No dia 28 de novembro, o secretário do Comitê da Copa do Mundo no Catar, Hassan Al-Thawadi, afirmou que cerca de 500 trabalhadores morreram nos vários preparativos para o festival futebolístico no país. O resto do Comitê, desesperado para contornar a situação, contrariou o próprio secretário e afirmou que o número é relativo a todas as mortes relacionadas ao trabalho no país entre 2014 e 2020. A confissão de Al-Thawadi veio à tona após anos de denúncias de superexploração e morte que atingiram milhares de trabalhadores nas inúmeras construções para a preparação do campeonato mundial da Fifa – entidade que explora o esporte mais popular do planeta no objetivo de enriquecer a seus próprios dirigentes e para incrementar os lucros de um punhado de monopólios imperialistas a ela associadas.
Os números divulgados pelo reacionário Hassan Al-Thawadi se somam a outras estatísticas sobre a morte de trabalhadores no Catar. Em 2021, o monopólio de imprensa The Guardian noticiou que 6.500 trabalhadores imigrantes haviam morrido no país asiático desde seu anúncio como país-sede da Copa do Mundo de 2022. No mesmo ano, um relatório da Anistia Internacional afirmou que 15.021 imigrantes morreram no país entre 2010 e 2019.
O regime teocrático-feudal do Catar, como que querendo reduzir a gravidade da situação, respondeu às reportagens afirmando que não se tratavam de mortes de trabalhadores envolvidos diretamente nas obras da Copa do Mundo, mas sim de todos os trabalhadores e imigrantes que haviam morrido no país no período de tempo analisado. Assim, na tentativa de isentar a Fifa e a Copa do Mundo da responsabilidade das mortes, o governo reacionário do Catar confirmou a existência generalizada de relações de trabalho pré-capitalistas, responsável pela superexploração e assassinato de milhares de operários, que serve de sustentáculo ao regime teocrático-feudal do Catar, serviçal do imperialismo.
À custa de lançar os trabalhadores nativos e imigrantes à morte nos mega-empreendimentos dos poderosos, o velho Estado catari vai atrás de superlucros que virão do campeonato mundial, dos investimentos turísticos e da corrupção generalizada que beneficiarão a Fifa, os monopólios imperialistas e um reduzidíssimo número de sheiks – latifundiários, grandes burgueses e altos burocratas do aparelho estatal teocrático-feudal.
Mortes e superexploração no Catar
A força de trabalho no Catar é quase em totalidade composta de trabalhadores imigrantes. Atualmente, em torno de 88% da população do país é composta desses imigrantes, sobretudo de países como Nepal, Índia, Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh. Esses trabalhadores vão para o Catar mediados por agências de emprego, momento em que a exploração se inicia.
As agências oferecem aos trabalhadores contratos de empregos bem remunerados no Catar, mas exigem, de maneira adiantada, pagamento de taxas de importação, exames médicos, passaportes, vistos e a própria passagem dos voos. Para cumprir com os pagamentos, os trabalhadores frequentemente se endividam com as agências ou com bancos imperialistas em seus países de origem.
Uma vez no Catar, os trabalhadores descobrem que os contratos de empregos bem remunerados eram fajutos. Na realidade, grande parte desses trabalhadores são então submetidos ao chamado “regime de trabalho Kafala”, que vigorou no país até 2020 e já era conhecido pela Fifa quando o Catar foi escolhido para sediar a Copa do Mundo. Segundo esse regime, os trabalhadores que migram para o Catar precisam de um “patrocinador” para conseguir o visto de permanência e trabalho no país.
Na grande maioria dos casos, os “patrocinadores” dos trabalhadores acabam sendo os próprios empregadores, que tornam-se então os responsáveis pelo visto e pela condição legal do funcionário no país. Assim, todos os direitos básicos do trabalhador, como a mudança de emprego e o retorno para a casa, passam a depender de uma aprovação do empregador, que deve conceder um “certificado de não-objeção”.
O sistema ainda permite diversos abusos por parte dos empregadores que atuam a serviço das empresas imperialistas, como o confisco dos passaportes, a imposição de longas jornadas de trabalho e a retenção de salários para pagar dívidas de traslado e acomodação do trabalhador. Apesar da proibição do Kafala em 2020, milhares de imigrantes ainda são obrigados a trabalhar sob as regras.
Além do sistema Kafala, o Catar possuía, até 2020, total ausência de diversos outros direitos básicos favorecia a superexploração dos operários no país: a legislação trabalhista Catari não tinha a determinação de um salário mínimo a ser pago aos trabalhadores e nem de um limite de horas diárias de trabalho. Contudo, da mesma forma que a abolição do sistema Kafala, as outras mudanças na legislação trabalhista (aplicação do salário mínimo e quantidade de horas de trabalho), não foram seguidas pelos monopólios imperialistas que exploram os operários no país e nem fiscalizadas pelas instituições do velho Estado do Catar.
