Protesto contra mineração no Parque Serra do Rola Moça. 24 janeiro 2021. Foto: Banco de dados AND.
No último dia 25/01 se completaram dois anos do hediondo crime premeditado cometido pela Vale, por meio do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, localizada em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. Ainda estão nas mentes e corações do povo de Brumadinho e de todo o país as comoventes e revoltantes cenas do verdadeiro mar lama e rejeitos tóxicos invadindo a comunidade que leva o nome da mina. A descomunal enxurrada de cerca de 12 milhões de metros cúbicos (1 metro cúbico equivale a 1.000 litros), se espalhou com uma violência inacreditável, numa velocidade de aproximadamente 80 quilômetros por hora, destruindo tudo o que encontrou pela frente [1] e ceifando a vida de quase 300 pessoas (segundo dados oficiais foram resgatados 270 corpos e 11 ainda seguem desaparecidos), muitos das quais trabalhadores da Vale, multinacional sediada no Brasil e controlada por capitais imperialistas de diferentes países como USA, China e Canadá e que é uma das maiores mineradoras do mundo.
Para além das quase 300 vidas e famílias destroçadas (o que não tem preço!), os danos causados pela Vale ao povo e ao país são incalculáveis e, até o momento, a Vale “terrorista e assassina” segue impune. Afora o pagamento do mínimo possível de indenizações [2] e muito dinheiro gasto com ações publicitárias buscando minimizar sua responsabilidade, tudo o que a Vale faz é dizer que está trabalhando para reparar os danos, enquanto, na prática, nenhum de seus executivos foi responsabilizado criminalmente e a maioria dos atingidos, direta ou indiretamente, pelos crimes da mineradora só podem contar com suas próprias forças e com aqueles que os apóiam sinceramente. A Vale se nega pagar a indenização cobrada pelo Estado, mesmo o governo já tendo reduzido o valor cobrado de 54 bilhões de reais para 40 bilhões. A mineradora só aceita arcar com 29 bilhões, ou seja, pouco mais da metade do valor inicialmente exigido [3].
Homem soterrado pelo mar de lama da Vale em Brumadinho. Foto: Banco de dados AND.
Qual seria a real dimensão dos crimes cometidos pela Vale em Brumadinho e região?
Após o rompimento da barragem em Brumadinho, os rejeitos tóxicos da mineração atingiram, pelo menos, 52 mil moradores de 26 cidades. Segundo a Associação Estadual de Defesa Social e Ambiental (Aedas) e o Instituto Guacuay essas são vítimas propositalmente esquecidas pela Vale, que, arbitrariamente, definiu que “apenas a população de Brumadinho e quem vive a 1 km das margens do Rio Paropeba teriam acesso à repasses mensais de até um salário mínimo” [4].
No entanto, milhares de pessoas que vivem em municípios cortados pelo rio Paraopeba, particularmente comunidades que sobrevivem da agricultura e da pesca, tiveram suas fontes de renda afetadas drasticamente, além de inúmeros danos à saúde, como, por exemplo, intoxicações gastrointestinais e doenças de pele diversas. Dentre esses atingidos estão indígenas da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe, que viviam na aldeia Naô-Xohã, às margens do Paraopeba, na cidade de São Joaquim de Bicas, localizados a cerca de 40 quilômetros do epicentro da tragédia em Brumadinho [5].
Cidades atingidas pelo mar de lama da Vale Foto: Banco de dados AND.
Ainda segundo a Aedas, 62,51% dos atingidos não exercem nenhum tipo de atividade remunerada em Betim, Juatuba, Mário Campos e São Joaquim de Bicas. O documento da associação afirma ainda que 67% dos atingidos de São Joaquim de Bicas tiveram diminuição de renda após o rompimento da barragem da Vale. Em Mário Campos, este índice chegou a 66%. Em Juatuba, o número foi 64% e 63% em Betim. Esse mesmo documento revela que mais da metade das famílias atingidas pelo crime da Vale tiveram seu abastecimento de água drasticamente prejudicado. A esse respeito, o próprio Estado, por meio do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), constatou que as águas do rio Paraopeba entre Brumadinho e Pompéu estão impróprias ao consumo humano.
