No dia 14 de abril de 2020, faleceu, aos 72 anos, Nilton Gomes Pereira, o companheiro Diquinho, como era conhecido em todo o Complexo do Alemão. Histórica liderança comunitária, incansável na luta em defesa dos direitos do povo, iniciou a militância política ainda jovem, por influência de seu irmão, responsável por despertar nele a chama revolucionária que não jamais se apagaria.
Mineiro do município de Caratinga, veio com a família para o Rio de Janeiro no bojo das ondas migratórias, como milhões de brasileiros. Empregou-se como operário tipógrafo, habilidoso e cioso do seu ofício, do qual recordava com saudosismo. Talvez viesse daí a preocupação que sempre demonstrou com o trabalho de agitação e propaganda entre o povo, diagramando, editando a fazendo circular incontáveis panfletos e jornais pela favela.
Em meados da década de 1970, ingressou nas fileiras do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), à época, uma das mais combativas organizações de resistência ao regime militar fascista, com grande influência nos bairros operários e favelas. Foi neste trabalho entre as massas mais profundas que Diquinho se destacou. Neste período, dedicou-se a estudar o marxismo-leninismo. Nunca vacilou na tarefa de defender, propagar e lutar por aplicar a ciência do proletariado.
Foi vice-presidente da Federação das Associações de Favela do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), na gestão de Irineu Guimarães, importante liderança do Jacarezinho, seu companheiro de MR-8 e uma de suas principais referências políticas. Juntos, organizaram dezenas de associações de moradores em todo o Rio de Janeiro, impulsionando todo tipo de lutas reivindicativas e por moradia, ao lado das consignas políticas gerais contra a ditadura. Foi um dos pioneiros na ocupação do Morro da Baiana, hoje, uma das comunidades que compõem o Complexo do Alemão, local de moradia e trabalho de milhares de trabalhadores. Nesta rica experiência, forjou-se como organizador e agitador de talento, como reconheceria no ato quem o ouvisse falar.
Após romper com o MR-8, militou no PDT, PT e já nos anos 2000, no Psol. Frisava sempre as duras batalhas internas travadas nesses partidos, chegou a candidatar-se por mais de uma vez, mas, sem dinheiro, com campanhas feitas “no braço”, nunca obteve sucesso. Atuou, nos últimos anos, junto ao Movimento de Comunidades Populares (MCP). Jamais negociou ou relativizou suas convicções em troca de lugarzinhos rendosos ou cargos. Manteve-se fiel à lição de viver, lutar e trabalhar com as massas. Coerente com sua posição de classe, avançou para a defesa do boicote à farsa eleitoral. Quando, aproximadas as eleições, algum morador questionava-o se viria candidato, saía de lá convencido por ele a não votar.
Em 2009, fundou o Conselho Popular do Complexo do Alemão, que seria, na sua concepção, uma alternativa à cooptação pelo velho Estado que acometeu a maior parte das associações de moradores. Insistia, igualmente, na necessidade de mobilização da juventude. Por isso, impulsionou a criação do Pré-Vestibular comunitário, montado no terraço de sua casa, como espaço que combina estudo formal e formação política. Neste ano, o Pré-Vestibular, que era um dos seus maiores orgulhos, completará dez anos de existência.
O genocídio continuado promovido pela Polícia e Forças Armadas, que dessangra as favelas do Rio de Janeiro, sempre teve nele um incansável denunciador. Assim foi em 2010, no esteio da megaocupação militar do Complexo do Alemão, em que as “forças legais”, com o incentivo da Rede Globo, praticaram incontáveis atrocidades contra os moradores – torturas, estupros, prisões arbitrárias e assassinatos – sob o mantra de “pacificação”; ou no ano passado, quando o terrorista e assassino Wilson Witzel foi o responsável pela bárbara execução da menina Ágatha. Em todos esses episódios, a sua voz contundente fez-se ouvir. Essa mesma postura combativa adotava na defesa da assistência de saúde, educação, água, enfim, não havia a menor reivindicação do povo que não encontrasse nele o mais ardoroso defensor.
Abnegado, colocava a causa à frente de tudo. Sem luxo ou privilégios, extremamente solidário, pronto para ajudar aqueles que batiam em sua porta, viveu de forma modesta, e seguiu até o fim empunhando a bandeira da Revolução. O Movimento Classista dos Trabalhadores em Educação (Moclate), o Movimento Feminino Popular (MFP), a Unidade Vermelha – Liga da Juventude Revolucionária (UV-LJR) e outras organizações democráticas e revolucionárias sempre encontraram sua casa de portas abertas.
No último dia de vida, o companheiro cedeu sua casa para a distribuição de cestas básicas aos moradores da favela, organizada por professores da região. Foi vítima deste velho Estado podre, reacionário, que não o assistiu com as condições médicas mais básicas, que provavelmente lhe permitiriam ainda estar vivo. Entre idas e vindas, sempre precárias, a hospitais da região, alguns dos quais negaram-lhe atendimento, Diquinho faleceu em casa, ao lado dos seus companheiros. Passaram-se dez horas entre o último pedido de socorro e a chegada da ambulância. Seu corpo sequer foi submetido ao teste de Covid-19 e a causa da morte foi dada como “indeterminada”.
Companheiro Diquinho: sua perda é inestimável! Sua célebre teimosia, para muitos, mero traço de personalidade, era na verdade a maneira que ele encontrou de não ceder nem se curvar jamais. Seu último suspiro encontrou-o fiel à causa do comunismo. Sua trajetória é exemplo para as jovens gerações e é compromisso irrenunciável da nossa parte levar sua memória adiante.
Companheiro Diquinho, presente na luta!