Manifestantes enfrentam a polícia durante protestos após a tortura e assassinato de um homem depois que ele foi preso pela polícia no bairro de Villa Luz em Bogotá. Foto: AP/Ivan Valencia
Grandes levantamentos de massas ocorreram na Colômbia, após a tortura e assassinato do pai e advogado Javier Ordóñez pela polícia na noite do dia 7 de setembro, capturados em vídeo, que rapidamente viralizou e desencadeou grandes protestos combativos em todo o país.
O vídeo mostra como a vítima, Javier Ordóñez, 43 anos, é atirada ao chão e eletrocutada várias vezes com um taser, apesar de seus apelos. Depois disso, Javier foi espancado até a morte na delegacia de polícia para onde foi levado, disse seu advogado. A vítima era um engenheiro que estava prestes a terminar seus estudos de Direito e tinha dois filhos, informou sua família. Tudo aconteceu pois Javier havia “violado as restrições da quarentena”.
Em apenas dois dias de protestos que se seguiram à sua morte (entre os dias 9 e 10/09), já eram inúmeras as atrocidades cometidas pelas forças de repressão colombianas contra os manifestantes, assassinando pelo menos 13 e deixando um total de 209 feridos.
No dia 9, sete jovens entre 17 e 27 anos morreram em Bogotá e mais três em Soacha, uma cidade próxima à capital colombiana, assassinados a tiros pela polícia. Em resposta e em resistência a essas atrocidades, 194 policiais ficaram feridos e 60 instalações policiais foram danificadas. Mais de 91 veículos foram danificados, incluindo 77 ônibus de transporte público, assim como cinco bancos e três estabelecimentos comerciais.
Até o dia 11/09, 90 pessoas haviam sido presas em conexão com os protestos, sendo 11 menores de idade.
Manifestantes enfrentam a polícia durante protestos após a tortura e assassinato de um homem depois que ele foi preso pela polícia no bairro de Villa Luz em Bogotá. Foto: Reuters
No dia 11 de setembro, protestos em frente aos Comandos de Ação Imediata (CAI) continuaram ocorrendo em diversos bairros de Bogotá, com centenas de pessoas bloqueando as ruas. Em Suba, houve confronto na CAI em Pinar, entre manifestantes e a polícia.
Em outras cidades os CAI também foram atacados, como em Palermo e Manizales. Em Manizales, mais de 500 pessoas chegaram no bairro de El Cable e tentaram incendiar a CAI na área. O Esquadrão Móvel Antidistúrbio (Esmad, força especial militar para combater protestos) interveio para reprimir os manifestantes e houveram confrontos.
Uma manifestante que protestava em Barranquilla no dia 11/09 disse ao monopólio de imprensa El Espectador que “esta é uma luta por todos os assassinatos que ocorreram no país, tanto de lideranças sociais quanto de estudantes; pelos trabalhadores e operários aos quais foram negadas oportunidades. Por não assumir [o governo] a responsabilidade pelas violações que ocorrem por parte da Polícia. Por ser um governo opressivo”, disse Isabel Montesdeoca.
Na segunda noite de protestos, no dia 10/09, o alvo dos protestos foram novamente os CAI da polícia, atacados com pedras, bombas incendiárias, entre outras coisas, com a fúria dos manifestantes sendo alvo da repressão da polícia de choque.
A maior concentração ocorreu no CAI de Villa Luz, onde os dois agentes envolvidos na morte de Javier Ordóñez estavam trabalhando, sendo que os manifestantes tentaram incendiar novamente a instalação policial.
Ao mesmo tempo, grandes enfrentamentos ocorriam em outros bairros entre o povo e o Esmad. Nesses confrontos, os manifestantes atearam fogo e destruíram os CAI em bairros como Las Ferias e La Macarena, e até atacaram novamente o que restava das que estavam em La Gaitana e Verbenal, que haviam sido destruídos no dia anterior
Em Cajicá, município próximo a Bogotá, ocorram grandes protestos e a Prefeitura teve de decretar um toque de recolher em vigor a partir das 17 horas. Apesar disso, os manifestantes permaneceram nas ruas ate a noite e entraram no gabinete do Prefeito, que foi saqueado.
Houveram também protestos em outras cidades como Medellín, Cali, Barranquilla, Manizales, Pereira e Cúcuta.
Denunciam-se assassinatos e torturas
Manifestantes enfrentam a polícia durante protestos após a tortura e assassinato de um homem depois que ele foi preso pela polícia no bairro de Villa Luz em Bogotá. Foto: Reuters
Ferimentos de bala, agressão física e prisões arbitrárias nos protestos em Bogotá foram denunciados por organizações e movimentos populares na colômbia, como no caso do manifestante Luis Felipe Corredor que foi “privado de sua liberdade, colocado em um caminhão, e repetidamente espancado e eletrocutado com o taser em várias ocasiões, até que um carro patrulha interveio”, de acordo com o documento publicado pelo Coletivo de Advogados José Alvear Restrepo.
Também, no dia 14/09, a família do manifestante Cristian Rodríguez denunciou seu assassinato pela polícia durante os protestos. O jovem de 21 anos tinha acabado de completar seu serviço militar e estava dividindo seu tempo entre terminar seus estudos e trabalhar em uma concessionária de motocicletas.
Segundo os membros da família, Cristian, até então, não fazia parte da contagem oficial das vítimas da repressão policial, embora ele tenha sido outra das vítimas da noite de 10 de setembro. Depois de ser baleado na manifestação, Cristian foi levado a um hospital onde morreu na manhã seguinte.
Velho Estado culpabiliza ‘anarquistas e terroristas’ e mobiliza forças de repressão
Diante dos grandes levantamentos populares contra a velha ordem de opressão e exploração, o velho Estado colombiano, sob o governo de turno de Iván Duque, mobilizou imensas forças de repressão e militarizou mais ainda a sociedade já profundamente militarizada.
Cerca de 2 mil policiais e militares foram chamados para reforçar a repressão na capital. “A força policial em Bogotá será reforçada com 750 agentes uniformizados, mais 850 vindos de outras regiões do país. São 300 soldados da 13ª Brigada do Exército que apoiarão o trabalho da Polícia Nacional na capital da Colômbia”, noticiou o ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, no canal de televisão nacional.
Culpabilizando a fúria das massas como “anarquistas e terroristas”, ele acrescentou: “Infiltrações do Exército de Libertação Nacional (ELN), dos dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e outros grupos com diferentes denominações de anarquistas e terroristas que nada mais fazem do que destruir propriedade pública e infraestrutura cidadã dedicada à segurança, como aconteceu recentemente em Bogotá e em outras capitais”, disse.
E, apesar da tentativa de dissimular o rechaço das massas às matanças policiais, os dados mostram que nos últimos seis anos, a rejeição da instituição policial no país tem crescido. A “imagem negativa” cresceu de 40% em média para 57% em agosto de 2020, de acordo com a pesquisa Invamer.
Manifestantes enfrentam a polícia durante protestos sobre a tortura e assassinato de um homem depois que ele foi preso pela polícia no bairro de Villa Luz em Bogotá. Foto: Reprodução/ América Economía