Foram condenados, a uma hora atrás, os executores confessos de Marielle Franco e Anderson Gomes, seu motorista, após mais de 6 anos de impunidade e sabotagens das próprias “autoridades” às investigações. Ronnie Lessa foi condenado a 78 anos e 9 meses, e Élcio de Queiroz, que conduziu o veículo na execução, foi condenado a 59 anos e 8 meses. Os crimes foram duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e sem defesa à vítima), tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora que sobreviveu; e receptação do veículo, clonado, usado na ação.
No entanto, o julgamento, verdadeiro espetáculo, foi montado para saciar o desejo de justiça sem tê-lo ainda atendido. Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa, executores confessos, obviamente cumpriram ordens: isso, eles mesmos relatam e apontam os irmãos Brazão como mandantes. Mas nenhum elemento concreto liga os executores a Brazão: os supostos encontros, por exemplo, não foram comprovados; nenhuma câmera, nenhuma informação de localização de celular, nada colocou os supostos mandantes, delatados pelos executores, nas cenas do crime ou de seus preparativos. Em março deste ano, a própria Polícia Federal, que investiga os Brazão, admitiu não ter provas. A única coisa contra os Brazão é a delação — que, a julgar pelos delatores, paramilitares de extrema-direita sem escrúpulos, não guardam nenhuma credibilidade, embora a ficha corrida dos irmãos Brazão os credenciem a qualquer crime.
Mas, o fato é o fato: executores, confessos, condenados, sem que se tenha algum caminho concreto dos mandantes. O “show midiático” de louvor à “justiça”, que “tarda mais não falha”, prepara o caminho para manter encoberto o mandante — pois, sim, ele não é da família Brazão.
Há muitas questões e pontos a investigar, que ligariam o senhor Jair Bolsonaro e outros golpistas aos executores, e que ninguém sequer menciona.
Por exemplo: por que Rivaldo Barbosa, um dos investigados por ser um facilitador do crime, foi indicado para a chefia da Polícia Civil, em plena intervenção militar no Rio (2018), um dia antes da execução de Marielle Franco, em que pese a inteligência da instituição ter contraindicado tal medida por não considerá-lo honrado ao cargo? O que motivou os generais, então responsáveis, Braga Netto e Richard Nunes, a tomar tal atitude?
Outra questão: por que, durante a intervenção militar, houve tanta interferência explícita nas investigações, destruição de provas, sumiço de inquérito, trocas de responsáveis etc., e os generais interventores não tomaram providências?
E há mais: por que não se investiga a fundo o assassinato de Adriano da Nóbrega, membro do “Escritório do Crime”, em 2020 (governo Bolsonaro), durante uma estranha operação policial na Bahia, denunciada como operação de “queima de arquivo” por sua esposa? Por que não esclarecer o motivo da execução de Adriano, ocorrida justamente quando ele passou a ser investigado por envolvimento na morte de Marielle, e apontado, pelos executores, como intermediário do mandante? Por que ninguém menciona que Adriano da Nóbrega, quando investigado, foi gravado em telefonema citando “o homem da casa de vidro” (referência ao Palácio da Alvorada?) e dizendo que “se fode” por ser “amigo do presidente”? Por que ninguém diz que os membros do “Escritório do Crime” procuraram, inclusive, segundo as gravações, uma interlocução com Bolsonaro, quando Adriano estava sendo investigado? Será isso irrelevante para a investigação?! E mais: por que não se investiga as relações que Adriano da Nóbrega possuía com Flávio Bolsonaro, chegando a ter sua esposa e mãe empregadas no gabinete do filho de Bolsonaro? Por que ninguém diz que o próprio Bolsonaro havia visitado Adriano da Nóbrega quando este foi preso em 2004-2005? Por que, apesar desses escandalosos pontos de intersecção entre Bolsonaro e o caso Marielle, ainda assim, o ministro do governo Luiz Inácio, Ricardo Lewandowsky, ainda assim, considera o caso concluído?! A quem todos eles estão querendo acoitar, ou melhor, por quê?!
E, por fim: por que não se retomou o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, segundo o qual, no dia 14 de março de 2018 (o dia da execução de Marielle!), Élcio de Queiroz, o motorista na noite do crime, entrou no condomínio, constando seu nome no livro de visitantes, tendo se dirigido à casa 58, cujo proprietário é Jair Bolsonaro? Ou seja, por que a investigação não apurou se Élcio de Queiroz foi à casa de Bolsonaro no dia do atentado, como afirmou o porteiro do condomínio!? O porteiro, que disse isso em 2019, quando Bolsonaro era presidente, foi pressionado e voltou atrás em suas afirmações. Mas, por que as investigações não retornaram a esse depoimento, buscando apurar essas informações? Por quê?
O STF julgará o caso do mandante do assassinato de Marielle e Anderson; os únicos acusados são os irmãos Brazão. Está se desenhando, a olhos vistos, a maior falcatrua jurídica da história recente e, sem dúvidas, o mais escandaloso caso de acobertamento de um assassinato político, de uma então vereadora, em plena intervenção militar. Se alguém quer uma prova maior de que não existe justiça para o povo nesse sistema e de que a velha democracia está morta, aqui está a maior de todas.
A questão que não quer calar, já nem é mais “quem mandou matar”, porque os elementos para resolver essa questão estão bem à nossa frente. A questão é: por que estão acobertando o mandante da execução de Marielle Franco?