mercado internacional” (países imperialistas), se eleva a utilização de agrotóxicos e necessariamente a produção com base em sementes resistentes à agressividade dos agrotóxicos, onde o foco é elevar a produção de monocultura para exportação e não a defesa da saúde e o meio ambiente. O ciclo vicioso da “criminosa relação entre o ‘Agronegócio’ e a produção de alimentos geneticamente modificados (os famosos transgênicos!), com o uso indiscriminado dos agrotóxicos no Brasil.
Entre os dez agrotóxicos mais vendidos no país, cinco estão banidos na Europa: mancozebe, atrazina, acefato, clorotalonil e clorpirifós; pela considerada toxicidade aguda para consumidores humanos. Já o Centro de Estudo da Fiocruz reconhece que em oito, dentre esses dez mais vendidos, existe “potencial cancerígeno para humanos”, inclusive o campeão de vendas, glifosato. O glifosato, com seu LMR 500 μg/l, lidera essa lista com mais de 50% de vendas. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (Iarc), também manifesta consenso com o potencial cancerígeno para humanos do herbicida, além da associação deste a sérios problemas neurológicos, especialmente na infância, e potencial de provocar desordens motoras e comportamentais . Em dezembro de 2024, a revista científica Neuroinflammation mostra “pela primeira vez” que até breve contato com o herbicida glifosato pode causar danos permanentes ao cérebro.
Qual investigação de algum setor da repressão vemos a respeito? Quantas reportagens denunciam, com o mesmo tom eufórico, o descaso e potencial envenenamento de milhões de pessoas? Enquanto contaminam o solo, rios e lençóis freáticos, diretamente trabalhadores e populações circunvizinhos das grandes concentrações de terras, alvos também da pulverização aérea de pesticidas, o que fazem os partidários do tal “agro-pop”? Enquanto isso, a professora do Departamento de Geografia da USP, Larissa Mies Bombardi, sofre ameaças até por instituições oficiais do Estado por cumprir um importante papel como intelectual honesta, com uso de suas ferramentas para denunciar esse envenenamento em massa e o absurdo consentimento legal.
Estes são apenas uma das inúmeras expressões do problema objetivo e direto da existência da produção de monocultura e concentração de terra em países atrasados e submissos a ditames econômicos e políticos de potências de capitalismo desenvolvidos. Superar estas barreiras que nos afligem, como uma grande montanha, com uma verdadeira democratização da terra é um dos passos importantes a ser trilhado, particularmente, pela heroica massa de nosso país de operários e camponeses.