Povo mapuche em luta pela terra incendeia 33 veículos de transporte de monopólio florestal. Foto: Antihuala Noticias
O governo do oportunista Gabriel Boric declarou, na metade do mês de maio, Estado de Emergência nas províncias majoritariamente camponesas e mapuche de Arauco, Bío Bío, e na região de La Araucanía para intensificar a repressão à luta pela terra. Isso decorre da necessidade de garantir o extrativismo principalmente florestal do latifúndio nessas regiões, alvo de rechaço e ataques armados das massas de camponeses e povos originários da região, que se opõem ao roubo de suas terras pelo latifúndio e grandes monopólios da extração de madeira.
Além do Estado de Emergência, que o governo oportunista está chamando de “apaziguação” da região e de “Estado intermediário”, no dia 12/05 a ministra do Interior e da Segurança Pública, Izkia Siches, anunciou a compra de 34 furgões blindados, o gasto de 1 bilhão de dólares com drones “a fim de ter melhores informações que nos permitam fornecer cenários de conflito que levem à violência”, a ministra instruiu equipes do Ministério do Interior a começarem a trabalhar no que será um “novo sistema de inteligência estatal”.
Em um documento confidencial vazado dos assessores de Iskia Siches, a ministra afirma que irá “encapsular” grupos mapuche que não quiserem dialogar.
Concentração de terras no Chile
O que o governo Boric busca assegurar com a repressão à luta camponesa, principalmente na região sul do Chile, são os altos lucros do latifúndio agro-exportador no país e a manutenção da elevada concentração de terra. Atualmente, os monopólios latifundiários possuem cerca de 70% dos recursos da terra no Chile. Em particular, as empresas florestais controlam a maior parte do território com conglomerados que possuem até um milhão de hectares de terra. Por outro lado, 75% dos pequenos proprietários rurais possuem menos de 4% da terra em parcelas de menos de 5 hectares em média. Como consequência, o Chile é o país com a segunda maior concentração de propriedade de terra na América Latina (de acordo com a Oxfam, em relatório de 2016), atrás apenas do Peru.
Buscando manter exatamente esse quadro de miséria do campesinato chileno é que o governo oportunista eleva a militarização e a repressão à luta popular, expondo cada vez mais escancaradamente sua natureza latifundista-burocrática, a serviço do imperialismo, principalmente ianque.
Delegacia de polícia é atacada e latifúndio é sabotado
Hotel de grande-empresário reacionário é queimado pela Resistência Mapuche Lavkenche (RML). Foto: Reprodução.
O grupo Resistência Mapuche Lavkenche (RML) realizou um ataque armado a uma delegacia de polícia que foi alvejado e incendiou um hotel em rechaço à militarização velada das terras camponesas pelo governo Boric e declararam que não haverá agressão sem resposta. Além disso, a organização realizou no mês de maio a maior ação recente de sabotagem ao latifúndio, com a queima de 33 veículos de transporte do monopólio da empresa Tramsa, na província de Arauco, setor de Los Ríos, comuna de Los Álamos.
Sobre a queima da delegacia de polícia e do hotel, a RML afirma que sabem que “Boric deixou a implementação das novas políticas repressivas nas mãos do Partido Socialista sob o pretexto de crime organizado, liderado pelo subsecretário do Interior, Manuel Monsalve, e em Arauco pelo novo delegado presidencial, Humberto Toro, a mesma pessoa que foi responsável pela repressão no segundo governo de Bachelet”.
E destacam que atacar o Hotel Curef significou também a expulsão definitiva de Fernando Fuentealba do seu território, um grande empresário que se alçou à carreira política atacando o povo Mapuche e pobre da região.
Em uma declaração sobre a ação de sabotagem ao latifúndio, os camponeses mapuche exigem a liberdade para todos os presos políticos mapuche mantidos sob o tacão do velho Estado chileno e afirmam que o alvo da ação foi a empresa Tramsa, propriedade de Juan Ramírez, que além de se localizar em terra pertencente aos camponeses, durante anos destruiu as terras locais com a exploração extensiva delas, impossibilitando que o povo Mapuche e camponeses pobres da região pudessem viver e trabalhar na terra.
A ação foi realizada por uma coluna de 40 weichave (guerreiros em mapudungun, língua mapuche) da organização.
A organização ainda afirma que o objetivo final da ação era atacar a Forestal Arauco do Grupo Angelini, um dos maiores monopólios agrários do Chile, para a qual a Tramsa serve enquanto terceirizada.
A Coordenadoria Mapuche Arauco Malleco (CAM) também fez uma convocação ao povo Mapuche “Para preparar as forças, organizar a resistência armada pela autonomia do território e autonomia da nação Mapuche”.
Polícia reacionária ataca parentes de presos políticos
Na prisão de Lebu, em dia de visita, parentes de presos políticos mapuche foram atacados arbitrariamente pela polícia enquanto esperavam na fila para poder visitar seus familiares presos. Duas pessoas foram gravemente feridas: Miguel Maliqeo, (Werken de Lebu, líder tribal) e uma mapuche do Lov (clã) Huentelolen. A mapuche recebeu um impacto grave no olho e se encontra no hospital com a possibilidade de perda parcial da visão.
Luta secular
A luta do povo Mapuche pela terra na região de Araucanía e no sul do Chile é secular. A região sul do país não logrou ser conquistada pelos espanhóis justamente pela brava e decidida resistência do povo Mapuche entre os séculos XVI e XVII. Nesse período se desenvolveu a Guerra de Arauco, que constituiu a tentativa de colonização espanhola da região e que custou a vida de centenas de milhares de mapuche, acometidos tanto pelas doenças trazidas pelos europeus, quanto pelo embate militar entre mapuche e espanhóis. O povo Mapuche foi vitorioso na guerra que durou mais de 100 anos e manteve sua autonomia.
Foi após a independência durante a “Ocupação da Araucanía”, que começou em 1862 e terminou em 1883, que o Exército do Chile, após séculos de enfrentamentos militares, massacres do povo Mapuche e todo tipo de tentativa de dominação daquele povo e região, que o velho Estado chileno conseguiu, apenas parcialmente, dominar a área.
Disso decorreu que, já em 1929, o povo Mapuche tinha apenas 6,18% das suas terras originárias, e haviam sido deslocados para terras inférteis e de clima severo, com pouco mais de 500 mil hectares.
No governo do reformista Salvador Allende, a reforma agrária no Chile expropriou cerca de 740 mil hectares nas províncias de Malleco e Cautín (região da Araucanía), uma área em que se concentram cerca de 80% dos títulos de terra. Após o golpe civil-militar de Augusto Pinochet, revogou-se entre 1974 e 1975 a desapropriação de 1.736 propriedades e restaurou-se 2.176 propriedades a seus antigos proprietários, num total de 3.182.255 hectares revogados, equivalente à devolução aos latifundiários de 34% das terras que estavam na posse do velho Estado em setembro de 1973.
A comunidade Temucuicui, a título de exemplo, que tem um intenso histórico de luta e que teve um dos seus membros integrantes, Camilo Catrillanca, assassinado em 2018, teve cerca de 1,6 mil hectares da propriedade expropriados em 1971, mas foram devolvidos a seu proprietário anterior em 1974, para serem vendidos a uma única empresa florestal para que explorasse todo o território.