Vêm ocorrendo desde maio deste ano as negociações da burocracia sindical do setor bancário com a Federação Nacional dos Bancos (FENABAN), tendo resultado, após votação virtual nos primeiros dias de setembro, na aprovação pela maior parte dos sindicatos da nova Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), que valerá durante o período de 2024-20261.
O período de negociações foi marcado, de um lado, pelas esperadas desculpas esfarrapadas dos bancos, que tiveram lucro recorde de “míseros” 145 bilhões em 2023, aumento de 5% comparado a 20222, e de outro, pelas também esperadas choramingas da burocracia sindical, que se esforçou por impedir qualquer possibilidade de greve nacional no governo Lula, apesar da clara disposição dos trabalhadores, demonstrada em greves em vários Estados3.
Desde o início das negociações, os sindicatos dirigidos pelo oportunismo tem servido de verdadeira correia de transmissão dos interesses dos grandes bancos. Ao mesmo tempo que organizaram votação virtual para decidir acerca da deflagração de greve ou não, na maior parte das vezes sem organizar qualquer tipo de discussão por local de trabalho, passaram a difundir a orientação de aprovar a proposta da “grande conquista” de 0,7% de aumento real.
E qual é o grande argumento? Que é “melhor isso que nada”, que desde a reforma trabalhista do que chamam “golpe”, isto é, do gerenciamento do vice de Dilma, Michel Temer, acabou a assim chamada ultratividade4. Que se houver greve, acabará o vale-alimentação, o direito a folgas e abonos, ao acompanhamento de parentes doentes ao médico, acabará a famigerada participação nos lucros e resultados. Os bancários receberão o salário “seco” e durante a greve todos vão passar fome.
“É claro,” dizem eles, “apoiamos com certeza que se faça uma greve, somos totalmente a favor, mas toda greve precisa de preparação, e a categoria não está preparada, está desorganizada… desse jeito não adianta fazer, na melhor das hipóteses, a Justiça do Trabalho definiria apenas a reposição da inflação, isso se não perdermos tudo…” E isso se escutou não apenas nos corredores do Whatsapp das agências dos bancos privados, mas também nos bancos controlados pelo Estado, como o Banco do Brasil, da Amazônia e Caixa Econômica Federal, cujos presidentes são indicados pelo Poder Executivo.
Assim é o teatro das “negociações”: no primeiro ato sentam-se os personagens à mesa, as entidades burocráticas sindicais fazem propostas pedindo aumentos reais expressivos, bravateiam, denunciam a situação da categoria, apontam o lucro dos bancos, exigem mil e um direitos e, quando inspirados, leem um poema… os banqueiros, de terno e gravata, mas sem cartola, pois está fora de moda, escutam pacientemente, escutam pacientemente, e vão embora pacientemente sem dizer nada.
No dia seguinte, o segundo ato: novas bravatas, e os banqueiros escutam novamente, escutam novamente e dizem que vão tomar tudo isso em conta. Dizem que vão pensar, pensam e pensam, e vão embora pensando. E assim passam os dias, os dias e as semanas, até que, na sétima ou oitava rodada de conversas é feita uma proposta de perdas de salários reais.
O terceiro ato é o ápice do papel do oportunismo: uma nota de repúdio, difundida no website do sindicato, retransmitido por redes sociais, falando da intransigência dos patrões, indicando que tem sido muito difícil negociar, que tudo tem sido muito árduo. Seguem os choros, as lamentações, as lamúrias as queixas, numa interpretação tão emotiva que é digna de um Oscar!
Por fim, como ato final, os banqueiros reconsideram e oferecem algum doce e se comprometem a fazer programas educativos com muitos cursos online contra o assédio moral e para a inclusão de minorias. O sindicato, que nesse tempo todo fez de tudo para gastar a paciência da categoria, organiza suas votações virtuais para legitimar a proposta dos bancos. E pede aplausos ao final!5 Terminada a peça, os atores se abraçam e conclamam: todos ao trabalho, até daqui a dois anos pessoal!
