Cerca de 40 pessoas morreram, 1.650 ficaram desabrigadas e 3.064 ficaram desalojadas em decorrência da falta de estrutura contra os efeitos do ciclone extratropical formado no último dia 03 de setembro, na costa do estado do Rio Grande do Sul, de acordo com dados da Defesa Civil. O ciclone bateu recordes em número de mortes nas últimas décadas no estado.
Já foram registradas mortes nos municípios de Cruzeiro do Sul, Encantado, Estrela, Ibiraiaras, Lajeado, Mato Castelo, Muçum, Passo Fundo, Roca Sales e Santa Tereza, além de uma morte ocorrida no estado de Santa Catarina. As cidades mais afetadas foram Muçum (14 mortes) e Roca Sales (9).
Como já destacado por este jornal no período das últimas enchentes ocorridas no litoral paulista, que ceifaram a vida de 93 pessoas, os efeitos catastróficos desses desastres naturais são consequência direta da falta de estrutura para monitoramento e contenção das consequências. Desde 2013, houve uma queda abrupta do orçamento destinado a esse tipo de prevenção, contando hoje com apenas R$ 1,2 bi destinados a esse tipo de emergência. Valor pífio ao levar em consideração a frequência em que têm ocorrido no país diversos episódios de alagamentos e deslizamentos como esse.
Destaca-se que o cenário queda abrupta do orçamento ocorrido desde o governo Dilma (PT), em 2013, agravou-se após a aplicação do criminoso teto de gastos em 2017. Esse cenário deve piorar ainda mais nos próximos anos, após a aprovação do novo arcabouço fiscal, medida de reedição do teto de gastos que limita ainda mais o orçamento público.
Feito comVisme
Catástrofe climática ou crime contra o povo?
Apenas no último ano ocorreram enchentes dessa magnitude no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, todas ocasionando em dezenas de mortes. De acordo com o meteorologista George Ulguim Pedra, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os eventos que assolam as massas populares ano a ano são plenamente possíveis de rastreamento, antecipação e contenção:
— “Temos vários relatórios científicos indicando que chuvas ficarão mais fortes, invernos ficarão mais rigorosos e verões terão temperaturas mais elevadas. Só podemos nos preparar para isso, não esperar que esses eventos ocorram, mas antecipá-los. Aí entra em questão a sociedade civil e o poder público responderem o que foi apontado pela academia”, declara.
Fica claro o descaso quando se observa a frequência que esse tipo de fenômeno tem ocorrido e os alertas realizados por meteorologistas. As declarações oficiais e coberturas do monopólio de imprensa tendem a enfatizar esse tipo de ocorrência como obra de uma catástrofe climática global inevitável, por vezes imprevisível, diminuindo assim a responsabilidade do velho Estado nas várias mortes que ocorrem nesses episódios.
De acordo com um estudo produzido pelo próprio governo do estado do Rio Grande do Sul, ao longo dos últimos 17 anos, foram registradas 4.230 ocorrências de fenômenos extremos ou intensos que afetaram diversas populações no estado. Caberia, nesse sentido, além de assegurar um orçamento de prevenção suficiente para amparar as populações atingidas, a adoção de políticas de gestão de riscos que possam mitigar os efeitos de eventos climáticos extremos. De acordo com a doutora em Gestão de Riscos e Desastres da Universidade Feevale, Danielle Martins, não faltam alternativas para diminuição dos efeitos:
— “Nossas cidades foram construídas se amparando em uma infraestrutura cinza, com canalização de rios e impermeabilização do solo. Uma medida importante é investir em soluções baseadas na natureza, em mecanismos que simulam banhados, locais que vão ajudar a reter água, como jardins de chuva, por exemplo. Essas são estruturas urbanas que contribuem para a melhoria da drenagem”, diz.
Há pelo menos 17 anos se observam essas enchentes no estado, com milhares de ocorrências e impactos significativos na vida das massas mais pobres do país, que são as mais afetadas pelos fenômenos climáticos extremos. O ser humano é plenamente capaz de contornar os efeitos desses episódios climáticos e não faltam pesquisas e alertas para identificar as tendências climáticas e antecipar a ocorrência desses fenômenos. Não há como dissimular os efeitos dessas catástrofes como resultado direto do sucateamento do velho Estado brasileiro às medidas de contenção e monitoramento. O episódio deste ano no Rio Grande do Sul soma-se à longa lista dos crimes de Estado contra as massas populares do País.