Mapuche marcham em Caracautin contra o velho Estado chileno. Foto: Matiarias.ca.
O machi, ou autoridade espiritual mapuche, Celestino Córdova, condenado a 18 anos de prisão pelo suposto homicídio de um casal de latifundiários, suspendeu no dia 18 de agosto a greve de fome que fazia há 107 dias após conquistar do velho Estado chileno o direito de cumprir a pena em seu território, além de outras exigências. Tal mudança só foi atingida após uma intensa e combativa mobilização popular pela liberdade dos presos políticos mapuche em todo o Chile.
Córdova, preso injustamente em 2013 após supostamente incendiar uma fazenda, o que teria causado a morte de um casal de latifundiários ligados ao assassinato de um jovem mapuche, exigia o direito a visitar sua rewe — território que combina casa e espaço cerimonial, onde fica seu totem sagrado — para renovar ali sua energia espiritual, e para cumprir sua sentença perto de casa.
Ele se encontrava hospitalizado devido ao seu frágil estado de saúde pela greve de fome, na qual só ingeria líquidos, e agora poderá cumprir a pena em um Centro de Educação e Trabalho na cidade de Temuco, capital da região de Araucanía, com menos restrições do que em um presídio comum.
Além disso, terá autorizada sua saída para a sua rewe, “que poderá se estender a um máximo de 30 horas e que se sujeitará às condições impostas pelas autoridades sanitárias e penitenciárias”, dizem os representantes do velho Estado. O direito foi conquistado depois que Córdova disse que aprofundaria a greve, deixando de consumir líquidos, o que lhe daria poucos dias de vida.
O acordo acrescenta que uma dezena de mapuche, também presos, e que faziam greve de fome em apoio a Córdova, não sofrerão qualquer represália pelo protesto. Eles também exigiam cumprir prisão domiciliar enquanto durasse a pandemia, o que foi negado pelo velho Estado.
Em apoio a Córdova, indígenas mapuche ocuparam vários prédios municipais no início do mês de agosto, antes de serem reprimidos pela polícia ou grupelhos a mando do latifúndio, que inclusive gritavam injúrias racistas, capturadas em vídeo. A desocupação gerou confrontos com as forças de repressão, resultando em duas prefeituras incendiadas em La Araucanía, as de Ercilla e Traiguén.
Uma semana antes da conquista de suas exigências, Córdova divulgou uma carta de despedida caso viesse a morrer, na qual escreveu que seria “um orgulho dar a vida pelo meu povo Mapuche”. O velho Estado chegara a considerar alimentá-lo à força, com medo da repercussão que sua morte poderia causar nas massas populares.
Democratas defendem a libertação dos presos
No dia 16 de agosto, quase 20 veículos de imprensa independentes e figuras democráticas se uniram para uma transmissão conjunta em defesa da libertação dos presos políticos mapuche sob a palavra de ordem: Eles são lutadores, não terroristas! Nessa ocasião, seis apresentadores expuseram em detalhes a situação da greve de fome dos presos políticos mapuche dos cárceres de Angol, Tebu e Temuco. Entre os oradores estava Daniela Sierra, advogada, ativista e membro da família de um prisioneiro político, que está atualmente sob prisão domiciliar aguardando julgamento por acusações que dizem respeito a ações democráticas realizadas em apoio aos grevistas.
Segundo Daniela, a greve de fome surge porque todas as vias legais foram esgotadas: “A greve põe em risco tudo o que o prisioneiro têm, quando já esgotaram todas as vias legais internas, quando cada lampejo de justiça já foi violado por eles; quando os tribunais, os promotores, os Carabineros [polícia militar chilena] agiram em coordenação para montar [julgamentos] e condenar aqueles que estão em greve de fome sem provas. É por isso que esta última saída, que é a greve, permanece”. E prossegue: “Temos dentro dos grevistas aqueles que foram condenados a 21 anos de prisão, a 15 anos de prisão”.
