Chile: Massas se rebelam à nível nacional contra miséria e repressão

Chile: Massas se rebelam à nível nacional contra miséria e repressão

Moradores de bairro operário montam uma barricada para exigir auxílio do velho Estado. Foto: Ramón Monroy

O Chile viveu, no dia 22 de abril o terceiro dia consecutivo de protestos combativos após o presidente, Sebastián Piñera, se opor a retirar verbas dos fundos de pensão, que são controlados pelos monopólios do capital financeiro, para sanar com a necessidade imediata das massas de um auxílio econômico durante a pandemia.

O povo chileno exigiu que o governo retirasse das Administradoras de Fundo de Pensão (AFP), por uma terceira vez, as verbas que fossem necessárias para um auxílio econômico durante o período de quarentena, diante da profunda crise econômica que o país atravessa, a miséria e o desemprego.

Isso se dá pois as AFP, propriedade privada de Sociedade Anônima, estabelecida através da participação em ações, prestam um péssimo serviço à população, dando ao povo uma aposentadoria de fome, mas capitalizando com seu dinheiro durante todos os anos de investimento. Além de serem verdadeiros monopólios transnacionais.

Este sistema das AFP estabelece que quem começa a trabalhar é obrigado por lei a aderir, inclusive já com a indicação de qual AFP será filiado, e os trabalhadores devem contribuir com 10% de seu salário tributável.

Enquanto os trabalhadores devem entregar parte do seu salário a esses monopólios, para que esses, por sua vez, utilizem o dinheiro para investir em outras ações ou para quaisquer que sejam seus interesses (como demonstrou o escândalo das “Comissões fantasma”), os trabalhadores quando se aposentam, não recebem nem 20% do que fora seu salário outrora. O número é ainda pior para as mulheres, já que metade recebe como aposentadoria menos de 12% do salário.

Isso, sendo que, durante a implementação forçada das AFP’s no regime militar fascista de Pinochet, a propaganda do governo afirmava que os trabalhadores poderiam receber de retorno na aposentadoria até 100% do valor de seu salário.

As exigências econômicas das massas frente ao aprofundamento da pauperização na pandemia se juntaram à luta pela liberdade dos presos políticos da rebelião popular que toma o Chile desde 2019, e também contra os ataques do velho Estado ao povo Mapuche.

Diante disso, o povo se mobilizou energicamente, promovendo bloqueios de rua e “panelaços”, que foram aumentando nos dias seguintes e acabaram se realizando novamente em nível nacional no dia 22.

No dia 20/04, o governo de Sebastián Piñera, genocida e entreguista, anunciou que iria recorrer ao Tribunal Constitucional para se opor ao projeto de lei que autoriza uma terceira retirada de 10% dos fundos de pensão administrados pelas Administradoras de Fundo de Pensão (AFP). Já no dia 25/04, Piñera mudou seu discurso e anunciou seu apoio ao projeto, diante da força estarrecedora das mobilizações em todo o país.

Durante esse dia, o Sindicato Portuário do Chile decidiu por uma “greve nacional progressiva” de suas atividades. Da mesma forma, a Associação dos Trabalhadores do Cobre definiu uma paralisação das atividades em demanda da aprovação da retirada de 10%. Estivadores de Iquique tomaram a Rota 5 Norte e houve manifestações nos portos de Talcahuano, Punta Arenas, San Antonio e Valparaiso. Os estivadores receberam solidariedade internacional através do Sindicato dos estivadores, que anunciaram que interromperiam o trânsito das exportações chilenas se o governo persistir em negar o apoio econômico à população.

O Sindicato dos estivadores também pendurou uma faixa que dizia “Os 10% das AFP para o povo! Não mais AFP!”.

À noite, a Federação Nacional dos Trabalhadores do Cobre confirmou a paralisação da mineração a partir do dia 23, juntando-se ao Sindicato dos Portos.

Em Santiago, capital, as ações mais combativas ocorreram na zona sul, nos bairros pobres das comunas de San Ramon, La Pintana, El Bosque e San Bernardo. Desde o início da tarde, protestos eclodiram com bloqueios de ruas em vários pontos e dois ônibus de transporte público foram queimados. Os protestos continuaram até altas horas da noite, em meio ao toque de recolher imposto pelo velho Estado. Numerosas pessoas foram feridas pelas forças da reação e presas.

Moradores de El Bosque cortam a rua. Foto: Ramón Monroy

Dois outros ônibus Transantiago foram queimados em protesto em Villa Francia, na Estación Central, onde a principal demanda foi levantada em apoio aos presos políticos em greve de fome, que estão exigindo a revogação das modificações do Decreto 321 sobre liberdade condicional [1]. A greve de fome dos presos políticos completava um mês naquele dia.

Em Nuñoa, os protestos no bairro de Rebeca Matte foram reprimidos com prisões e espancamentos por Carabineros (Polícia Militar do Chile) que agiram encapuzados e sem identificação. Na cidade de La Victoria, também em Santiago, um menor de 13 anos de idade foi ferido por bombas disparadas a curta distância por Carabineros.

As palavras de ordem e exigências levantadas pelos moradores incluíam uma Renda Básica Universal, liberdade para os presos políticos e a saída de Piñera.

Em Arica, uma grande manifestação foi realizada. Em Antofagasta, houve manifestações e protestos com bloqueios de ruas em diferentes partes da cidade. No centro de La Serena, organizações populares e aposentados marcharam sob as palavras de ordem Não mais AFP!, Não mais repressão! e Tratamento digno na saúde!

Em Punta Arenas, a repressão ao protesto deixou um jovem que se manifestava com perda de consciência e abandonado no mesmo lugar onde foi espancado por Carabineros.

Outras importantes ações de protesto ocorreram nos setores de acesso ao Porto de Valparaíso e à Mina El Teniente. No setor Placilla, na Rota 68, durante a tarde a rota foi cortada em ambos os sentidos para interromper a passagem de caminhões que se deslocam de e para o porto de Valparaiso. Também em Coya, na cidade de Maitenes, os residentes interromperam a passagem de ônibus com trabalhadores mineiros que estavam a caminho para fazer o turno da noite. Lá eles leram uma declaração que dizia “chega de ricos ficando mais ricos; chega de saúde miserável; chega de corrupção; chega de salários indignos; chega de a AFP ser a dona de nosso dinheiro; chega de fome tomando conta das famílias chilenas”.

De acordo com informações oficiais da imprensa, Piñera ordenou que as Forças Armadas permanecessem prontas durante os meses de abril e maio, caso os protestos continuassem a se intensificar.

Já no dia 23/04, em lago Lanalhue, província de Arauco, a casa do juíz John Landero Salgado, que tomou posse em dezembro passado como juiz chefe do Tribunal de Garantia de San Javier e fez parte da perseguição judicial contra o povo Mapuche, foi incendiada completamente, sendo que foram encontrados panfletos em apoio à luta Mapuche no local. “Se não há liberdade para nossos peñi [homem de origem Mapuche], não haverá paz para o governo”, advertiram os panfletos.

Casa de John Landero Salgado. Foto: Reprodução

Notas:

[1] O Decreto de Lei 321 já havia sido modificado para dificultar o acesso à liberdade condicional aos presos políticos em meio ao auge da rebelião popular no Chile. Entretanto, as propostas de modificações mais recentes estabelecem que “Se houver um relatório desfavorável do Serviço Prisional Chileno para a concessão de liberdade condicional, ela não poderá ser concedida em nenhum caso”.

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