…
É evidente, leitores, que só os estúpidos ou os capituladores se propõem a negociar sem ter o que oferecer como barganha. Negociações desse tipo só podem terminar sempre nisso: lamúrias e resignação. Direitos não se pedem, direitos não são esmolas jogadas por patrões piedosos com a miséria das massas, direitos se arrancam e sempre foi assim. Todo escárnio de cozinhar os trabalhadores em banho maria, esperando passar o período de pagamento dos idosos e doentes, que é quando as agências bancárias estão mais cheias, esperando vencer o período do acordo anterior, para tornar mais eficiente o terrorismo psicológico contra os trabalhadores do setor quanto à “perda de todos os direitos” diante da ultratividade, tudo isso é parte do acordo de cavalheiros com o capital financeiro, visando claramente evitar que estoure mais uma greve nacional este ano e que atrapalhe, bem no período das eleições municipais, o natimorto governo Lula, que seria obrigado a dizer que não teme bancários – esqueçamos por um momento dos banqueiros –, como ocorreu recentemente em sua “coragem” para enfrentar reitores universitários6. O objetivo não é nenhum outro senão tornar as condições o mais desfavoráveis possíveis para qualquer mobilização no momento em que a votação para aprovação dos acordos seja convocada.
Outra das táticas favoritas dos papagaios de pirata do capital financeiro é repetir que os bancários não têm mais força, que hoje são poucos, que as “novas tecnologias” os tornaram supérfluos, que as greves não afetam mais os interesses do grande capital. O império dos smartphones e dos aplicativos. Ou seja, além da eterna preparação sempre necessária, pois é sempre adiada, os oportunistas repetem o mesmo discurso do capital financeiro que busca infundir sentimento de impotência e resignação.
Se hoje não há mais tantos estivadores tão concentrados como antes, estão por aí os carregadores em empresas de logística em milhares de centros espalhados pelo Brasil e os entregadores de encomendas; se hoje não há mais tantos ferroviários como antes, estão espalhados pelo Brasil os motoristas de aplicativo, os motoristas de ônibus e os caminhoneiros. Como nesses exemplos, a forma de luta no movimento sindical variará sempre conforme o desenvolvimento das forças produtivas, entretanto isso não apaga as contradições e a luta de classes.
Cada vez mais, as lutas operárias e sindicais em geral adotam formas mais dinâmicas que outrora, exigindo em alguns casos, por exemplo, concentrar forças num ponto rapidamente, para piquetes, sabotagens, trancamentos, atingindo aqueles lugares e pontos mais críticos para o inimigo de classe, dispersando-se para logo concentrar forças novamente, precisamente pelas grandes concentrações de trabalhadores terem diminuído quando comparadas ao período anterior, apesar de ainda existirem de forma relativa. Quanto a isso, os aplicativos, os celulares, as redes sociais, por exemplo, são ferramentas que não existiam antes.
É preciso, ademais, vincular claramente a luta reivindicativa com as questões táticas, da luta políticas, que estão sobre a mesa: agora, o governo e seus sequazes convocam as massas para apaziguar, não desenvolver o movimento grevista para evitar criar atritos na relação do governo oportunista com as forças centrais do establishment, para evitar um impeachment e “não dar chances para a direita se aproveitar”; enquanto que, pelas costas, o governo está entregando tudo a Arthur Lira, aos banqueiros, ao “agronegócio”, de tal forma que faria Bolsonaro ficar enciumado, e de quebra, apaga todas as diferenças entre a falsa esquerda e a direita. Não há dúvidas que essa linha só fortalece o bolsonarismo: a desmoralização da falsa esquerda – resultante de aplicar um governo de direita – fortalece a força reacionária extrema, como a suposta antagonista máxima. Assim, o governo e os oportunistas apenas infundem nas massas covardia e frustrações. Ao contrário do que propugna a aristocracia operária, cagões como são e não poderiam deixar de ser, que fazem feder e enchem de imundice o movimento sindical, um momento como esse era precisamente o melhor momento para uma greve da categoria, precisamente pela fragilidade do governo, pela proximidade das eleições municipais, pelo período de pagamento dos beneficiários do INSS, tendo em vista o peso dos bancos controlados pelo Estado dentro do conjunto. Não há dúvidas de que urge, no movimento operário, romper com a velha burocracia sindical e constituir seus novos instrumentos de mobilização de massas e, para tanto, não há segredo, o primeiro passo é lançar-se à batalha e preparar-se para o combate, combatendo.
