O conhecido ambientalista Marcos José de Abreu, de Florianópolis/SC, diz que seca na Amazônia e aguaceiro “amazônico” no sul do país não é só uma inversão de imagem, que choca.
Este cenário de “mundo louco” ou “de cabeça pra baixo”, como andam comentando os brasileiros comuns, com espanto, exige refletir com densidade.
“É bem importante uma reflexão profunda sobre os eventos climáticos extremos que vem acontecendo há vários meses no Brasil. Principalmente agosto, setembro, outubro deste ano. É primeiro avaliar que eles não estão dissociados dos eventos climáticos extremos que vem acontecendo em todo o planeta”, afirma ele, que é engenheiro agrônomo, mestrado em Agroecossistemas, tido como referência nacional em Compostagem/Agricultura Urbana/ Agroecologia e Alimentação.
Calor nunca sentido na Europa
“No verão do hemisfério norte aconteceram queimadas históricas e aconteceram ondas de calor históricas. E também houve algumas enxurradas históricas, especialmente na Ásia. É importante que a gente conecte isso com o que tem acontecido aqui no país.”
“(Diversos) meteorologistas atribuem à questão do ‘El Niño’ os eventos climáticos extremos que estão ocorrendo no Brasil, que são basicamente chuvas intensas na região sul e uma seca histórica nunca vista na região norte do país”, diz Marcos.
O deserto na Amazônia
“Regiões amazônicas estão com aspecto de desertificação, regiões banhadas por rios gigantescos, como o Rio Amazonas, como o próprio Rio Negro, o que a gente percebe aí é um desequilíbrio muito profundo das relações ecossistêmicas.”
“Pois sempre foi falado da Amazônia e da sua produção dos rios voadores, e hoje o que a gente percebe é uma concentração de chuvas no extremo sul do Brasil, com enchentes históricas no Rio Grande do Sul.”
E mais: “(Enchentes lá no RS)e também neste último mês de outubro aqui em S.Catarina, e com previsões de muitas chuvas agora para o mês de novembro e um verão muito chuvoso.”
Números desconhecidos
Prossegue Marcos: “Em contrapartida, não há muita perspectiva de chuvas na região amazônica, no norte do país. Isso preocupa imensamente porque esses eventos extremos eles acabam elevando as ondas ou as curvas de equilibrio ambiental para números que a gente não conhece (e nunca viu antes).”
E adverte: “Inclusive corre-se o risco de chegar numa inflexão do ponto de não retorno destes ecossistemas, o que é realmente desesperador. É preciso mudanças sistemáticas e estruturais no modelo da humanidade construir e usar os recursos da natureza, para que a gente restabeleça os ciclos naturais e que não se leve o planeta para um ponto de inflexão.”
Restaurar terra e água, e vice-versa
“Como ecologista, ambientalista e agroecologista, eu ainda acredito muito que é possível caminhar numa perspectiva restaurativa”, declara ele.
“A gente precisa proteger solo; protegendo o solo a gente recupera a água. (Refiro-me a) proteger o solo através de uma agricultura regenerativa, uma agricultura ecológica, uma agricultura de restauração, com sistemas agroflorestais, com agroecologia e com produção orgânica, a gente trabalhando com a reciclagem dos resíduos sólidos para extrair o mínimo possível das fontes naturais.”
E continua: “A gente trabalhando com saneamento ecológico nas cidades, trabalhando com um novo desenho agroecossistêmico para o planejamento urbano e especialmente pensando em tecnologias alternativas para produção de energia e de produção de materiais, aí a gente consegue rever esse modo de produção de consumo.”
Só com mudança profunda
Contudo destaca: “Mas para (se conseguir) isso tem que haver mudanças sistêmicas (politicamente e economicamente falando) muito profundas.”
“A gente vê um cenário catastrófico ou mesmo apocalíptico, mas ainda quero acreditar e confiar que a gente tem hoje ciência, conhecimento científico acumulado, tecnologia suficiente pra fazer esta mudança.”
“Porém, para isso (acontecer) precisa-se de convergências políticas. Convergências da sociedade, setor público, sociedade civil organizada, e outros, pra gente fazer essas mudanças necessárias. Senão, a gente estará caminhando para um futuro impossível.”
“(Um futuro) onde os pontos de inflexão, da natureza dinâmica e ecológica, não nos deixarão mais recuperar ou restaurar esse nível de degradação que nós mesmos produzimos com o modelo capitalista”, conclui.