Famílias de migrantes aguardam no Escritório de Inspecionamento geral/Departamento de Segurança Interna. Foto: Getty Images
Daimy Garcia, 28 anos, uma requerente de asilo de Cuba, descreve a situação dos migrantes em centros de detenção como uma “bomba relógio”, durante a crise sanitária do novo coronavírus. Os centros, cada vez mais superlotados e insalubres, com os detentos sofrendo repressão constante dos guardas, podem significar a morte e adoecimento de centenas, até milhares de migrantes presos, que tentaram adentrar a fronteira do USA, ou que já viviam no país.
Seis detidos do U.S. Immigration and Customs Enforcement (ICE) ou “Imigração e Alfândega do USA” – cinco em Nova Jersey e um no Arizona – tiveram resultados positivos no teste da doença, juntamente com cinco funcionários do ICE, que trabalham em diferentes centros de detenção, e dois funcionários de centros de detenção privados, segundo o ICE. Um dos funcionários trabalhava em um Centro de Detenção em Lumpkin, Geórgia, que detinha mais de 1.500 detidos até o início de Março.
Cerca de um terço dos 43.000 imigrantes detidos até 2 de Março de 2020 estavam alojados em instalações que têm apenas um hospital – ou nenhum, com leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) num raio de 40 quilômetros, de acordo com uma análise do monopólio Reuters dos dados do American Hospital Directory e do ICE. De acordo com a análise, sete centros de detenção sem hospitais nas proximidades tinham no total cerca de 5.000 detidos.
Migrantes mulheres detidas nos Centros de Detenção protestam erguendo placas “Ajude-nos, temos medo da Covid-19”, “Somos migrantes, não criminosos” e “Queremos liberdade.”
Da mesma forma, outros centros – cada um alojando centenas de pessoas, muitas vezes em bairros próximos – estão localizados em comunidades afastadas, longe de hospitais capazes de lidar com uma onda de pacientes com Covid-19. Os surtos de centros de detenção nessas áreas podem rapidamente inundar os hospitais locais, ameaçando sua capacidade de tratar os residentes locais juntamente com os detidos.
No centro de detenção de Louisiana, a situação é especialmente precária. De acordo com entrevistas realizadas pela Reuters com trabalhadores de saúde locais, e funcionários dos centros de detenção, o governo do arquirrecaionário Donald Trump quadruplicou o número de detidos no Estado – para quase 7.000 – como parte do incremento da política repressiva contra imigração. E os hospitais da Louisiana já estão completamente cheios ao lidar com um dos surtos de coronavírus de crescimento mais rápido do mundo.
O hospital mais próximo de quatro das instalações da Louisiana – que, no seu conjunto, detém uma média de 3. 700 presos – é o Winn Parish Medical Center, que tem apenas 46 leitos ao total e cinco leitos de UTI. Estes pequenos hospitais rurais, caso um surto começasse nos centros, seriam obrigadas a enviar os doentes para os grandes hospitais regionais, que já estariam superlotados.
‘Uma bomba relógio’
As instalações do ICE têm cuidados médicos internos, mas os serviços e equipamentos disponíveis variam muito, disse Scott Allen, médico e consultor do Departamento de Segurança Interna que inspecionou os centros de detenção. Alguns centros rurais têm apenas uma pessoa que presta serviços médicos, um problema se esse prestador de cuidados adoecer, disse Allen numa carta que escreveu ao Congresso do USA, no dia 19 de março.
Cinco detidos no centro da Louisiana do Sul, que acolhe mais de 670 homens e mulheres, denunciaram em entrevistas que as condições dentro do centro não lhes permitem proteger-se, por exemplo, lavando frequentemente as mãos ou mantendo distância social. Disseram que recentemente cada um só recebeu uma barra de sabão em miniatura e que não lhes foram fornecidos produtos de limpeza.
Daimy Garcia, detenta, relatou que mais migrantes foram recentemente transferidos para a sua unidade, o que dificulta o distanciamento social. Segundo ela, a sua unidade conta atualmente com mais de 70 mulheres vindas de diversos países, dentre eles, Camarões, China, Brasil, Cuba, México e América Central.
Pablo Paez, porta-voz do Geo Group (empresa privada dona dos centros de detenções), disse que tais denúncias seriam “infundadas” e “instigadas por grupos externos com agendas políticas”.
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Presos escondem sintomas com medo de represália
O Centro Correcional Catahoula, Louisiana, alberga uma média diária de 500 detidos – população carcerária esta maior que o total de habitantes da cidade próxima, com 330 residentes. Quatro detidos no centro disseram à Reuters que alguns imigrantes têm sintomas da doença, mas os escondem, para evitar serem isolados nas mesmas celas de isolamento que o centro utiliza para punições.
Alfonso Diaz, um requerente de asilo cubano de 58 anos com problemas cardíacos, disse que partilha um dormitório com 100 outros homens, todos a dormir em beliches de três andares e a partilhar quatro banheiros com seis duchas. Ele ainda denunciou que os guardas não usam equipamento de proteção e falam aos detidos para ignorarem as notícias sobre o vírus.
Detentos masculinos se aglomeram em centro de detenção no Texas. Foto: Josh Dawsey/The Washington Post via AP, Pool
O Surto ‘seria esmagador’
As autoridades de saúde pública dizem que os riscos para os centros de detenção são graves. Carlos Franco-Paredes – um médico de doenças infecciosas do Colorado que trabalhou em centros de detenção – disse que um surto da infecção numa quantidade de 1.500 detidos poderá exigir entre 150 e 175 internamentos em UTI.
O Centro de Processamento ICE da Louisiana do Sul está próximo da cidade de Basile – 1.700 habitantes. A cerca de 40 minutos de distância fica o Centro de Processamento de Pine Prairie, noutra pequena comunidade. Juntos, os centros albergam uma média de 1.300 pessoas detidas. As duas instalações, juntamente com o centro de detenção Jena, são geridas pelo Geo Group, uma mega-empresa privada contratada pelo ICE. A meio caminho entre as duas unidades de detenção está o Centro Médico Savoy – com apenas 10 leitos de UTI e 6 ventiladores, afirmou o chefe executivo Gene Burge.
Um surto “seria esmagador para uma área como esta”, afirmou Burge à Reuters.
Crianças, filhos de migrantes, dormem em colchonetes no Centro de Processamento Mc Allen. foto:Handout/US Customs and Border Protecti/Zuma Wire/Rex/Shutterstock