Crônica: Ibrahim

Foto: Reprodução | Instagram @feiradageneralglicerio

Crônica: Ibrahim

Para sair do computador, descansar a cabeça, o corpo e as mãos, ela decidiu ir à feira de rua. Uma instituição brasileira, onde os pastéis reinam soberanos. Pastéis de tudo, crocantes e cheirosos. E supinamente saborosos: de carne, queijo, banana, legumes e, comumente, de… vento.

Pois que na primeira mordida sai uma lufada de ar quente de dentro dele. Só que, para sua surpresa, em um canto, escondidinhas em outra barraca, estavam as esfihas, novas habitantes do local. E atrás da bancada um legítimo libanês, Ibrahim. Com sua gentileza e seus olhos castanhos pestanudos, sorriso amigável e seu indefectível sotaque.


Depois de uns minutos de conversa, ela soube que aprendera português com a mulher brasileira e na internet. Difícil a língua? Sim, respondeu ele, principalmente os verbos ‘Vir e Ver’. Já há anos no Brasil e não conseguia distinguir a conjugação deles. Ela concordou. Mesmo para os nativos, são verbos complexos. Falaram também dos beduínos e tuaregues que, como os ciganos, são nômades. Do que comem, do que vestem, de suas idas e vindas através dos desertos, de sua hospitalidade. Ela se lembrou de um belo livro, “Tuareg”, que lera anos atrás, escrito por Vázquez-Figueroa.


Foi Ibrahim quem, primeiro, tocou no assunto da guerra. Embora desejosa de fazê-lo, ela não queria invadir sua privacidade, mexer com dores e lutos recentes. Talvez ele sentira firmeza no fato de ela ser professora que se supõe ser gente confiável. Ou porque ele estava transbordando de tristeza e mágoa, e ódio. Falaram dos ataques através dos pagers e walkie-talkies, dos bombardeios, do sofrimento sempre renovado. Da preocupação com o futuro das famílias, dos amigos. E da guerra genocida à Palestina, e das crianças assassinadas. E da retaliação que, cedo ou tarde, virá. I nisso ele fora enfático. Com olhos úmidos e voz embargada, ambos deixaram que a feira, seu constante burburinho, lhes interrompesse a conversa.


Ela perguntou se havia esfiha de frango, ou de queijo, suas preferidas. Levou o suficiente para seu almoço. Com a acréscimo de uma oferecida por ele. Ele lhe informou que logo traria quibes e um doce cujo nome ela não entendera bem.


Ibrahim é mais um dos milhares de imigrantes que aqui chegam e deitam raízes, reconstroem suas vidas. A maioria deles gostaria de estar em suas terras, a despeito de serem razoavelmente bem-vindos em nosso país. Sua diáspora os faz habitantes de locais que muitas vezes os preconceituam e maltratam. Temos, nós todos, de estar vigilantes para que a imigração seja uma escolha, não uma necessidade premente. Não basta a solidariedade, mas a ação. E que os nazi-sionistas, filhos diletos do capitalismo e imperialismo, e sua vilania sejam varridos do mapa para que as crianças e famílias imigrantes de vários locais do planeta possam florir em seus países de origem.

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