A maioria dos grevistas da prisão de Angol ainda não foi condenada e não seria surpreendente que o Estado buscasse tornar suas penas muito altas também, pois desta forma o Estado procura calar, silenciar os mapuche que buscaram ativamente o caminho da luta. Porém, aponta Daniela: “Mas ela [tal ação do velho Estado] gera seu oposto, seu contrário, e hoje temos uma campanha muito maciça, muito ampla, muito generosa de apoio à greve de fome que está ocorrendo na prisão de Angol”.
Sobre a exigência dos grevistas, ela afirma que eles não reclamam a modificação de suas sentenças judiciais – como os ministros, o velho Estado e o governo de turno têm dissimulado. De acordo com a advogada, eles solicitam – mantendo a sentença dos tribunais de justiça – o cumprimento dessa sentença de forma alternativa, como já é indicado na Convenção 169, e pelos meios que tanto a lei processual penal quanto a lei penitenciária existente permitem. Ela coloca ainda que é uma obrigação do velho Estado e do governo de turno atender a este pedido e que a greve de fome só faz acelerar a “roda da história”.
“A dureza do governo também está relacionada a isso, pois sabe que as próximas batalhas legais, processuais e carcerárias serão as dos prisioneiros que vierem, os prisioneiros da revolta. Porque, como presos políticos, eles também exigem e requisitam outras condições prisionais e outras condições de cumprimento em sua condição de presos políticos”, arrematou Daniela.
‘A alimentação forçada é uma tortura’
Sobre a alimentação forçada dos grevistas, ela coloca que o velho Estado argumenta que sua preocupação é com a vida dos presos; entretanto, se o velho Estado estivesse preocupado com a vida do condenado, deveria aplicar a lei e lhe ceder o que exige. “Essa é a maneira de defender a vida do grevista”.
“A forma de defender a vida do grevista não é através da alimentação à força. A alimentação forçada é uma tortura. Quando os tribunais de justiça dão as mãos ao governo e cedem a alimentação forçada aos que hoje estão em greve, eles estão permitindo que corpos fracos, muito fracos, sejam torturados, sejam maltratados, argumentando que estão defendendo a vida”, diz Sierra.
“E esperamos, como parentes dos presos políticos, que os médicos, que a guilda dos médicos não se comportem como torturadores. Porque embora os tribunais tenham concedido a alimentação forçada, e a polícia do exército tenha muita experiência em tortura, ela pode perfeitamente levá-los, maltratá-los, espancá-los e levá-los ao hospital pela força, esperamos que os médicos não se comportem como outros torturadores; que não se comportem como fizeram durante o governo da junta militar fascista, onde deram as mãos com os torturadores do estado para punir e até mesmo produzir a morte de outros manifestantes anteriores. Esperamos que o médico se comporte como deve: se tiver que salvaguardar a vida e a saúde dos grevistas que chegam aos hospitais pela força, ele deve respeitar a autonomia e a decisão, consciente e voluntária, dos grevistas de hoje, de defender a justiça, de defender que a justiça seja aplicada não só em suas causas [daquele preso político em específico], mas também em causas futuras, pois os presos políticos continuarão a existir. Os prisioneiros de Angol são sérios e responsáveis no que estão propondo”.
A advogada termina afirmando que “os 105 dias de greve de fome de hoje são fidedignos, verdadeiros. As condições de saúde em que eles [presos políticos mapuche] se encontram são extraordinariamente preocupantes. Eles perderam 30 quilos e mais. Não sabemos como seus órgãos estão hoje e não sabemos como seus corpos irão agir após tantos dias de greve de fome. “Se o ministro quer salvaguardar a saúde e a vida dos grevistas, deixe-os sentarem com os porta-vozes e esteja pronto para aplicar a lei em vigor”.
Cartaz dos presos políticos mapuche em greve de fome.