A situação é tão grave que, ainda segundo a Aedas, 12% dos atingidos de São Joaquim de Bicas, 11% dos de Betim, 7% dos de Mário Campos e 6% dos de Juatuba estão enfrentando sérias dificuldades para ter acesso à água potável. Ainda acerca dos problemas de desabastecimento causados pela Vale, cabe destacar que o “Sistema Paraopepa”, responsável por quase a metade do abastecimento de água de BH e região metropolitana, está desativado desde o rompimento da barragem em Brumadinho.
22 primeiras vítimas identificadas após crime da Vale em Brumadinho. Foto: Banco de dados AND.
Mineradora Geral do Brasil (MGB) ameaça o “Parque Serra do Rola Moça”
No último domingo, 24/01, centenas de pessoas protestaram em Brumadinho, na região de Casa Branca, contra a iminente concessão, pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), de licença ambiental requerida pela Mineradora Geral do Brasil (MGB). Por meio do pretendido empreendimento, a MGB espera extrair “17 milhões de toneladas de minério de ferro em seis anos de operação com o transporte do minério sendo feito através de caminhões por dentro do parque” [6], “numa área contígua aos limites do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, que está localizado às margens da rodovia BR-040, na junção entre as serras do Curral e da Moeda, e que abrange quatro municípios (Brumadinho, Nova Lima, Ibirité e Belo Horizonte)” [7].
No “Boletim Eletrônico de Casa Branca e Região” de 24 de janeiro de 2021 os moradores afirmam: “indignação com o Governo Zema por pretender dar seguimento ao Projeto do Rodoanel com o seu traçado passando pelo Parque do Rola Moça e demais áreas que contém mananciais essenciais para o abastecimento de água da região metropolitana de BH”. Os moradores se posicionam ainda contrariamente à construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto na localidade, que poderia “trazer o aumento de contaminação dos Córregos com coliformes fecais”.
Diferentes órgãos e entidades, como o Ministério Público de Minas Gerais e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente já emitiram pareceres contrários ao empreendimento da MGB no Rola Moça, mas, mesmo diante forte opinião pública desfavorável, a pressão do lobby das mineradoras se demonstra persistente e persuasiva. Para ilustrar tal fato basta mencionar que, segundo dados da própria Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais, “90% das decisões das pessoas que ocupam os cargos de conselheiros nas cadeiras destinadas ao Governo do Estado e à iniciativa privada são sempre em conjunto e invariavelmente a favor da mineração, independente do impacto causado por seus novos empreendimentos” [8].
Perguntado sobre os possíveis impactos do retorno da mineração na Serra do Rola Moça, o Grupo de Pesquisa Manuelzão, ligado à UFMG pondera: “A mina fica na Zona de Amortecimento do parque, isto é, na área que fica ao redor da Unidade de Conservação, em Casa Branca, nos limites entre Brumadinho e Ibirité [9]”. Nesse mesmo sentido, vai o depoimento de um morador de Casa Branca, que, por motivos óbvios, preferiu não se identificar: “a MGB age como ponta de lança do interesse dos monopólios ligados à mineração e que estão de olho grande nas riquezas contidas em todas as serras da região metropolitana de BH, como a do Rola Moça e a própria Serra do Curral, que é um símbolo da capital”.
Estudantes protestam contra crime da Vale em Brumadinho. Maio de 2019. Foto: Banco de dados AND.
Notas:
[1] https://www.politize.com.br/barragem-de-rejeitos/
[2] Até janeiro de 2021, a Vale só teria pago 3,7 bilhões de reais em indenizações e auxilio emergencial, por meio de 7.100 acordos civis e 1.600 acordos trabalhistas. Fonte: https://noticias.r7.com/minas-gerais/brumadinho-efeito-cascata-da-tragedia-da-vale-deixa-52-mil-pessoas-invisiveis-25012021