…
Em tempo, para não ser injusto e acusado de desonestidade, é preciso dizer que não é verdade que os executivos e acionistas das grandes corporações financeiras não se preocupam com nenhum de seus funcionários. Hoje, os bancários acumulam perdas reais de 41,67% desde 19957, após golpes sofridos com o Plano Real e reposição inexistente ou irrisória nos anos seguintes, não importando o governo. É por isso, que visando corrigir defasagem tão estridente, a presidente do Banco do Brasil, indicada por Luiz Inácio, propôs em abril deste ano um reajuste de 57%… de seu próprio salário8.
Notas:
- CONTRAF, “Bancários e bancárias de todo o país aprovam convenção de trabalho” 2024-2026 https://contrafcut.com.br/noticias/bancarios-e-bancarias-de-todo-o-pais-aprovam-convencao-de-trabalho-2024-2026/ , acessado em 9 de setembro de 2024. ↩︎
- Banco Central do Brasil, “Relatório de Economia Bancária”, https://www.bcb.gov.br/publicacoes/relatorioeconomiabancaria , acessado em 9 de setembro de 2024. ↩︎
- E. g., Sindicato dos Bancários do Maranhão, “Bancários da Caixa, BB e BASA entram em greve nesta terça-feira (10/9)”; Sindicato dos Bancários do Rio Grande do Norte, “Bancários do BB e CEF do RN entram em greve por tempo indeterminado a rartir de segunda, dia 09”, ambos acessados em 9 de setembro de 2024. ↩︎
- Ultratividade era como se chamava a vigência dos acordos e convenções coletivas de trabalho por tempo indeterminado até nova convenção ou acordo posterior. Com a reforma trabalhista de Temer, uma vez findado o prazo inicial de tais acordos, estes passam a não ter mais validade legal. ↩︎
- Aplausos na forma de “contribuição negocial”, isto é, desconto da “participação nos lucros e resultados” dos bancários, pelo “serviço prestado” pelos sindicatos nas negociações. ↩︎
- “Vocês estão lembrados de um presidente que nunca recebeu um reitor na vida dele? Nunca recebeu um reitor. Eu, em apenas um ano e sete meses, já convidei duas reuniões de todos os reitores do Brasil, das universidades e dos institutos federais, porque eu não tenho medo de reitor”. Luiz Inácio, acerca de seus medos e da tática do banho maria, em 21 de junho de 2024. ↩︎
- Sindicato dos Bancários do Rio Grande do Norte, “Perdas/ganhos salariais dos bancários do Banco do Brasil em relação a inflação: quem deve o quê?”
https://www.bancariosrn.com.br/noticias/4114/perdasganhos-salariais-dos-bancrios-do-banco-do-brasil-em-relao-a-inflao-quem-deve-o , acessado em 9 de setembro de 2024 ↩︎ - UOL, “BB quer aumentar salário de presidente para R$ 117 mil; 57% de reajuste” https://noticias.uol.com.br/colunas/andreza-matais/2024/04/21/bb-quer-aumentar-salario-de-presidente-para-r-117-mil-64-de-reajuste.htm , acessado em 9 de setembro de 2024 ↩︎