Sob essas condições de trabalho, os imigrantes no Catar eram forçados a trabalhar uma média de 14 horas por dia sob temperaturas que atingiam em torno de 50°C. O horário de almoço era extremamente reduzido, frequentemente limitando-se a poucos minutos para alimentação. Os operários que trabalhavam em andaimes eram punidos pelos empregadores quando desciam da estrutura para beber água ou descansar do Sol. Após o trabalho, os operários eram levados para alojamentos distantes da cidade, nos quais dormiam em quartos pequenos, superlotados (em torno de 13 operários por quarto, em alguns casos) e sem a mínima condição de higiene. Frequentemente, baratas eram encontradas nos quartos e colchões.
Essas condições não são impostas somente em projetos realizados por empresas do Catar ou nos estádios da Fifa, mas também por empresas imperialistas que atuam no país. Em 2016, trabalhadores imigrantes do Catar acusaram empresas britânicas de cometer diversos abusos, desde a retenção de pagamentos até o confisco de passaportes e alojamento de trabalhadores em condições precárias.
Foi sob essas condições miseráveis de trabalho do velho Estado teocrático-feudal do Catar, apoiado incessantemente pelos imperialistas em sua sanha por superlucros, que milhares de operários pereceram nos canteiros de obras e alojamentos superlotados. Essas mortes, que o velho Estado do Catar buscava disfarçar em termos genéricos como “paradas cardiorrespiratórias”, tinham como razão de fato a exaustão e derrames por calor, como mostraram investigações realizadas entre os trabalhadores.
Copa no Catar: a farra da Fifa e dos imperialistas
Além dos estádios, diversos outros investimentos ocorreram no país para sediar a Copa do Mundo. O número de hotéis no país cresceu de 66, em 2010, para 109, em 2019. A meta do país era construir 130 mil quartos de hotéis para sediar os turistas que chegariam ao país para assistir o festival. Muitos destes investimentos foram feitos em acordos com empresas imperialistas.
Empresas de ao menos 43 países investiram no Catar somente nos últimos anos. O Estados Unidos (USA) lidera a competição, com 69 empresas imperialistas ianques com novos investimentos no Catar, como Google, Microsoft e redes de hotéis como Centara, Hilton e Marriott. A Inglaterra é a segunda em número de empresas com investimentos no país. Ao todo, 31 empresas imperialistas britânicas investem no país-sede da Copa do Mundo.
Em 2018, firmas imperialistas britânicas calculavam que lucrariam mais de 1,5 bilhões de libras (R$ 9,5 bilhões) com os investimentos para a Copa do Mundo. Até aquele ano, o lucro já havia sido de 940 milhões de libras (em torno de R$ 60 milhões).
A Inglaterra é o país que historicamente dominou o Catar, com influência na região desde o século 19, e que até hoje exerce uma profunda dominação no país. O Catar é o maior comprador de armas da Inglaterra e até hoje os militares e monarcas do país asiático são treinados pelo exército britânico.
Lado a lado das empresas imperialistas, a Fifa, que em sua definição é uma “instituição sem fins lucrativos”, calculou lucros de 7,2 bilhões de dólares (R$ 37,5 bilhões) para o ciclo de quatro anos da Copa do Mundo do Catar (2018-2022). O número representa um aumento de 1,1 bilhão de dólares (R$ 5,7 bilhões) se comparado ao último ciclo de quatro anos da Copa do Mundo da Rússia.
O montante acumulado pela Fifa também representou um aumento expressivo se comparado aos lucros acumulados com a Copa na África do Sul (2010), que foram em torno de R$ 3,2 bilhões no ciclo de 2007 e 2010 e mais R$ 19 bilhões em contratos feitos durante 2010, e com a Copa do Mundo no Brasil (2014), que rendeu R$ 16 bilhões para a entidade à serviço dos imperialistas.
A atuação da Fifa, empresas imperialistas e empresas monopolistas locais deixou claro que os crimes contra o povo como resultado da Copa do Mundo não são exclusividade do Catar. Também no Brasil e na África do Sul explodiram casos de exploração dos operários, destruição de escolas, remoção de milhares de pessoas de suas casas (mais de 80 mil famílias no Brasil) e forte repressão contra aqueles que ousaram levantar e se opor ao festival.
Os lucros exorbitantes da Copa do Mundo de 2022 representam uma particularidade importante do atual momento, em que o imperialismo enfrenta a mais grave crise de sua história. Em meio a essa crise, os imperialistas, os sheiks Catari e os dirigentes magnatas da Fifa usam a Copa do Mundo em um país que apresenta um regime teocrático-feudal no objetivo de aumentar exponencialmente seus lucros e exportar seus capitais na forma de novos investimentos no país árabe. Tudo isso às custas dos direitos mais básicos e das vidas de milhares de trabalhadores imigrantes forçados a trabalhar em regimes de servidão e em meio à uma grave crise geral do imperialismo.
Foto principal: Marwan Naamani/AFP/Getty Images